Medo de ‘efeito Nikolas’ pesou para Fazenda corrigir rota do IOF quase meia-noite

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CATIA SEABRA
BRASÍLIA, DF (FOLHAPRESS)

O governo do presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) correu contra o tempo para anunciar o recuo em mudanças no IOF (Imposto sobre Operações Financeiras) ainda no final da noite de quinta-feira (22) por temer a repetição da traumática experiência da crise do Pix, em janeiro.


À época, a disseminação de fake news sobre taxação de operações feitas via Pix invadiu as redes e afetou a popularidade do presidente.


A pressa desta quinta foi uma tentativa de evitar o que auxiliares no Planalto temiam ser um novo “efeito Nikolas”, em referência ao alcance dos vídeos do deputado bolsonarista Nikolas Ferreira (PL-MG).


Nikolas foi o autor de um vídeo criticando o aumento da fiscalização do Pix que viralizou e ultrapassou 100 milhões de visualizações em um dia. O bolsonarista repetiu a marca recentemente com um vídeo responsabilizando o governo pelo escândalo do desconto de benefícios do INSS (Instituto Nacional de Seguro Social) sem autorização de aposentados e pensionistas.


Diante disso, foi avaliado que era preciso dar uma resposta rápida ao mercado contra rumores de que o governo estaria tentando promover controle de capitais e, ao mesmo tempo, evitar que Nikolas tivesse munição para produzir mais um conteúdo viral para prejudicar Lula.


Os ministros Rui Costa (Casa Civil), Sidônio Palmeira (Secretaria de Comunicação) e Gleisi Hoffmann (Secretaria de Relações Instituições) se reuniram no Palácio do Planalto na noite de quinta com técnicos da área jurídica do governo para discutir a ajustes no texto do decreto, que tinha sido anunciado horas antes na Fazenda.


OPERAÇÕES INTERNACIONAIS


O ministro Fernando Haddad (Fazenda), que tinha viajado de Brasília para São Paulo, participou à distância dos debates sobre a revisão. Após realizar mudanças no texto, Haddad consultou Sidônio sobre o momento mais apropriado para a divulgação da medida, cogitando a possibilidade de o anúncio do recuo ocorrer na manhã desta sexta (23).


Sidônio recomendou que fosse divulgada ainda na madrugada para que não pairassem dúvidas sobre a decisão do governo. Prevaleceu o argumento de que o mercado deveria operar já com a informação corrigida.


Segundo relatos, integrantes do governo chegaram a avaliar que decisões poderiam vir a ser exploradas politicamente pela oposição.


Na manhã desta sexta, o titular da Fazenda disse a jornalistas que o governo fez a revisão da medida antes da abertura do mercado para evitar interpretações de que ela tinha por objetivo inibir investimentos.


Em janeiro, a equipe econômica foi criticada por não ter consultado o Palácio do Planalto sobre ampliação da fiscalização sobre transações de pessoas físicas via Pix que superassem R$ 5.000 por mês.


À época, Haddad alegou que ninguém poderia supor que a oposição fosse divulgar informações falsas sobre uma norma da Receita Federal. Ainda assim, o ministro da Fazenda saiu derrotado da reunião em que Lula decidiu pela revogação da medida.


Nesta quinta, uma das preocupações no governo foi que uma nova onda de desinformação deteriorasse ainda mais o ambiente político, abalado pelo escândalo do INSS.


O anúncio do IOF aconteceu no momento em que o governo esboça uma reação à crise do INSS, com a promessa de ressarcimento aos beneficiários lesados e avanço das investigações.


Nesta sexta, Haddad afirmou que não tem problema em corrigir rota, desde que o rumo traçado pelo governo seja mantido.


“Entendemos que, pelas informações recebidas, valia a pena fazer uma revisão desse item para evitar especulações que não são próprios do governo ou da Fazenda, de inibir investimentos”, afirmou.


A versão editada na tarde desta quinta previa a cobrança de uma alíquota de 3,5% do IOF sobre aplicações de fundos de investimentos do Brasil em ativos no exterior a partir desta sexta. Antes, essas aplicações tinham alíquota zero. A alteração tornou-se um dos pontos mais polêmicos, segundo apontado por representantes do mercado financeiro a integrantes do governo.


A cúpula do Ministério da Fazenda foi alertada para o problema durante a entrevista de detalhamento das medidas. O próprio secretário-executivo do Ministério da Fazenda, Dario Durigan, acenou com a possibilidade de correções na medida.


Um integrante da equipe econômica reconhece que houve um erro de entendimento da Fazenda em relação ao funcionamento dos fundos de investimento, e que o decreto desta quinta permitia que as aplicações fossem tributadas diariamente com o IOF.


Outro interlocutor do governo diz que a Fazenda errou a mão no decreto e “foi além do que devia”. Segundo ele, a aplicação do IOF de 3,5% configuraria, na prática, um controle na entrada e saída de capitais desses fundos. Daí a necessidade de revogar a medida.

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