VITOR HUGO BATISTA
SÃO PAULO, SP (FOLHAPRESS)
Após o anúncio do governo Lula na quinta-feira (22) de um aumento nas alíquotas do IOF (Imposto sobre Operações Financeiras) e as ameaças tarifárias de Trump contra a União Europeia, o dólar chegou a disparar mais de 1% e a Bolsa registrou uma queda de quase 1,5% nas primeiras negociações desta sexta-feira (23).
Diante do mau humor dos investidores com as medidas, o governo publicou um novo decreto em edição extra do Diário Oficial da União na madrugada desta sexta, o que fez os humores do mercado melhorarem e os movimentos desacelerarem ao fim da manhã.
Às 13h25, a divisa dos EUA tinha alta de 0,27%, a R$ 5,676, enquanto a Bolsa subia 0,11%, a 137.473 pontos.
Apesar de as medidas anunciadas contribuírem para reforçar a arrecadação e cumprir a meta fiscal de déficit zero neste ano, analistas do mercado apontam que a reação negativa tem relação com a comunicação da medida, e não necessariamente com o conteúdo em si após os recuos.
Na cena externa, investidores repercutiam as ameaças do presidente dos Estados Unidos de impor tarifas de 50% a produtos da União Europeia a partir de 1º de junho.
Na quinta (22), o governo de Luiz Inácio Lula da Silva (PT) baixou um decreto para aumentar o IOF (Imposto sobre Operações Financeiras) de uma série de operações de câmbio e crédito de empresas, com previsão de arrecadação de R$ 20,5 bilhões em 2025 e R$ 41 bilhões em 2026. Também foi divulgado o congelamento de R$ 31,3 bilhões de despesas do Orçamento deste ano.
Juntas, as medidas contribuiriam para cumprir a meta fiscal de déficit zero neste ano. No entanto, a falta de detalhes, que só seriam divulgados após o fechamento dos mercados, impulsionou a alta do dólar na quinta, que encerrou com um avanço de 0,35%, a R$ 5,660, enquanto a Bolsa caiu 0,44%, a 137.272 pontos.
Horas depois do anúncio, o governo chamou uma reunião de emergência e decidiu rever dois pontos da medida sobre o IOF, que devem reduzir o ganho de arrecadação em aproximadamente R$ 6 bilhões até 2026.
“Foi um pânico tão generalizado, tão generalizado, que a Fazenda teve que revogar algumas medidas”, afirmou Alison Correia, analista de investimentos e com-fundador da Dom Investimentos.
Segundo noticiou a Folha de S.Paulo, a decisão de recuar foi motivada pelo receio de que o episódio pudesse repetir a experiência traumática da crise do Pix, em janeiro, quando a disseminação de fake news sobre o tema prejudicou a popularidade do presidente.
Participaram os ministros Rui Costa (Casa Civil), Sidônio Palmeira (Secretaria de Comunicação) e Gleisi Hoffmann (Secretaria de Relações Instituições) e técnicos da área jurídica para discutir os ajustes no texto do decreto. Eles pediram uma avaliação da Fazenda sobre a existência de erros na redação.
Na madrugada desta sexta, antes da abertura dos mercados, um novo decreto foi publicado em edição extra do Diário Oficial da União.
Segundo o ministério da Fazenda, “após diálogo e avaliação técnica”, o governo decidiu restaurar o texto que estabelece alíquota zero de IOF sobre aplicações de fundos de investimentos do Brasil em ativos no exterior. Antes de recuar, o governo havia previsto uma alíquota de 3,5%.
“Voltaram atrás em relação aos fundos, por que quem vai querer diversificar os seus investimentos lá fora? Uma das poucas defesas que a gente tem é conseguir diversificar os nossos investimentos alocando também em moedas mais fortes de mercados internacionais”, disse Correia, da Dom Investimentos.
Em entrevistas a jornalistas em São Paulo na manhã desta sexta, Haddad afirmou que o governo não tem problema em corrigir rota, “desde que o rumo traçado pelo governo seja mantido”, após a pasta recuar de parte das medidas do IOF.
As operações com cartões de crédito e débito internacionais, cartão pré-pago internacional, cheques de viagem para gastos pessoais, cuja alíquota passou de 3,38% para 3,5%, serão mantidas.
Apesar do recuo, as primeiras negociações desta sexta ainda refletiam as incertezas do mercado com as medidas. O dólar chegou a disparar mais de 1%, atingindo R$ 5,744, na máxima, enquanto a Bolsa despencou até 1,5%, indo abaixo dos 135 mil pontos na mínima do pregão.
