Exploração de madeira em região das árvores gigantes no PA tem multas de R$ 9,8 mi e acusação de fraude

VINICIUS SASSINE
BELÉM, PA (FOLHAPRESS)

A exploração de madeira na região das árvores gigantes no Pará, por meio de concessão florestal entregue pelo governo do estado a uma empresa, teve desrespeito a autorizações concedidas, uso de informações falsas e manutenção de madeira em tora sem licença válida, segundo detecção do próprio governo do Pará.

Em 6 e 7 de março deste ano, a Semas (Secretaria Estadual de Meio Ambiente e Sustentabilidade) multou a empresa Blue Timber Florestal -que explora madeira na UMF (unidade de manejo florestal) 4 da Floresta Estadual do Paru- em R$ 9,84 milhões.

Ao todo, a Semas lavrou sete autos de infração, ao detectar irregularidades na execução da concessão florestal emitida para manejo de madeira na unidade de conservação, que fica no centro-norte do Pará, no curso do rio Amazonas.

Três multas foram aplicadas pela execução do manejo florestal em desacordo com a autorização concedida; três, por apresentação de informação falsa, total ou parcial, na concessão florestal; e uma autuação se deveu à manutenção em depósito de 63,5 m³ de madeira em tora sem licença válida. Os autos de infração são públicos e estão disponíveis para consulta no site da Semas.

Na área da Floresta Estadual do Paru foram catalogadas árvores gigantes da amazônia.

Um angelim-vermelho de 88,5 m de altura e 3,15 m de diâmetro foi identificado em 2022 e, segundo o governo do Pará, é a maior árvore da América do Sul e a quarta maior árvore do mundo. A idade varia de 400 a 600 anos, conforme o Imazon (Instituto do Homem e Meio Ambiente da Amazônia).

Depois, cientistas encontraram mais 38 árvores de grande porte próximas ao angelim-vermelho -duas com mais de 80 m.

Em setembro de 2024, o governador do Pará, Helder Barbalho (MDB), criou o Parque Estadual Ambiental das Árvores Gigantes da Amazônia, com 560 mil hectares, desmembrados da Floresta do Paru, que foi reduzida de 3,6 milhões de hectares para 3,05 milhões de hectares. As concessões florestais estão na área do Paru.

A empresa que foi autuada por supostas irregularidades no manejo contestou na Justiça do Pará -e chegou a registrar um boletim de ocorrência numa delegacia em Belém- a realização da concorrência pública, feita em 2024, para escolha da empresa que operará outra unidade de manejo na Floresta Estadual do Paru, a UMF 5A. É um outro ponto para manejo de madeira.

As concessões florestais são emitidas por um órgão do governo do Pará, o Ideflor-Bio (Instituto de Desenvolvimento Florestal e da Biodiversidade). Segundo a defesa da Blue Timber, que perdeu a concorrência para essa unidade de manejo florestal mais recente, houve fraude no processo de licitação, e as acusações teriam sido ignoradas pelo Ideflor-Bio.

A ação movida na Justiça apontou quebra do sigilo das propostas, prática anticompetitiva adotada por duas empresas no certame, proximidade intencional de preços, ação dos proprietários das duas empresas num mesmo escritório, assinaturas reconhecidas em cartório com uma diferença de 19 minutos e documentos das empresas manejados por uma mesma pessoa.

Uma das empresas citadas na ação, a LS Representações, venceu a concorrência para operar o manejo de madeira em uma área de 94,4 mil hectares.

Tanto a ação na Justiça quanto o boletim de ocorrência, em que o advogado da Blue Timber afirmou ter existido a quebra de sigilo de documentos, foram registrados antes da vistoria na área de exploração de madeira. A vistoria de técnicos da Semas, que serviu de base para as multas, ocorreu em novembro de 2024. A ação foi assinada em setembro, e o registro na polícia foi feito em agosto.

A defesa da Blue Timber afirmou já ter apresentado as contestações contra as multas.

“Os autos foram baseados em relatório de fiscalização com vários erros procedimentais, os quais já foram objeto de análise pela diretoria, o que resultou numa reavaliação do relatório”, disse. As multas não foram anuladas, conforme a defesa da empresa. “Mas a tendência é caírem todas.”

Sobre a acusação de fraude na concessão florestal, a defesa da Blue Timber afirmou que “todos os órgãos de controle se mostraram inertes” e que a empresa vencedora vai “operar normalmente”.

Já a defesa da LS disse que a participação da empresa na licitação em 2024 respeitou o edital e a lei.

“A empresa apresentou a melhor proposta com base na combinação dos critérios de maior valor ofertado pela outorga da concessão florestal e melhor técnica, considerando menor impacto ambiental, maiores benefícios sociais, maior eficiência e agregação de valor ao produto florestal”, afirmou.

A LS está na fase de elaboração do plano de exploração da madeira, junto aos órgãos competentes, conforme a defesa da empresa.

Uma decisão sobre a manutenção definitiva ou derrubada de multas é tomada após análise final do processo administrativo, disse a Semas, em nota. Já o Ideflor-Bio afirmou que, em caso de comprovação das irregularidades, poderá rescindir o contrato com a empresa autuada. “Até o momento, o órgão não identificou irregularidades no manejo da empresa.”

O Ideflor-Bio disse ainda que não houve fraude no processo licitatório contestado e que já houve decisão judicial, em segundo grau e sem chance de novos recursos, que confirma o resultado da concorrência pública. O contrato já foi assinado, afirmou o órgão do governo do Pará.

Ao todo, segundo o Ideflor-Bio, existem 611,6 mil hectares destinados pelo Estado a nove contratos de concessão florestal, em três unidades de conservação no Pará. O plano é destinar 2 milhões de hectares de floresta até 2027.

A Blue Timber, cujo endereço fiscal é na própria área da concessão florestal, em Monte Alegre (PA), tem os mesmos sócios de uma empresa que atua com certificação, inclusive do manejo de madeira em áreas de floresta. A certificadora é a Neocert, sediada em Piracicaba (SP). O grupo é dono ainda de outras empresas na área ambiental.

Reportagens publicadas pela Folha de S.Paulo em dezembro de 2024 e em janeiro deste ano mostraram que a Neocert atua com certificação de créditos de biodiversidade -que são semelhantes a créditos de carbono- e que um dos sócios é dono de uma segunda madeireira, acusada de ilegalidades com toras de madeira extraídas na amazônia.

Outra reportagem mostrou que a Neocert certificou uma área de 122,4 mil hectares de floresta no Amazonas -quase do tamanho da cidade de São Paulo-, apesar da conexão direta com o empreendimento beneficiado com a certificação, o que pode indicar conflito de interesses. A empresa que certificou e a empresa responsável pelo gerenciamento da floresta têm um mesmo dono.

A Neocert afirma que gestões e equipes são separadas, e que desenvolve mecanismos para mitigar conflitos de interesse.

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