Governo Macron eleva tom contra ‘ameaça do islã’ e diz combater radicalismo

ANDRÉ FONTENELLE
PARIS, FRANÇA (FOLHAPRESS)

O islamismo radical estaria “ameaçando a coesão nacional” da França com um recrutamento “de baixo para cima”, segundo um relatório do governo francês. O documento levou o presidente Emmanuel Macron a convocar uma reunião do Conselho de Defesa e de Segurança Nacional nesta quarta-feira (21). A oposição ridicularizou o relatório e acusou o governo de islamofobia.

Ao final da reunião, foi anunciado que Macron pediu ao primeiro-ministro François Bayrou “novas propostas” de medidas concretas contra o radicalismo, diante da “gravidade dos fatos”.

Composto pelo presidente, pelo primeiro-ministro e pelos ministros ligados à área de segurança, o Conselho de Defesa é convocado em situações de crise. Foi o que ocorreu, por exemplo, em 2020, durante a pandemia da Covid-19.

O governo publicará no próximo fim de semana as 73 páginas do relatório, que teria sido elaborado por um embaixador e um chefe de polícia. Trechos foram vazados na terça-feira (20) para o jornal conservador Le Figaro. Segundo esses trechos, a Muçulmanos da França (MF), uma federação de organizações islâmicas, estaria usando mesquitas, escolas e redes sociais para propagar ideias radicais.

A MF seria um braço, segundo o documento, dos Irmãos Muçulmanos, movimento radical internacional considerado terrorista por alguns países árabes, como a Arábia Saudita e os Emirados Árabes Unidos. A entidade divulgou nota manifestando “profunda surpresa e grande preocupação” com as acusações do relatório. “Rejeitamos com firmeza qualquer alegação que tente nos associar a um projeto político estrangeiro”, prossegue a nota.

O ministro do Interior, Bruno Retailleau, disse que o objetivo do grupo é impor na França a sharia (lei islâmica, baseada no Corão). Retailleau acaba de ser escolhido presidente do partido Republicanos, de direita, e é cogitado como candidato à presidência na próxima eleição, prevista para 2027.

Retailleau também anunciou o projeto de construção de uma prisão de segurança máxima na Guiana Francesa, departamento ultramarino francês na América do Sul. A medida foi criticada por lembrar a tristemente célebre Ilha do Diabo, no litoral da Guiana, usada pela França como local de degredo até a Segunda Guerra Mundial.

O detento mais célebre da Ilha do Diabo foi o capitão do exército Alfred Dreyfus.

Falsamente acusado, por antissemitismo, de espionar para os alemães, ele amargou o desterro de 1895 até ser inocentado, em 1899, em um caso que marcou a opinião pública francesa.

O discurso anti-islâmico foi central na ascensão política de Marine Le Pen, líder da Reunião Nacional (RN). O partido de ultradireita conquistou 123 das 577 cadeiras da Assembleia Nacional na eleição parlamentar do ano passado. Le Pen está ameaçada de inelegibilidade, devido a uma condenação por desvio de fundos do Parlamento Europeu.

Retailleau é acusado pela esquerda de propagar o ódio aos muçulmanos para pescar votos junto ao eleitorado de Le Pen.

“A islamofobia ultrapassou uma nova fronteira. Um conselho de defesa em torno do presidente dá crédito às teses delirantes de Retailleau e Le Pen. Basta!”, acusou o principal líder da esquerda francesa, Jean-Luc Mélenchon.

O relatório mexe com um fantasma arraigado no imaginário francês: o da islamização do país. Cerca de 10% da população francesa é muçulmana, sobretudo devido aos imigrantes argelinos, marroquinos e tunisinos e seus descendentes.

O debate sobre a integração dos muçulmanos à cultura francesa é motivo de polêmica há décadas. Em 2004, por exemplo, foi proibido nas escolas o uso na cabeça, pelas alunas, do hijab, lenço considerado “símbolo religioso ostensivo”.

Uma teoria conspiratória chamada “Grande Substituição” circula com êxito, há mais de uma década, na ultradireita francesa. Segundo ela, haveria um plano para que a população muçulmana se torne majoritária e domine a França a longo prazo.

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