31 parlamentares de 11 partidos atuaram contra controle de descontos em benefícios no INSS

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FÁBIO PUPO E LUCAS MARCHESINI
BRASÍLIA, DF (FOLHAPRESS)

O enfraquecimento do controle sobre descontos em aposentadorias do INSS (Instituto Nacional do Seguro Social), hoje no centro de um escândalo no governo do presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT), foi defendido por ao menos 31 parlamentares de 11 partidos desde 2019.

Representantes do PT foram os que mais fizeram proposições nesse sentido, que também foram apresentadas por integrantes do centrão e do PL.

As discussões começaram quando o governo de Jair Bolsonaro (PL) enviou ao Congresso uma MP (medida provisória) que mudava regras no INSS e passava a exigir a revalidação periódica dos descontos de entidades associativas.

Os parlamentares se mobilizaram para flexibilizar o mecanismo e até eliminá-lo, com mudanças sancionadas sempre sem vetos pelo então presidente.

A MP enviada por Bolsonaro em janeiro de 2019 estabelecia que a autorização para os descontos de associações deveria ser “revalidada anualmente” -o que poderia fortalecer o controle sobre os cadastros.

Levantamento da reportagem mostra que, na tramitação no Congresso, 26 parlamentares propuseram a supressão do dispositivo ou a modificação para ampliar o intervalo entre as atualizações. Quase todos pleitearam que a revalidação fosse só de cinco em cinco anos.

Entre os argumentos, diziam que era inviável fazer a revalidação dos descontos todo ano. Também argumentavam que a Constituição permite a livre associação e impede a interferência do Estado na relação entre entidades e indivíduos.

Apresentaram emendas do tipo os deputados Paulo Pereira da Silva (Solidariedade-SP), Heitor Schuch (PSB-RS), Daniel Almeida (PCdoB-BA), Orlando Silva (PCdoB-SP), Zé Neto (PT-BA), Luiz Carlos Motta (PR-PR), Bohn Gass (PT-RS), Patrus Ananias (PT-MG), Marcon (PT-RS) e Hildo Rocha (MDB-MA).

Estão na lista os então deputados Paulo Paim (PT-RS, hoje senador), Vilson da Fetaemg (PSB-MG), Celso Maldaner (MDB-SC), Valmir Assunção (PT-BA) e Tereza Nelma (PSDB-AL), além dos senadores Izalci Lucas (então PSDB, hoje PL-DF) e os então senadores Jean Paul Prates (PT-RN) e Paulo Rocha (PT-PA).

Outros parlamentares propuseram a exclusão de uma parte inteira da MP (o artigo 25, com uma série ampla de mudanças na legislação) que continha o aperto no controle de descontos, mas sem apresentar alguma contestação específica ao mecanismo.

Entre eles estão as deputadas Fernanda Melchionna (PSOL-RS) e Sâmia Bomfim (PSOL-SP), além dos então integrantes da Casa Áurea Carolina (PSOL-MG), Edmilson Rodrigues (PSOL-PA), Marcelo Freixo (PSOL-RJ, hoje presidente da Embratur) e Rogério Carvalho (PT-SE, hoje senador).

As emendas foram apresentadas na comissão mista voltada à discussão da MP, que também recebeu representantes das entidades. Entre eles, Warley Martins Gonçalles, da Cobap (Confederação Brasileira de Aposentados, Pensionistas e Idosos) -que se posicionou contra a revalidação anual dos descontos.

A entidade não está na lista inicial de investigadas pela Polícia Federal e pela CGU (Controladoria-Geral da União).

“Agora fazem uma MP para que a gente renove de ano em ano com os aposentados. Não tem como a gente fazer isso. A gente não consegue refiliar o aposentado em um ano. Não tem como a gente trabalhar na renovação em um ano. Queremos renovar sim, mas não nessa quantidade de tempo”, afirmou em reunião abril de 2019.

“Nem o INSS tem o endereço de todos os aposentados. Como vamos conseguir chegar nesses associados nossos para ele vir refiliar?”, questionou.

“A entidade que tiver fraude, corta ela. Não precisa MP. Vai dar muito desemprego. A confederação [Cobap] tem hoje 32 funcionários. Se isso acontecer, no ano que vem vou ter que mandar tudo embora. Como eu vou pagar os funcionários?”, continuou.

Ele chegou a pedir ao relator que aplicasse a condição da revalidação apenas para novos descontos. “O que a gente pede ao deputado relator? Começa daqui pra frente. Deixa os que estão, e daqui pra frente faz de ano em ano”, disse. “Por que a gente não negocia, faz um acordo e faz daqui pra frente a refiliação?”.

