O novo Código Eleitoral, em apreciação no Senado Federal e que deve ser votado na Comissão de Constituição e Justiça (CCJ) ainda este mês, deve trazer uma proibição para os chamados “campeonatos de cortes” de vídeos.
A tática foi usada por Pablo Marçal (PRTB), candidato à prefeitura de São Paulo em 2024, para turbinar a própria audiência nas redes sociais por meio de pagamentos a quem conseguisse gerar maior alcance ao conteúdo a favor do coach. A prática embasou uma de suas condenações na Justiça Eleitoral por abuso de poder econômico, que levou à sua inelegibilidade.
Antes da campanha eleitoral, Marçal incentivava seguidores a criar perfis nos quais compartilhariam conteúdo produzido por ele mesmo, sob o argumento de que ficariam ricos ganhando dinheiro nos campeonatos. A estratégia levou à formação de uma “constelação” de contas que repercutiam todo tipo de material do coach e amplificavam os ataques que ele fazia aos adversários no período eleitoral.
Com foco em plataformas como YouTube e Instagram, os “cortes” são trechos curtos retirados de vídeos mais longos, destacados para permitir aos usuários consumir os melhores momentos de determinado conteúdo.
O texto do novo Código Eleitoral, relatado pelo senador Marcelo Castro (MDB-PI), deve contar com a proibição dos campeonatos, além de diversas outras medidas. Mas a tendência do relator é restringir a vedação apenas aos eventos que tenham monetização — isto é, pagamentos aos participantes, assim como fez Marçal.
O código recebeu emendas de Augusta Brito (PT-CE), Soraya Thronicke (Podemos-MS) e Jorge Kajuru (PSB-GO) para proibir a promoção dos campeonatos de cortes de vídeos. Castro decidiu acatar as sugestões, segundo apurou o Estadão. As três emendas citam o caso Marçal como justificativa.
“Nas últimas eleições municipais, particularmente na capital do Estado de São Paulo, surgiram os conhecidos campeonatos de cortes em vídeos — manobras de manipulação de informações”, escreveu Kajuru. “Condutas abusivas, como as realizadas pelo candidato Pablo Marçal nas eleições municipais de 2024”, descreveu Augusta.
A avaliação dos consultores legislativos que vêm contribuindo com o texto no Senado é que candidatos podem pedir a seus seguidores para compartilhar conteúdo a seu favor, desde que não envolva recompensa em dinheiro.
“É uma questão de prática de abuso de poder econômico na internet. Tivemos a experiência de São Paulo nas eleições de 2024, dos concursos que tem a premiação de eleitores. Acaba sendo propaganda eleitoral que não está sob regulamentação”, diz Helena Salvador, coordenadora de mobilização e campanhas do Pacto pela Democracia, coalizão de mais de 200 organizações da sociedade civil que se reuniu com Castro para defender atualizações no código.
Vagas para mulheres
O texto em apreciação na CCJ do Senado também determina a reserva de 20% das cadeiras para mulheres nos parlamentos nas eleições proporcionais. Mas a bancada feminina e os movimentos de mulheres tentam aumentar essa proporção para pelo menos 30%. O relator, no entanto, quer acabar com as cotas de 30% de candidaturas femininas nos partidos em compensação à reserva das vagas no Legislativo, por entender que a medida não teve efeito e ajudou a impulsionar candidaturas laranjas.
A questão tem gerado impasse. Castro entende que uma reserva fixa de 30% ou 50% de cadeiras para mulheres nos parlamentos teria menor chance de ser aprovada no plenário, e deve optar por um trecho “mais pragmático”. O Piauí, seu Estado, representa o dilema: todos os dez deputados federais eleitos em 2022 são homens, o que aumenta a pressão para a menor perda de vagas possível. Se o texto for aprovado como está, no máximo oito deles vão poder se reeleger.
A senadora Soraya Thronicke, que propôs uma emenda para fixar metade das vagas nos parlamentos a mulheres — ela defende ter uma “gordura” para negociar e tentar pelo menos 30% —, é contra a cota tão baixa.
“Eles falam assim: ‘como assim 50%? Nunca vai passar’. O que eu digo é que nunca vai passar se nunca tiver alguém com coragem de propor isso. Na América Latina já temos México, Nicarágua, Cuba, Bolívia, Chile e Argentina com paridade de gênero. E no Brasil, considerado a maior democracia da região, temos uma dificuldade muito grande (com essa pauta)”, diz ela.
Castro, por sua vez, diz confiar que o efeito prático de sua medida, de reserva de 20% das cadeiras, leve a uma proporção superior a um quinto de eleitas.
“Essa mudança no Código Eleitoral busca corrigir um erro histórico: a baixa representativa feminina na política. Precisamos agir e corrigir isso. Quando se coloca uma reserva de cadeiras de 20% estamos, em primeiro lugar, garantido que todas as câmaras municipais do país tenha, pelo menos, duas mulheres. É um processo pedagógico. Isso vai gerar uma mudança estrutural”, afirma o relator.
Hoje, a população feminina é 51,5% dos 203 milhões de brasileiros. Mas há apenas 91 entre os 513 deputados federais (17,7%) e 16 entre os 81 senadores (19,7%) — proporção já próxima do que o relator propõe.
O texto no Senado também deve manter os quatro anos de quarentena para juízes, membros do Ministério Público, policiais e militares, mas há emendas propondo reduzir esse período para 6 meses ou um ano. O relator resiste a mexer nesse trecho, mas há uma articulação para encontrar um meio termo e validar uma quarentena de dois anos.
A proibição do uso de cargos e nomes de órgãos públicos no nome de urna também consta no projeto, mas algumas organizações, como o Instituto Sou da Paz, querem uma referência direta a proibição de patentes de forças de segurança. Hoje há parlamentares que usam esse título, como Coronel Fernanda (PL-MT), Delegado Caveira (PL-PA) e Subtenente Gonzaga (PSD-MG).
Algumas organizações também pedem que o Código Eleitoral incorpore a resolução aprovada pelo Tribunal Superior Eleitoral (TSE) no ano passado regulamentando o uso de inteligência artificial nas eleições. Apesar de o texto no Senado prever a necessidade de marca d’água em vídeos manipulados artificialmente, especialistas consideram que ele é mais permissivo do que as diretrizes elaboradas pela Justiça Eleitoral, que veda completamente o uso de “deep fake”, por exemplo.
O projeto de lei complementar para atualizar o Código Eleitoral foi proposto em 2021 e já aprovado na Câmara. Agora ele precisa passar pela CCJ e plenário do Senado, antes de ser votado novamente pelas duas Casas.
Estadão Conteúdo