JOÃO GABRIEL
BRASÍLIA, DF (FOLHAPRESS)
O presidente do Senado, Davi Alcolumbre (União Brasil-AP), sugeriu a senadores a criação de um novo tipo de licenciamento ambiental especial com potencial de reduzir etapas de análise mesmo para atividades com potencial de agredir o ambiente, como a exploração de petróleo na Foz do Amazonas ou mineração em áreas sensíveis.
A votação de projeto de lei que altera as regras do licenciamento ambiental está prevista para plenário do Senado esta quarta (21). Se aprovado, o texto deve voltar à Câmara. A proposta de Alcolumbre deve ser apresentada nesta discussão.
Procurado, o presidente do Senado não respondeu até a publicação desta reportagem.
A Folha de S.Paulo teve acesso ao rascunho do texto apoiado pelo senador que cria a chamada “Licença Ambiental Especial (LAE)”. Esse novo mecanismo serviria para empreendimentos classificados como estratégicos, independentemente do seu potencial de dano ao meio ambiente e do uso de recursos naturais.
Defensores do meio ambiente ouvidos pela reportagem criticaram a ideia.
Quatro pessoas que acompanham o tema afirmam, sob reserva, que o texto não foi apresentado formalmente como emenda, mas já foi sugerido a parlamentares. O debate acontece na tramitação do projeto que flexibiliza e simplifica o licenciamento ambiental.
Como mostrou a Folha de S.Paulo, Alcolumbre impulsionou o projeto de licenciamento (em linha com que querem os ruralistas) como forma de pressionar a ministra do Meio Ambiente, Marina Silva, que é contrária à exploração de petróleo na Foz do Amazonas.
De maneira geral, o projeto em trâmite flexibiliza processos, mas aumenta possíveis penas. Tem apoio de 89 entidades do setor produtivo.
Segundo o rascunho ao qual a reportagem teve acesso, qualquer autoridade licenciadora poderia conceder a LAE mediante condicionantes determinadas por ela, a depender da “atividade ou de empreendimento estratégico, ainda que utilizador de recursos ambientais, efetiva ou potencialmente causador de significativa degradação do meio ambiente”.
O rascunho não traz mais detalhes, e senadores preferiram não analisar seu mérito em um texto que já é polêmico. Há expectativa por parte de parlamentares que a proposta volte à tona diretamente no plenário do Senado.
Hoje, empreendimentos de grande impacto ambiental ficam concentrados sobretudo no Ibama (Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis), e passam várias etapas e licenças.
“Sem regras para os procedimentos, essa emenda seria um cheque em branco para viabilizar o que a pressão política determinar”, diz Suely Araújo, coordenadora de políticas públicas do Observatório do Clima e ex-presidente do Ibama. “É uma falta de limites do legislador, esse conteúdo facilmente seria questionado e derrubado no STF [Supremo Tribunal Federal]”.
A versão atual do projeto limita a área de impacto ambiental avaliada, permite que empreendimentos avancem mesmo com parecer contrários de outros órgãos, enxuga a consulta às comunidades afetadas e reduz as Terras Indígenas e Quilombolas consideradas nos processos.
A bancada ruralista, principal fiadora da proposta, defende que ela dá segurança jurídica, unifica a legislação, simplifica processos que hoje se arrastam por anos e dá autonomia a órgãos reguladores municipais e estaduais, beneficiando o desenvolvimento econômico.
Críticos apelidaram a proposta de “mãe de todas as boiadas” ou de “PL da Devastação”, e apontam pontos que vão contra decisões do Supremo Tribunal Federal (STF).
Dentre eles a própria LAC (Licença por Adesão e Compromisso), concedida sem análise individual desde que o empreendedor se comprometa a aderir a condições pré-estabelecidas -e que vale para casos de pequeno e médio porte.
Marina Silva e seus aliados foram a público criticar o texto, mas saíram derrotados, enquanto o governo de Luiz Inácio Lula da Silva (PT) em geral se omitiu. Ministérios como o da Agricultura e dos Transportes o defendem e, com o empenho do presidente do Senado, o texto voltou a avançar neste mês.
O projeto do licenciamento ambiental pode impulsionar o desmatamento, a mineração, obras do Novo PAC e o petróleo na Foz do Amazonas, atividade que seria beneficiada também pelo novo tipo de licenciamento proposto por Alcolumbre.
A criação de uma categoria especial para empreendimentos estratégicos foi tentada em 2015, por iniciativa de Romero Jucá, então senador pelo MDB de Roraima. O projeto previa uma licença única para esse grupo, e acabou arquivado.
Especialistas consultados pela reportagem afirmam que uma classificação como essa abre espaço para critérios subjetivos e influência política em processos técnicos.
A depender de interesses e do órgão responsável, uma licença precária poderia autorizar a exploração de petróleo na Foz do Amazonas e usinas hidrelétricas ou a carvão, a despeito do impacto ambiental, sob argumento de garantia da segurança energética.
A mineração em Terras Indígenas, sob justificativa de extração de substâncias para a transição energética, ou a construção de barragens, para segurança hídrica, são outros exemplos.
“Pelo rascunho, pode-se pressupor que ela tem um claro objetivo de possibilitar a expansão da exploração de petróleo na Foz do Amazonas ou qualquer outra atividade, mesmo que danosa ao meio ambiente”, diz Gabriela Nepomuceno, do Greenpeace Brasil.
Andrea Navarro, especialista em contratos e desenvolvimento de novos negócios e sócia da Ruzene Sociedade de Advogados, afirma que qualquer flexibilização do licenciamento traz riscos, mas pode contribuir para o desenvolvimento econômico, se bem conduzida.
“Se aprovado o licenciamento ambiental especial, a avaliação de cada empreendimento ou atividade será individual e condicionada, devendo ser observado o porte, natureza, localização e considerado o potencial poluidor. Os entes licenciadores irão deliberar sobre cada uma destas condições e deverão continuar exercendo o papel de fiscalização”, diz.
Este projeto incorporou ainda uma outra emenda, que prioriza a análise de empreendimentos no Norte, região de Alcolumbre.
“Empreendimentos localizados na Região Norte do país, especialmente nas áreas com mais de 50% (cinquenta por cento) do seu território ocupado por unidades de conservação, terras indígenas, florestas públicas ou outras formas de proteção ambiental, terão prioridade de análise pelos órgãos licenciadores”, diz o texto.