Na mesma sessão, o deputado Vilson da Fetaemg (Federação dos Trabalhadores na Agricultura do Estado de Minas Gerais)- um dos mais atuantes contra o aperto no controle- também se posicionou contra o mecanismo.

“Se alguém pegou uma declaração falsa ou obrigou [o aposentado a se filiar], tem o Ministério Público, tem o órgão competente para denunciar. Então faço esse requerimento [para a revalidação ser feita apenas] de cinco em cinco anos”, disse o parlamentar.

Questionado pela reportagem, o ex-parlamentar, que é presidente da Fetaemg, disse que “o texto estabelecia um prazo arbitrário, sem nenhum diálogo prévio com os trabalhadores rurais e as entidades sindicais, para a conclusão de um cadastro nacional de milhões de homens e mulheres do campo que vivem nas regiões mais isoladas do país”.

Ao final da tramitação na comissão mista, o relator Paulo Eduardo Martins (então no PSC, hoje no PL-PR) chegou a reconhecer que o aperto no controle protegeria os beneficiários da “atuação abusiva de algumas entidades e associações, que muitas vezes realizam descontos sem autorização”.

Mas concluiu que seria melhor flexibilizar a frequência da revalidação -em vez de um ano, dois anos.
“O prazo de um ano [para a revalidação, estabelecido na MP] não é praticável, dadas as dificuldades práticas para a sua adoção, motivo pelo qual entendemos que deve ser de dois anos”, escreveu Martins em seu parecer.

O texto acabou aprovado em plenário prevendo revalidação “a cada três (três) anos, a partir de 31 de dezembro de 2021” e foi sancionado por Bolsonaro sem veto a esse trecho em junho de 2019.

Posteriormente, o Congresso usou uma segunda MP de Bolsonaro, de outubro de 2020 (sobre crédito consignado), para legislar sobre os descontos.

A revalidação foi mais uma vez flexibilizada, e seu início passou para 2022 após emenda justamente do hoje ministro da Previdência Social, Wolney Queiroz (PDT-PE), quando deputado. Ele queria um adiamento ainda maior do começo da revalidação, para 2023.

Procurado, o atual ministro informou, por meio de sua assessoria, que a emenda atendia a uma recomendação do Conselho Nacional de Previdência em meio à pandemia. Perguntado se apoia uma medida para obrigar a revalidação, disse que a iniciativa é do Parlamento.

“A decisão sobre as regras para eventual revalidação ou o fim dos descontos associativos a partir do desconto em folha será do Congresso Nacional”, afirma, em nota.

O adiamento foi proposto por Vilson da Fetaemg e também por Queiroz, Danilo Cabral (PSB-PE), Enio Verri (PT-PR) e Jorge Solla (PT-BA). A justificativa eram os efeitos da pandemia do coronavírus e a necessidade de reorganização das entidades. O relator Capitão Alberto Neto (no Republicanos-AM) atendeu ao pedido.

“Quero parabenizar o deputado Vilson por representar tão bem as associações de aposentados do nosso país. Esse texto foi construído junto com as associações que fazem parte do Conselho do INSS. Chegou-se a um consenso, de que nós vamos ampliar por dois anos esse recadastramento”, disse Neto em plenário em março de 2021.

O texto final foi sancionado sem vetos por Bolsonaro e transformado em lei no mesmo mês.

Uma terceira MP de Bolsonaro, de março de 2022 e que criava o Programa de Simplificação do Microcrédito Digital para Empreendedores (SIM Digital), foi usada para acabar de vez com a revalidação.

Nesse caso, a iniciativa do Legislativo foi mais contundente contra o mecanismo. A reportagem localizou poucos registros sobre a tramitação.

O deputado Luis Miranda (Republicanos-DF), relator, revogou a previsão do controle em parecer aprovado em plenário.

A medida foi transformada em lei ao ser sancionada sem vetos por Bolsonaro em agosto de 2022.

O atual ministro da Previdência afirmou em audiência na última quinta-feira (15) que o fim da revalidação foi responsável por impulsionar as ilegalidades. “Isso [esforço pela revalidação] foi sepultado por essa MP e essa lei em 2022. E é exatamente nesse interregno, entre 2019 e 2022, que o ladrão entra na casa”, afirmou Queiroz.

“O fim da revalidação, e a expectativa anterior que houvesse revalidação, fez com que 11 associações novas se credenciassem no INSS. Essas 11 que, mais tarde descobrimos que eram 100% fraudulentas, a maior parte se estabeleceu nesse período”, disse Queiroz.

