CÉZAR FEITOZA E ANA POMPEU
BRASÍLIA, DF (FOLHAPRESS)
Ex-analista de inteligência do Ministério da Justiça, Clebson Ferreira de Paula Vieira disse nesta segunda-feira (19) ao STF (Supremo Tribunal Federal) que suspeitou de ordens do alto escalão da equipe do ex-ministro Anderson Torres para mapear os municípios em que Lula e Jair Bolsonaro tinham recebido mais de 70% dos votos no primeiro turno das eleições de 2022.
Indicado como testemunha da PGR (Procuradoria-Geral da República) no processo da trama golpista, Vieira disse que guardou toda a documentação relacionada aos pedidos da ex-diretora de Inteligência Marília Ferreira para apresentá-la à investigação.
Segundo Clebson, a equipe de Torres havia demandado a ele duas análises após o primeiro turno do pleito. A primeira era identificar as cidades em que os candidatos tiveram mais de 70% dos votos, e a segunda tratava sobre a distribuição do efetivo da PRF (Polícia Rodoviária Federal).
O procurador-geral da República, Paulo Gonet, perguntou se Vieira havia estranhado as ordens. “Imediatamente. Era uma época complicada. Eu diria que havia um viés cognitivo político […] Tudo foi somando para um raciocínio que o que aconteceu no dia do segundo turno, eu já sabia que ia acontecer”, respondeu.
Segundo a denúncia da PGR, a direção da PRF montou blitze no segundo turno das eleições para dificultar a ida de eleitores de Lula aos locais de votação.
Clebson Vieira disse que teve convicção de que os dados levantados por ele haviam sido usados para uma finalidade ilegal quando viu a movimentação da PRF no dia da eleição.
“À época eu fiquei apavorado porque eu vi que uma habilidade técnica minha foi utilizada para uma tomada de decisão ilegal. Eu só me preparei para que no momento oportuno eu pudesse falar”, disse.
O ministro Alexandre de Moraes iniciou nesta segunda-feira (19) a fase de depoimento das testemunhas do processo contra o núcleo central da trama golpista de 2022.
O grupo tem como réus o ex-presidente Bolsonaro, Alexandre Ramagem (deputado federal e ex-chefe da Abin), Almir Garnier (ex-comandante da Marinha), Anderson Torres (ex-ministro da Justiça), Augusto Heleno (ex-ministro do GSI), Mauro Cid (ex-ajudante de ordens de Bolsonaro), Paulo Sérgio Nogueira (ex-ministro da Defesa) e Walter Braga Netto (ex-ministro da Casa Civil e da Defesa).
Eles são acusados pelos crimes de organização criminosa armada, tentativa de abolição violenta do Estado Democrático de Direito, golpe de Estado, dano qualificado pela violência e grave ameaça contra o patrimônio público e deterioração do patrimônio tombado. Somadas, as penas máximas podem passar de 40 anos de prisão.
A acusação e as defesas indicaram mais de 80 testemunhas para serem ouvidas pelo Supremo em duas semanas de audiências. Os primeiros depoentes são os escolhidos pela PGR.
O STF definiu que jornalistas credenciados e advogados das partes podem acompanhar os depoimentos no plenário da Primeira Turma do STF. As audiências, por videoconferência, serão transmitidas nos telões do colegiado.
A imprensa, porém, está impedida de fazer gravações de áudio e vídeo das sessões. O Supremo diz que a proibição tem como base o artigo 210 do Código de Processo Penal, que diz que as testemunhas serão inquiridas cada uma por vez “de modo que umas não saibam nem ouçam os depoimentos das outras”.
O primeiro dia de depoimentos tem quatro testemunhas com participação prevista. Além de Clebson, serão ouvidos Marcos Antônio Freire Gomes (ex-comandante do Exército), Adiel Pereira Alcântara (ex-diretor da PRF) e Éder Lindsay Magalhães Balbino (dono de empresa contratada pelo PL para fiscalizar o processo eleitoral).
O ex-comandante da Aeronáutica brigadeiro Carlos de Almeida Baptista Júnior teve o depoimento adiado para quarta-feira (21). Ele está em viagem, fora do país.
Paulo Gonet, havia indicado o governador do Distrito Federal, Ibaneis Rocha (MDB), como a última de suas testemunhas. O procurador desistiu da inquirição do emedebista na última sexta (16).
O início da fase de depoimentos deixou apreensivas as partes envolvidas no processo. A defesa de Bolsonaro pediu o adiamento das audiências sob a alegação de que a Polícia Federal não tinha entregue aos advogados, até a última semana, todas as provas colhidas durante a investigação da trama golpista.
O Supremo tenta dar celeridade ao processo contra o principal núcleo da tentativa de golpe de Estado para evitar que o calendário eleitoral de 2026 possa interferir no julgamento de Bolsonaro e aliados.
A denúncia foi aceita por 5 votos a 0 no fim de março. Na Presidência, Bolsonaro acumulou uma série de declarações golpistas às claras, provocou crises entre os Poderes, colocou em xeque a realização das eleições de 2022, ameaçou não cumprir decisões do STF e estimou com mentiras e ilações uma campanha para desacreditar o sistema eleitoral do país.
Após a derrota para Lula, ele incentivou a criação e a manutenção dos acampamentos golpistas que deram origem aos ataques do 8 de Janeiro e, como ele mesmo admitiu publicamente, reuniu-se com militares e assessores próximos para discutir formas de intervir no TSE e anular as eleições.
Saudosista da ditadura militar (1964-1985) e de seus métodos antidemocráticos e de tortura, o ex-presidente já foi condenado pelo TSE por ataques e mentiras sobre o sistema eleitoral e é réu no STF sob a acusação de ter liderado a trama golpista de 2022. Hoje está inelegível ao menos até 2030.