Mudança de regra do foro provoca migração de ações contra ex-políticos para o STF

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JOSÉ MARQUES
BRASÍLIA, DF (FOLHAPRESS)

A decisão do STF (Supremo Tribunal Federal) que ampliou o foro especial, mantendo na corte casos de autoridades após elas deixarem os cargos, abriu espaço para que uma série de ações penais contra políticos que tramitavam na primeira instância voltem ao tribunal.

Casos envolvendo ex-parlamentares e ex-ministros, por exemplo, já começaram a retornar à corte. A mudança tem ocorrido tanto a partir de pedidos de advogados como do Ministério Público, e também por decisões tomadas de ofício (sem provocação externa) por magistrados.

Os trâmites para que esses processos voltem ao STF começaram nos casos que envolvem o ex-ministro Paulo Bernardo, que atuou nos primeiros mandatos de Lula e de Dilma Rousseff (ambos do PT), o ex-deputado André Vargas, que foi preso na Operação Lava Jato, e o ex-ministro Milton Ribeiro, que comandou a Educação no governo Jair Bolsonaro (PL).

O Supremo decidiu ampliar o foro especial, em julgamento encerrado em 11 de março, para manter na corte as investigações de autoridades mesmo após elas saírem dos cargos.

A tese vitoriosa foi proposta pelo ministro Gilmar Mendes. Ela define que o foro especial “subsiste mesmo após o afastamento do cargo, ainda que o inquérito ou a ação penal sejam iniciados depois de cessado seu exercício”.

A mudança de entendimento é uma das razões para a manutenção de processos contra o ex-presidente Bolsonaro no STF.

O próprio STF ainda não tem um levantamento preciso de quantos e quais processos voltarão para ser julgados pela corte devido à mudança de entendimento.

No caso de Paulo Bernardo, a ação que tramita sob sigilo na Justiça Federal em São Paulo acusa o ex-ministro de ter recebido propina quando era titular do Planejamento sob Lula, de 2005 a 2010, para contratar a empresa de softwares Consist.

Segundo o Ministério Público Federal, o esquema teria continuado nos anos seguintes, quando ele se tornou ministro das Comunicações de Dilma.

O caso é oriundo da Operação Custo Brasil, um desdobramento da Lava Jato. Paulo Bernardo sempre negou qualquer envolvimento no esquema.

No processo que corre na Justiça Federal em São Paulo, a defesa do ex-ministro pediu para que o caso fosse enviado ao Supremo.

A advogada de Paulo Bernardo é Verônica Sterman, que foi indicada por Lula para ocupar uma vaga no STM (Superior Tribunal Militar), mas ainda não foi sabatinada pelo Senado. Segundo ela, “a petição apenas pede que se cumpra a nova decisão do Supremo”.

O Ministério Público concordou com a mudança de foro, levando em conta que “os crimes objeto da presente ação foram praticados no exercício da função pública, em relação a qual a Constituição Federal confere a prerrogativa de foro ao réu Paulo Bernardo Silva e considerando a mudança de entendimento [do STF]”.

Outro caso envolve André Vargas, ex-deputado pelo PT que foi o primeiro político condenado na Lava Jato, em uma decisão assinada pelo então juiz Sergio Moro (hoje senador pelo União Brasil-PR).

Vargas ficou na prisão de 2015 a 2018 e foi alvo de duas denúncias criminais, mas as sentenças depois foram anuladas pelo STF, que declarou a 13ª Vara Federal de Curitiba incompetente para o julgamento dos casos. Os processos migraram para a Justiça Federal no Distrito Federal.

Em processo que tramitava no Distrito Federal e aguardava análise da denúncia, Vargas foi acusado de ter recebido propina para viabilizar contratos no Ministério da Saúde e na Caixa Econômica. Ele negou que tivesse cometido os crimes.

O processo e todas as ações correlatas a ele foram enviados ao Supremo no início do mês.

Já o caso do ex-ministro Milton Ribeiro que deve voltar ao Supremo trata de uma ação na qual ele é réu sob acusação da prática do crime de homofobia.

Quando era ministro, Ribeiro disse que a homossexualidade não seria normal e atribuiu sua ocorrência a “famílias desajustadas”. As declarações foram proferidas em entrevista em 2020 ao jornal O Estado de S. Paulo.

Ele foi denunciado em 2022, pela Procuradoria-Geral da República. O caso saiu do STF quando Ribeiro deixou o cargo de ministro. Em 20 de março deste ano, o TRF-1 (Tribunal Regional Federal da 1ª Região), em Brasília, recebeu a denúncia e transformou o ex-ministro em réu.

Em 28 de abril, o procurador Luiz Fernando Viana pediu para que o caso voltasse ao Supremo, devido ao novo entendimento sobre foro.

“Embora o recorrente não mais ocupe cargo com foro por prerrogativa de função, o fato de a conduta em tese criminosa a ele imputada ter sido praticada no exercício e em razão do cargo de ministro de Estado por ele ocupado à época dos fatos atrai a competência da Suprema Corte”, disse.

Procurado, o advogado de Ribeiro, Daniel Bialski, disse que, caso o processo seja enviado ao STF, o recebimento da denúncia deveria ser anulado, já que a decisão foi tomada após a mudança de entendimento da corte sobre o foro.

Há também uma investigação sobre Ribeiro aberta por decisão Cármen Lúcia, do STF, que foi enviada à primeira instância e ainda não retornou ao Supremo.

A determinação ocorreu após a Folha revelar uma gravação em que o ex-ministro afirmava que o governo Bolsonaro priorizava prefeituras cujos pedidos de liberação de verba eram negociados por pastores que não tinham cargo e atuavam em um esquema informal de obtenção de verbas do MEC.

Em março, depois da mudança de entendimento sobre o foro especial, o ministro Alexandre de Moraes havia determinado o retorno à corte dos autos de investigações sobre políticos como o presidente do PSD, Gilberto Kassab, o ex-ministro Geddel Vieira Lima (MDB) e o ex-ministro do Meio Ambiente e deputado federal Ricardo Salles (Novo-SP).

Todas essas apurações haviam sido enviadas a instâncias inferiores porque os políticos deixaram os cargos e perderam o foro especial.

MUDANÇAS DE ENTENDIMENTO DO STF SOBRE FORO ESPECIAL

– Até 1999: Autoridades com foro no STF continuam a ser julgadas pela corte mesmo após o fim do mandato, caso crime tenha sido cometido enquanto ocupam o cargo

– 1999: Autoridades perdem automaticamente foro especial ao deixar o cargo, e casos devem ir para a primeira instância.

– 2018: STF restringe foro, que passa a valer apenas quando crime tem relação com o cargo, e apenas ao longo da duração do mandato

– 2025: Foro volta a ser ampliado com nova interpretação, e ações contra autoridades no STF devem seguir no tribunal mesmo após o término dos mandatos

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