
(Foto: Alexander Grey/Pixabay)
Diversas pesquisas sobre os efeitos da mídia indicam que o jornalismo não determina diretamente o que as pessoas pensam, mas influencia profundamente sobre o que elas pensam. Essa premissa, consagrada pela teoria da agenda-setting, demonstra que os meios de comunicação exercem um papel decisivo na definição dos temas que ganham centralidade no debate público (McCombs, 2009). Ao destacar determinados assuntos em detrimento de outros, o fazer jornalístico contribui para a definição da agenda pública e, com isso, reforça sua relevância como mediador simbólico da realidade.
Ao decidir quais questões merecem relevância, o jornalismo exerce uma função central de seleção e hierarquização da realidade, atuando como uma espécie de curadoria do mundo social. Nesse processo, opera como um filtro simbólico, definindo o que será amplificado ou silenciado na esfera pública. Essa capacidade de organizar a atenção coletiva — sobretudo em temas sensíveis como os direitos humanos — torna a imprensa uma arena estratégica no jogo de visibilidade x invisibilidade de fenômenos e de populações marginalizadas/vulnerabilizadas.
As reflexões aqui apresentadas visam contribuir para o campo de estudos sobre jornalismo e direitos humanos, oferecendo uma análise das práticas jornalísticas contemporâneas e sugerindo caminhos para uma atuação mais ética e responsável dos meios de comunicação na construção de narrativas que promovam os direitos e a dignidade humana. Especialmente em um momento de grandes desafios globais, é preciso pensar a construção de uma cultura de promoção dos direitos humanos.
A escolha editorial de pautas, fontes e enquadramentos pode, portanto, contribuir para reforçar desigualdades ou, ao contrário, promover transformações, dependendo do compromisso ético de quem produz a informação jornalística. Ao selecionar quais pautas serão cobertas, quais vozes serão ouvidas e como os fatos serão apresentados ao público, profissionais e veículos tomam decisões e fazem escolhas editoriais que atuam na realidade social percebida. O modo como uma pauta é abordada — seu enquadramento (framing) — influencia o imaginário social em torno daquela temática. Um mesmo evento, como um protesto, pode ser representado de formas radicalmente distintas — ora como “desordem pública”, ora como “ato legítimo de resistência” — a depender do enquadramento jornalístico adotado.
Frente a movimentos como a crescente radicalização na política, a crise de refugiados, a escalada da violência policial e o aumento de movimentos populistas, a narrativa jornalística assume um importante papel na formação da opinião pública e no imaginário sobre direitos humanos. No entanto, a cobertura muitas vezes reforça estereótipos, marginaliza grupos vulneráveis e contribui para preconceitos. A proposta aqui busca oferecer uma reflexão abrangente, pensando as possíveis formas de exercício jornalístico que promovam a justiça social e a dignidade humana, essência da DUDH.
Cabe, portanto, pensar o lugar do jornalismo em uma sociedade marcada por profundos abismos sociais, como a brasileira, implicando reconhecer que essas feridas históricas limitam o pleno exercício das potencialidades desta atividade (Moser, 2024). Nesse contexto, desigualdades históricas e estruturais moldaram um sistema de exclusões múltiplas. Pensar a formação jornalística à luz dos direitos humanos é enfrentar esse legado. É reconhecer que não se pode formar jornalistas apenas com competências técnicas e narrativas desvinculadas da realidade social em que atuam. Trata-se de formar profissionais capazes de questionar estruturas opressoras, visibilizar vozes silenciadas e atuar com responsabilidade ética diante das múltiplas formas de injustiça.
Requer aqui refletir sobre o potencial subversivo do jornalismo como arena pública de debate, ao dar evidência às populações historicamente marginalizadas, denunciar violações de direitos humanos e desafiar os discursos dominantes ou oficiais. É importante também examinar como a agenda de direitos humanos é abordada por diferentes mídias, incluindo a imprensa tradicional e iniciativas que se posicionam fora do mainstream, e as implicações disso para a percepção pública e as políticas públicas.
Além de atuar na construção da agenda pública, o jornalismo também tem uma relação histórica e umbilical com a democracia. Quando temas sociais — como desigualdade, pobreza, racismo, acesso à saúde, moradia e educação — são tratados como periféricos ou secundários, o jornalismo deixa de cumprir sua função de dar visibilidade a temas de interesse público e de cobrar políticas públicas que promovam justiça social.
Pesquisa desenvolvida pelo grupo de estudos Jornalismo e Direitos Humanos (DHJor) da Universidade Federal de Santa Catarina levantou que a inclusão dos direitos humanos nos currículos, a partir das novas Diretrizes Curriculares Nacionais (DCNs) implantadas em 2013, ocorre de maneira gradativa, ainda incipiente e majoritariamente transversal.
“Ao realizar uma sondagem a projetos pedagógicos e grades curriculares de dez universidades públicas que oferecem cursos de graduação em Jornalismo, em todas as regiões do país, verificamos que a maioria cumpre a recomendação das DCNs com os teores de Cidadania e DH de maneira transversal. Dois cursos dispõem de disciplina específica, ofertadas em caráter optativo; e apenas uma universidade traz em seu currículo os DH como disciplina obrigatória” (Ijuim et al, 2023).
Publicado originalmente em objETHOS.
***
Magali Moser é Doutora em Jornalismo pelo PPGJOR/UFSC; pesquisadora do INCT.DD e professora substituta da FACOM/UFBA.
O post Por que os Direitos Humanos são fundamentais na formação jornalística? apareceu primeiro em Observatório da Imprensa.