O Supremo Tribunal Federal (STF) começou a ouvir, nesta segunda-feira (19), depoimentos importantes no julgamento de Jair Bolsonaro (PL), acusado de tramar um golpe de Estado contra Lula — uma etapa crucial em um processo que pode levar o ex-presidente à prisão.
Bolsonaro, que está inelegível até 2030, pode pegar até 40 anos de prisão por supostamente tentar tramar sua permanência no poder, apesar de sua derrota para Luiz Inácio Lula da Silva (PT) em outubro de 2022.
Em fevereiro, o STF o acusou de, entre outros crimes, tentativa de golpe de Estado e abolição violenta do Estado democrático de direito.
Para apoiar ou refutar essas alegações, mais de 80 pessoas, incluindo membros do alto escalão das Forças Armadas, ex-ministros, policiais e agentes de inteligência, foram convocados para depor por videoconferência em sessões ao longo de duas semanas.
O ministro Alexandre de Moraes abriu a sessão do STF em Brasília. Bolsonaro, vestindo uma camiseta amarela, participou remotamente, assim como a Procuradoria-Geral da República (PGR) e os advogados dos acusados, observou um jornalista da AFP.
O ex-presidente, de 70 anos, afirma ser inocente e vítima de “perseguição”.
– “Roteiro de novela” –
As acusações parecem “roteiro de novela”, disse o ex-capitão do Exército ao portal UOL na semana passada.
Bolsonaro será julgado junto com outros sete ex-colaboradores, incluindo quatro ex-ministros e os ex-chefes da Marinha e da Agência Brasileira de Inteligência (Abin).
Várias autoridades brasileiras foram a julgamento desde o fim da última ditadura militar (1964-1985), mas Bolsonaro, um saudoso daquele período, é o primeiro a ser acusado de tentativa de golpe.
De acordo com o relatório de mais de 800 páginas da Polícia Federal, o ex-presidente liderou uma “organização criminosa” que buscava impedir a posse de Lula após as eleições de 2022.
A trama golpista incluía, segundo a PGR, medidas como a elaboração de um decreto para justificar um “estado de defesa” e até o assassinato de Lula e de Alexandre de Moraes, considerado inimigo político do bolsonarismo.
A conspiração supostamente não foi executada devido à falta de apoio de oficiais superiores do Exército.
A investigação também vincula Bolsonaro aos ataques de 8 de janeiro de 2023, quando seus apoiadores invadiram as sedes dos Três Poderes em Brasília, enquanto pediam uma intervenção militar contra Lula.
– Contestação das eleições –
Entre os primeiros a depor nesta segunda está Marco Antônio Freire Gomes, comandante do Exército durante o governo Bolsonaro (2019-2022).
Tanto Freire Gomes quanto Carlos de Almeida Baptista Júnior, então comandante da Força Aérea, admitiram em seu depoimento ter participado de reuniões nas quais Bolsonaro teria apresentado a ideia de usar instrumentos jurídicos para refutar os resultados das eleições e justificar uma intervenção militar.
Segundo Baptista Júnior, que prestará depoimento na quarta-feira, Freire Gomes chegou a ameaçar Bolsonaro de prisão caso ele executasse esses planos.
Durante essas audiências, será possível “identificar e explorar eventuais contradições num próprio testemunho ou entre o de uma testemunha para outra”, explicou à AFP Rogério Taffarello, especialista em direito penal da Fundação Getúlio Vargas (FGV).
“Só depois disso que pode fundamentar uma eventual condenação”, acrescentou.
– “Pena de morte política” –
O julgamento continuará nos próximos meses com o interrogatório dos réus, antes que acusação e defesa apresentem suas alegações finais.
Cinco ministros do tribunal — incluindo Moraes — votarão em uma possível condenação contra Bolsonaro e os outros corréus.
O ex-presidente já está inelegível até 2030 por questionar, sem apresentar provas, o sistema brasileiro de votação eletrônica.
Embora tenha reiterado sua intenção de concorrer nas eleições de 2026, nas quais Lula poderia ser candidato de novo, na semana passada Bolsonaro disse ao UOL que uma condenação equivaleria à “pena de morte política e física também”.
Entre seus possíveis sucessores aparece com força o atual governador de São Paulo, Tarcísio de Freitas (Republicanos), que também será convocado para depor no Supremo Tribunal Federal em 30 de maio por ter sido ex-ministro de Bolsonaro.
O ex-presidente também luta em outra frente: sua saúde, após ter que se submeter, em abril, a uma cirurgia abdominal de emergência devido às sequelas de uma facada sofrida durante a campanha de 2018.
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