Integrantes da Fazenda contavam com aumento do IOF para controlar saída de dólares e valorizar o real

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ADRIANA FERNANDES E IDIANA TOMAZELLI
BRASÍLIA, DF (FOLHAPRESS)

Integrantes do Ministério da Fazenda contavam com o aumento do IOF (Imposto sobre Operações Financeiras) sobre aplicações de fundos brasileiros de investimento no exterior para valorizar o real via maior controle de saída de dólares do país.

A alíquota do imposto sobre a remessa desses recursos era zero, mas o governo de Luiz Inácio Lula da Silva (PT) decidiu instituir uma cobrança de 3,5%, o que poderia induzir maior retenção desses investimentos no Brasil e reduzir a procura por dólar. Diante da má repercussão, o Executivo recuou e revogou a mudança poucas horas depois.

O objetivo principal da medida lançada na quinta-feira (22) era aumentar a arrecadação para cumprir a meta fiscal deste ano. Mas as mudanças no imposto também tinham por trás um viés regulatório para manter o dinheiro no país e ajudar a reduzir a cotação do dólar frente ao real, de acordo com pessoas a par do tema ouvidas pela Folha.

Procurada, a assessoria do ministro da Fazenda, Fernando Haddad, negou que a medida do IOF tenha tido uma intenção de controle de capital. “Isso nunca foi discutido”, afirmou.

Em janeiro, a possibilidade de adoção da medida foi alvo de discussões internas do Ministério da Fazenda com o presidente do Banco Central, Gabriel Galípolo, que acabara de assumir o comando da instituição no lugar de Roberto Campos Neto. Na ocasião, ele se posicionou veementemente contra a alteração.

Uma das preocupações do BC era a de que a mudança do IOF nas operações de câmbio seria vista pelo mercado financeiro como uma medida com “cheiro” de controle de capital. Na época, a cotação do dólar ainda estava acima de R$ 6,00, na esteira dos ruídos provocados no fim de novembro pelo pacote de contenção de gastos de Haddad, anunciado em conjunto com proposta de isenção de Imposto de Renda para quem ganha até R$ 5.000.

O risco apontado pelo BC era que a medida surtisse o efeito contrário e levasse à alta do dólar, o que de fato acabou acontecendo após a concretização da mudança em decreto publicado na quinta.

Embora a elevação do IOF possa induzir a retenção de investimentos no Brasil, reduzindo a demanda por dólares ou outras divisas, ela pode ter também outro efeito colateral: o de repelir o ingresso de recursos desses fundos que já estão no exterior, justamente porque, depois, eventual saída ficará mais cara.

Esse segundo fator pode impulsionar a cotação do dólar e outras moedas, diante da menor oferta.

Além disso, nesses momentos, os investidores do mercado financeiro antecipam expectativas de que medidas ainda mais duras possam ser adotadas. Isso pode encorajar a retirada de dinheiro do país, contribuindo para a desvalorização do real.

Por isso, segundo um interlocutor do governo, a avaliação foi de que a Fazenda errou a mão no decreto e “foi além do que devia”, pois a medida configuraria, na prática, um controle na entrada e saída de capitais. Daí a necessidade de revogar a mudança.

Na entrevista coletiva que detalhou o aumento do imposto, o secretário do Tesouro Nacional, Rogério Ceron, também negou que o governo almejasse um patamar específico de câmbio. No entanto, ele admitiu que era objetivo do governo interferir na cotação no sentido de reduzir sua volatilidade.

“O que está sendo feito aqui, isso é importante dizer, não é penalizar. É dar o mesmo tratamento, simplesmente não fomentar esses movimentos de curtíssimo prazo que geram volatilidade [no câmbio]”, afirmou Ceron. “A gente precisa começar a olhar essas questões mais estruturais, pensando no médio e longo prazo, ter um pouco mais de estabilidade, ou pelo menos não fomentar a volatilidade, acaba sendo uma medida importante para nós.”

O secretário disse que a alíquota zero sobre as aplicações de fundos brasileiros no exterior foi adotada há mais de uma década, quando o real estava muito valorizado e o Executivo queria incentivar a saída de dólares do país para depreciar o câmbio.

“Isso tem gerado uma abertura, não para o investimento de longo prazo, mas, sim, para o investimento que fica aproveitando pequenas oportunidades para tentar fazer arbitragem de taxas [obter ganho financeiro com compra e venda de ativos em diferentes mercados]. Isso acaba tendo reflexo em volatilidade, prejudica toda a economia, inclusive investimentos relevantes”, afirmou Ceron.

“[O decreto] Tirou um fomento, como política pública, a que se tirasse recursos do país para colocar em fundos de investimentos no exterior. Mas isso é uma decisão, no nosso entender, que não faz sentido fomentar”, acrescentou o secretário, ressaltando que esta era uma decisão de política econômica.

O secretário especial de Receita Federal, Robinson Barreirinhas, também citou na coletiva que o objetivo da mudança era “não incentivar a saída de recursos do país”.

Durante a coletiva, o secretário-executivo da Fazenda, Dario Durigan, disse que a medida tinha “embasamento regulatório” e afirmou que Galípolo havia tomado conhecimento das medidas em reunião realizada na terça-feira (20).

Horas depois, Haddad disse que nenhuma das ações havia sido negociada com a autoridade monetária. O próprio presidente do BC admitiu que foi pego de surpresa pelo anúncio.

Galípolo disse que tomou conhecimento do decreto pela entrevista coletiva “assim como todo mundo”. “Quando Haddad faz menção em negociação, em debates anteriores sobre o tema, manifestei que não tinha simpatia, não gostava da ideia”, afirmou, em evento no Rio de Janeiro nesta sexta-feira (23).

A informação de que o presidente do BC era contra o aumento do IOF sobre as remessas de fundos foi antecipada pela Folha e gerou uma saia-justa com Haddad, além de ter deflagrado uma guerra de versões nos bastidores. A versão de que a reunião de terça entre Fazenda e BC teria sido tensa por causa da discussão do IOF foi desmentida à Folha por pessoas que participaram do encontro.

Segundo interlocutores do governo, antes de o governo decidir revogar os pontos mais polêmicos do decreto do IOF, Galípolo foi consultado por integrantes do Palácio do Planalto que participaram da reunião de emergência realizada na noite de quinta para discutir o recuo.

Nesta sexta, técnicos do governo se reuniram novamente para debater como compensar a perda de arrecadação com a revogação dos trechos. O impacto é calculado em R$ 1,4 bilhão, valor que havia sido incluído na avaliação do Orçamento para minimizar o tamanho do congelamento necessário para cumprir regras fiscais.

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