PEDRO LOVISI
SÃO PAULO, SP (FOLHAPRESS)
A Vale vai lançar nos próximos meses um novo produto de minério de ferro com teor menor do que o geralmente vendido pela empresa. O lançamento visa atender a demanda das siderúrgicas chinesas, que têm operado com lucros menores do que o habitual devido à desaceleração da economia da China.
O país asiático absorve 62% das vendas da Vale e, por isso, tende a direcionar as estratégias da mineradora. No final de abril, o vice-presidente executivo comercial e desenvolvimento da empresa, Rogerio Nogueira, afirmou a investidores que a empresa criará um produto de médio teor feito com o minério de Carajás, de alta qualidade.
Segundo uma pessoa ligada à Vale, a mineradora vai usar parte do estéril (material sem valor econômico), antes descartado na extração, para combiná-lo com o minério de altíssimo teor de Carajás e, assim, criar um produto com teor entre 60% e 63%, com características metalúrgicas diferentes dos feitos com o minério de Minas Gerais.
Hoje, o minério de ferro extraído em Carajás tem teor de 66% e o produto principal da mineradora (feito a partir de uma mistura com o minério de MG) tem teor de 62%.
“Nossos clientes estão operando com margens muito baixas, porque os preços do carvão de coque estão muito baixos, então o que vemos hoje é uma menor necessidade de produtividade. E, assim, os prêmios de qualidade estão em seu nível mais baixo, e o que os clientes realmente estão buscando são minérios de ferro de grau médio”, disse Nogueira na ocasião.
De forma geral, o movimento chama atenção, porque o minério de ferro de Carajás é frequentemente chamado de ovo de ouro da Vale, visto seu teor altíssimo, o que aumenta a produtividade de siderúrgicas. Além disso, em um mundo que corre em direção à descarbonização, esse tipo de minério é essencial para a fabricação de um aço mais limpo, sem o uso de carvão, material poluente.
Mas a atual preferência dos chineses pelo minério de menor teor escancara a dificuldade da economia internacional de privilegiar a descarbnonização em detrimento de ganhos de curto prazo. O portal MySteel, especializado em siderúrgicas chinesas, publicou na semana passada que a maior demanda dos chineses por minério de ferro com menor teor fez a diferença de preço entre minérios de grau médio e baixo diminuir.
Como exemplo, o portal aponta que a diferença entre a tonelada do minério de 56,5% da australiana Fortescue e a do de 61,5% da também australiana Rio Tinto caiu US$ 1,63 na última semana, saindo de US$ 19,63 para US$ 18. Isso devido ao aumento de US$ 3,55 na tonelada do minério de baixo teor da Fortescue e de apenas US$ 1,9 no de médio teor da Rio Tinto. Junto com a BHP, as duas empresas são as principais concorrentes da Vale.
A Rio Tinto anunciou recentemente que reduzirá o teor de seu principal produto de 61,6% para 60,8%. O operador comercial de uma trading internacional que atua no Brasil disse à reportagem que outras mineradoras brasileiras também têm intensificado a venda de produtos com menor teor.
“É um recorte do momento que está bastante ligado com a situação da China, o maior produtor de aço. Hoje há um movimento muito grande de exportação de aço pela China, o que significa que eles não estão consumindo tudo o que produzem, então naturalmente essa oferta em excesso pressiona o preço e consequentemente as margens diminuem”, afirma Artur Bontempo, analista de aço e minério de ferro da consultoria Wood Mackenzie.
O minério de ferro de alto teor pode ser usado tanto na rota de redução direta quanto nos altos-fornos, que necessitam de carvão. A primeira rota, apesar de ser a mais limpa e essencial para a descarbonização do aço, ainda é minoria em todo o mundo e não chega nem a 5% da produção chinesa. Assim, o minério de ferro de alto teor na China é usado para intensificar a produção de ferro-gusa (um material intermediário na produção de aço), o que reduz a quantidade de carvão queimado e, consequentemente, de CO2 emitido na atmosfera.
Mas com a queda da procura por minerais de alto teor, as mineradoras com produtos de teor elevado, como a Vale, têm diversificado seus portfólios.
Em evento na semana passada com investidores, por exemplo, a gerente de estratégias corporativas da Vale, Debora Doblas, destacou que a intenção da mineradora é atender o momento de seus clientes. “A Vale hoje tem minério de alta qualidade, mas também tem uma ampla gama de produtos, inclusive de especificações únicas que permitem que a gente tenha mais flexibilidade no portfólio”, afirmou.
“E, por a gente acreditar que a descarbonização vai acontecer de forma gradual, no curto prazo a gente está olhando mais para o que o cliente precisa. Então hoje a siderurgia com margem apertada e o preço do carvão mais deprimido acabam não incentivando a aceleração da agenda de descarbonização”, acrescentou.