Representantes dos países do G20 na Cúpula de Líderes, realizada em novembro, no Rio. Encontro reuniu 55 delegações, incluindo organismos internacionais — Foto: Ricardo Stuckert/Presidência da República
A cúpula do Comando Vermelho determinou que a facção “segurasse sete dias sem guerras e roubo” por conta de uma reunião do G20 no Rio, em fevereiro de 2024. A ordem foi descoberta pela Polícia Federal em mensagens do traficante Arnaldo da Silva Dias, o Naldinho, interceptadas com autorização da Justiça.
Naldinho está preso na Penitenciária Gabriel Ferreira Castilho (Bangu 3), no Complexo de Gericinó, integra o Conselho Permanente do CV — órgão formado por uma dezena de chefes do tráfico presos em Bangu, que tem a palavra final sobre decisões do grupo no Rio — e, segundo a PF, atua como uma espécie de relações-públicas da facção.
No comunicado enviado a um comparsa, o criminoso ainda escreveu que “um representante das autoridades no Rio” havia procurado um integrante da facção para pedir o período de trégua. A investigação da PF, no entanto, não identificou a autoridade citada no texto.
“Boa tarde a todos meus irmãos. Hoje, um representante das autoridades no Rio procurou o irmão que é sintonia e pediu para nós segurarmos sete dias sem guerras e roubo devido ao G20 (são representantes de 20 países diferentes). Para evitar isolamentos de irmãos que venham a ter ligação com determinada área. Todos estamos de acordo em segurar esses sete dias até porque se veio no diálogo, eles demonstraram um respeito por nós”, escreveu Naldinho no “salve” (comunicado aos integrantes da facção) enviado no dia 22 de fevereiro e obtido com exclusividade pelo jornal ‘O Globo’.
Naquele mesmo dia, ministros das Relações Exteriores de todos os países do G20 se encontraram na Marina da Glória para as primeiras reuniões ministeriais do grupo sob a presidência do Brasil.
A mensagem integra um relatório da PF que expõe a atuação de Naldinho, condenado por tráfico e homicídio a mais de 50 anos de prisão e apontado como chefe de favelas em várias cidades do Sul Fluminense, como porta-voz do CV, responsável por levar as ordens do topo até a base da facção. Em “salves” enviados a aliados fora da cadeia, o criminoso arbitra disputas entre donos de bocas de fumo, comunica seus comparsas sobre alianças com outras facções e até organiza rifas em que os prêmios são fuzis.
Antes de enviar o “salve” sobre o G20, Naldinho ainda pediu ajuda a outro chefão para redigir o texto. O criminoso enviou uma versão mais enxuta do comunicado a Edgar Alves Andrade, o Doca, que comanda o Complexo da Penha e é um dos criminosos mais procurados do Rio. “Irmão, vê se está no padrão para frear um pouco ou se tão pesadas as palavras?”, perguntou. A primeira versão do texto terminava com uma ameaça: “O irmão que vier a se colocar acima da facção poderá ser punido conforme rege nosso estatuto”. Os comentários de Doca foram apagados da conversa, mas convenceram Naldinho a mudar o texto.
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Duas semanas depois do primeiro “salve”, em 6 de março, um novo comunicado reforçou a ordem: “Irmãos das comunidades CV, venham se atentar em suas responsabilidades, pois os roubos de carros e motos ainda continuam proibidos pela facção. Não vamos aturar mais desculpas”.
Em outro aviso, em 1º de março, Naldinho fez um anúncio: a cúpula havia aceitado uma resolução sobre quem seriam os donos de uma nova boca de fumo aberta numa favela invadida pela facção. “Hoje, os irmãos JN e Turuna reconheceram o irmão Merenda como dono da boca junto com eles. Entraram no bom senso e ficou decidido que os três são donos da boca. Qualquer dúvida estou aqui para explicar”, escreveu o traficante. No texto, ele ainda esclareceu o motivo da discórdia: quando o conselho havia votado “na democracia” — como destacou — quem seriam os responsáveis pela boca, meses antes, “o Merenda se encontrava internado e não soube do desenrolado”.
Os comunicados de Naldinho também expõem como se deu o recente acordo de aliança do CV com sua antiga rival, a Amigos dos Amigos. Em 25 de fevereiro de 2025, num primeiro informe sobre o tema, o traficante esclarece que o CV estava “numa sintonia de respeito, com grau de companheiro e futuramente até amizade com os companheiros do ADA em todo o território do Rio”. Segundo o “salve”, a partir daquele momento, estava “cessada a guerra, provocação ou qualquer falta de respeito tanto da nossa parte quanto da dos companheiros do ADA”.
Com base nas mensagens interceptadas, a PF pediu à Justiça, em novembro do ano passado, a transferência de Naldinho para um presídio federal — em 2016, o traficante já havia sido levado para uma unidade fora do Rio, mas acabou voltando ao estado em 2020. A Polícia Civil também solicitou a transferência em fevereiro passado, e o Ministério Público corroborou o pedido. Segundo o Tribunal de Justiça do Rio, ainda não há decisão obre o caso.
O jornal ‘O Globo’ não conseguiu contato com a defesa de Naldinho. À Justiça, no entanto, seus advogados afirmaram que “não há como identificar a pessoa que se utilizou da linha telefônica” e defenderam que “não há conduta praticada pelo apenado capaz de incluí-lo no sistema penitenciário federal”.
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