As riquezas ancentrais da cozinha do Alto Rionegro

Janaina Torres e Denise Araujo Explorando a feira de São Gabriel da Cachoeira com o chef Conde Aquino

Voltar ao município de São Gabriel da Cachoeira, onde habitam mais de 23 povos indígenas pertencentes a cinco famílias linguísticas: Tukano, Aruak, Yanomami, Japurá-Uaupés (Maku) e Tupi (Nheengatu ), é sempre uma emoção.

Desta vez venho acompanhada do meu filho, da chef Janaina Torres e do cineasta Leandro Langoni para uma pesquisa da cultura alimentar da região, depois de exatos 10 anos da minha última visita. Mas essa não é minha primeira vez, estive em 1983, quando avistei pela primeira vez a  Serra da Bela Adormecida.

Mas o mais fascinante é que estava fazendo uma pesquisa sobre ingredientes, frutas, peixes, modo de cozinhar, pratos típicos da região amazônica para um glossário da alimentação da Plataforma Sommos Amazônia desde o ano passado. Esse trabalho foi um convite feito pela jornalista Luiza Fecarotta para  poder mostrar mais sobre a alimentação da região.

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Muitos ingredientes dessa pesquisa são únicos e só se encontram como parte da alimentação local, aqui, na cidade de São Gabriel da Cachoeira, que fica localizada na fronteira com a Colômbia e a Venezuela, com aproximadamente 52 mil habitantes, sendo o terceiro maior município brasileiro em extensão territorial, o local também é conhecido como “Cabeça do Cachorro”, por conta do formato do seu território no mapa do país.

É aqui que se encontra o Cubiú ou Maná-Cubiú, também chamado de tomate-de-índio, cocona, peach tomato. O seu fruto com a polpa suculenta, acidulada e sementes pequenas, pode ser consumido na forma de suco, geleia, sorvete, doce em calda e em pratos salgados como salada, vinagrete, molho com pimenta, caldeirada de peixe e cozido com carne bovina. Quando vira uma compota seu sabor se assemelha ao pêssego e é facilmente encontrado na feira da cidade.

Cubiú

Temos ainda o Mapati ou Cucura, também chamado de uva-da-Amazônia, o seu fruto tem a casca fina, de superfície áspera, fibrosa, com coloração violeta-escura, quando maduro. O Mapati tem uma polpa com consistência gelatinosa, suculenta, pouco fibrosa e de sabor agradável e levemente adocicada. É consumido basicamente in natura, e apresenta potencial para a preparação de doces, frutas em calda ou desidratadas, geleias, sucos e bebidas fermentadas, granola e farinha nutritiva.

Biribá também conhecida como araticum, fruta-do-conde, fruta-da-condessa, o fruto apresenta polpa mole, branca e mucilaginosa, que envolve as sementes de coloração castanho-escuro. A polpa suculenta e pouco fibrosa tem cor que varia de branca a creme e sabor agradável e doce. O biribá é quase sempre consumido in natura, mas é apreciado em sucos, sorvetes, geleias e caldas doces.

Passamos também na feira pelos beijus, que são variados, podendo ser beiju de mandioca (mais consistente), o beiju chamado de Curadá feito com farinha de mandioca e goma de tapioca (mais mole), ou beiju de tapioca.

Mas a minha alegria é sempre ver que o tucupi pixuna (que chamo de tucupi negro) permanece forte na feira, nos pratos e nas casas de quem vive em São Gabriel. Aqui se encontra com formiga saúva que destaca mais o sabor ou com pimentas para quem gosta de mais picante. Aqui além do tucupi pixuna, outro ingrediente ancestral emblemático é o arubé, que também se encontra na feira, no supermercado e nos restaurantes locais.  

Visitamos alguns restaurantes da cidade é podemos dizer que o almoço basicamente é servido em bufês com comida caseira a quilo. Estivemos na Padaria Elite, pioneira na cidade que também serve almoço e sopas para o jantar. Os restaurantes da Dina e da Lennynha também são uma opção para o almoço, com comida caseira variada, saborosa, todos esses lugares com ar-condicionado. Mas para quem gosta de experimentar os sabores regionais, temperos, ingredientes locais recomendo a La Cave du Conde que funciona de quinta a sábado comandada pelo chef Conde Aquino, e não esqueçam de experimentar a comida da Dona Brazi, uma cozinheira de mão cheia, como diria minha avó. Ela sabe trabalhar muito bem os ingredientes da cultura indígena, sendo a grande divulgadora do tucupi pixuna, das formigas saúvas, do arubé e do cubiú há anos, mas ela só atende com reserva.

Em São Gabriel tivemos como nosso guia o chef Conde Aquino, que sabe muito sobre a história local, os ingredientes e as muitas lendas que habitam na cidade. A hospedagem foi na Pousada Bawary, um local super aprazível, com um café da manhã regional, além da simpatia e cortesia dos donos Auri e Giovana, que nos recepcionaram muito bem.

Tenho certeza de que essa imersão está sendo muito importante para a chef Janaina Torres vivenciar mais profundamente a Amazônia. São tantas as descobertas, que vão lhe trazer muita inspiração desse Brasil originário recheado de sabores e saberes ancestrais. Na próxima semana continuaremos a busca de mais ingredientes, agora no extremo norte brasileiro, no estado de Roraima. Acompanhem a Expedição “A Brasileira” na Amazônia por enquanto nas redes sociais e vejam o quanto nosso norte é rico e saboroso.

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