OPERAÇÕES INTERNACIONAIS
Segundo analistas, tanto o bloqueio de despesas quanto o aumento do IOF podem gerar uma arrecadação adicional significativa para o governo, mas que o custo para a economia e para a confiança do mercado pode ser alto.
Matheus Spiess, analista da Empiricus Research, afirma que, embora o bloqueio de despesas anunciado pelo governo tenha superado as expectativas do mercado, a forma como o aumento do IOF foi implementado acabou ofuscando essa notícia positiva.
“O governo conseguiu transformar uma notícia boa em um desastre, porque surpreendeu positivamente no tamanho do contingenciamento e do bloqueio, que superou os R$ 30 bilhões, mas veio junto com essa notícia do IOF”, disse. Segundo ele, a decisão do aumento do IOF veio como uma “bomba” e uma “péssima sinalização”, disse.
Spiess afirmou que o recuo do governo reforça a impressão de desorganização e falta de direção clara. “Isso mostra que não há muito norte, está realmente bagunçado.”
Na perspectiva de Marco Noernberg, head de renda variável da Manchester Investimentos, o mercado está reagindo de forma pessimista porque, embora o governo tenha conseguido uma melhora rápida na arrecadação via IOF -um tributo que incide diretamente nas transações e gera receita imediata-, essa medida acaba encarecendo as empresas.
“Você começa a trazer possíveis problemas adicionais de forma abrupta, sem que as empresas tenham tempo para se planejar,” afirmou. Além do impacto no crédito, Noernberg apontou que a medida também afeta o mercado de câmbio.
Para Cristiano Oliveira, economista-chefe do Banco Pine, o aumento do IOF demonstra que o governo não está disposto a fazer um ajuste fiscal pela ótica de corte de gastos, mas pelo aumento de arrecadação de impostos, o que torna a medida uma ferramenta rápida, porém controversa, para o ajuste fiscal.
“Embora contribua para o equilíbrio fiscal, o uso do IOF como instrumento arrecadatório cria precedentes problemáticos e amplifica a percepção de incerteza tributária, especialmente num contexto em que os ajustes fiscais recaem cada vez mais sobre elevação da carga tributária”, afirmou.
Na perspectiva de Pedro Moreira, sócio da One Investimentos, a preocupação do mercado não é o aumento da arrecadação em si, que poderia ser visto como positivo, mas sim a forma como a medida foi anunciada.
“O mercado entendeu o aumento da tributação sobre recursos para o exterior não só como uma medida de arrecadação, mas como um controle de capitais por parte do ministro da Fazenda,” afirmou.
Outro ponto negativo, segundo Moreira, é que nenhuma dessas medidas relacionadas ao IOF foi negociada com o Banco Central, principal entidade responsável pela política cambial e monetária do país, o que demonstra uma falta de diálogo c om a autoridade monetária.
No cenário internacional, a tarifação dos Estados Unidos contra a União Europeia estava no radar dos investidores.
Isso porque o presidente dos EUA, Donald Trump, disse nesta sexta que está recomendando uma tarifa de 50% sobre produtos da União Europeia a partir de 1º de junho, afirmando que a negociação comercial coma UE tem sido difícil.
A medida escalona a guerra comercial com o bloco apenas duas semanas depois de os EUA concordarem com a China em reduzir tarifas em um pacto que confortou investidores globais.
Caso se confirme, a tarifa de 50% seria mais do que o dobro da taxa que o presidente dos EUA anunciou para a UE em seu autoproclamado Dia da Libertação em 2 de abril.
“A abertura de mais frentes na guerra comercial foi exatamente o que os investidores não precisavam e isso claramente pegou a maioria desprevenida”, disse Steve Sosnick, analista-chefe de mercado da Interactive Brokers.
“Não está claro o que motivou essas declarações, mas elas são emblemáticas do tipo de volatilidade para a qual devemos estar sempre preparados.”
Trump também ameaçou a Apple com uma tarifa de 25% sobre todos os iPhones vendidos nos EUA que não sejam fabricados no país.
“Essa última ameaça é pior do que o pior cenário possível”, disse Fiona Cincotta, analista sênior de mercado da City Index.
Diante desse cenário, os principais índices de Wall Street caíam nesta sexta-feira. Por volta das 13h, Dow Jones caía 0,73%, a 41.556,75 pontos. O S&P 500 tinha queda de 0,90%, a 5.789,62 pontos, enquanto o Nasdaq Composite recuava 1,14%, a 18.709,69 pontos.
O indicador de volatilidade de Wall Street VIX, o “índice do medo”, atingiu a máxima de mais de duas semanas, subindo mais de 9,5%. Já o DXY, que mede a força do dólar frente a uma cesta de outras seis divisas fortes, caía 0,75%.