“Quando em 2022 se opta por pôr fim à revalidação, essas empresas se sentiram livres para, a partir de 2023 e 2024, passar uma enormidade de descontos não autorizados.”

A reportagem procurou todos os citados, por WhatsApp, email e, em alguns casos, perfis em redes sociais. A maioria dos parlamentares não respondeu aos questionamentos.

Paulo Eduardo Martins, que hoje é vice-prefeito de Curitiba (PR), afirmou que o prazo foi aumentado em seu relatório após negociação com parlamentares para viabilizar a aprovação do projeto.

Já o gabinete de Rogério Carvalho disse que o posicionamento da bancada era contra a primeira MP de Bolsonaro como um todo, por entender que ela enfraquecia de diferentes maneiras o acesso a direitos previdenciários.

Além disso, afirmou que o dispositivo da revalidação “passou despercebido” porque na época “não se sabia da possibilidade de fraudes desse tipo”.

“Naquele momento, o objetivo da MP não era a moralização nos descontos dos benefícios, mas sim a retirada desses benefícios de quem os tinha por direito. Tanto é verdade que a redação original, com mais de 300 dispositivos, em apenas um tratava desse assunto”, informou a assessoria do senador, por nota.

Jean Paul Prates afirmou que houve um esforço de bancada na época para garantir que os sindicatos honestos pudessem continuar em atividade e não para favorecer grupos irregulares.

“Na ocasião, essa MP não visava especificamente combater fraudes, e sim criar inúmeras dificuldades para beneficiários e criar possibilidades para suspender sumariamente os benefícios dos aposentados e pensionistas”, acrescentou.

Heitor Schuch afirmou que apresentou a emenda para simplificar o processo e evitar dificuldades para os que desejam ser sócios.

Ele reconhece hoje que a medida de revalidação anual pode ajudar a coibir fraudes, mas não a vê como suficiente pois, “com o vazamento de dados do INSS, qualquer organização pode falsificar a mesma autorização ano após ano”.

Paulo Paim afirmou que é a favor de mecanismos mais rígidos e que “o que evita a fraude é a fiscalização permanente e não a revalidação da assinatura, que poderia ser falsificada”.

Carvalho disse que todas as suas propostas foram “voltadas à proteção dos direitos dos trabalhadores que estavam sendo duramente atacados pela MP”.

LISTA DOS PARLAMENTARES

Parlamentares que propuseram fim ou flexibilização da revalidação periódica de descontos, por ordem cronológica

– Paulo Pereira da Silva (Solidariedade-SP)
– Heitor Schuch (PSB-RS)
– Daniel Almeida (PCdoB-BA)
– Orlando Silva (PCdoB-SP)
– Zé Neto (PT-BA)
– Luiz Carlos Motta (PL-PR)
– Bohn Gass (PT-RS)
– Patrus Ananias (PT-MG)
– Marcon (PT-RS)
– Hildo Rocha (MDB-MA)
– Paulo Paim (PT-RS)
– Vilson da Fetaemg (PSB-MG)
– Celso Maldaner (MDB-SC)
– Valmir Assunção (PT-BA)
– Tereza Nelma (PSDB-AL)
– Izalci Lucas (então PSDB, hoje PL-DF)
– Jean Paul Prates (PT-RN)
– Paulo Rocha (PT-PA)
– Paulo Eduardo Martins (então PSC, hoje PL-PR)
– Wolney Queiroz (PDT-PE), hoje ministro da Previdência
– Danilo Cabral (PSB-PE)
– Enio Verri (PT-PR)
– Jorge Solla (PT-BA)
– Capitão Alberto Neto (Republicanos-AM)
– Luis Miranda (Republicanos-DF)

Parlamentares que propuseram mudanças mais amplas, contendo fim da revalidação, mas sem defender especificamente enfraquecimento ou fim da revalidação

– Fernanda Melchionna (PSOL-RS)
– Sâmia Bomfim (PSOL-SP)
– Áurea Carolina (PSOL-MG)
– Edmilson Rodrigues (PSOL-PA)
– Marcelo Freixo (PSOL-RJ)
– Rogério Carvalho (PT-SE)

Número total de parlamentares que propuseram fim ou flexibilização da revalidação, por partido
– PT: 11
– PSOL: 5
– PSB: 3
– MDB: 2
– PCdoB: 2
– PSDB: 2
– Republicanos: 2
– PDT: 1
– PL: 1
– PSC: 1
– Solidariedade: 1
Fonte: Emendas do Congresso
Considera partidos aos quais parlamentares eram filiados na época das propostas (parte não é mais parlamentar).

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