“Meu intuito é tornar a cidade mais bonita”: grafiteiro explica como transformou paradas de ônibus

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Por Ana Neves e Luana Nogueira

O artista brasiliense Yong se dedica, desde 2005, à arte como grafiteiro. Em 2023, participou do edital W3 Arte Urbana, uma iniciativa da Secretaria de Cultura e Economia Criativa do Distrito Federal que teve como objetivo transformar espaços, como os pontos de ônibus, em galerias a céu aberto.

“Eu vim no final de semana com a parada interditada e pintei. É legal pra caramba porque parada de ônibus tem tudo a ver com a cidade, com mobilidade urbana. Acho que grafite tem a ver com isso”.

O grafite foi reconhecido oficialmente como manifestação da cultura brasileira pela Lei 14.996/2024, sancionada em outubro de 2024 pelo presidente Luiz Inácio Lula da Silva.

Dois dias, vinte latas de tinta e muita imaginação foram o suficiente para transformar e mudar um pequeno pedaço da rotina de centenas de brasilienses que passam pela parada da 707 norte diariamente.

“Eu sou um cara muito divertido, gosto de cor e diversão. Eu sempre gostei disso.”

Estilo artístico

O artista se destaca pelas obras de cores vibrantes e personagens inspirados em animações. “Eu pinto uma festa, uma diversão em forma de monstrinhos”, diz.

Além disso, o grafiteiro foge do realismo ao usar a imaginação para criar e alterar coisas do mundo real.

“Eu quero fugir da realidade, trazer um pouco de cor para a vida. Eu gosto de pintar animais, mas eu nunca vou pintar uma girafa amarela, sabe? Minha girafa vai ser roxa, vai ser azul, vai ser rosa. Eu gosto de cor de vida.”

Inspirado por outros artistas amigos, como Camilla Siren e de Toys Daniel, Yong também traz referências de desenhos animados, filmes, séries, quadrinhos, da música e do cotidiano.

“Eu tenho muitas referências e faço um mix de tudo. Mas também vem muito do que eu vivi e aprendi. Eu leio, escuto, estudo e vira uma coisa Yong”, explica.

“A arte é uma coisa que vem naturalmente e de referências divertidas. Um pouquinho de tudo, sempre feliz. Não consigo pintar nada ‘bad’, nada agressivo”, diz.

Com carinho ao falar da cidade onde nasceu, Yong acredita que Brasília recebe bem o grafite por causa da arquitetura que ajuda na hora de pintar. “Apesar das deficiências, de ser cidade nova, feita de uma maneira que às vezes afasta as pessoas, eu amo minha cidade. Tenho orgulho de ser brasileiro. Já morei em outros lugares e Brasília é realmente muito diferente.”

Preconceito e discriminação

Durante sua trajetória, o artista conta que teve um certo privilégio quanto à descriminação contra o grafite.

“A gente é muito privilegiado porque nos outros lugares do mundo o grafite é super mal visto. Acho que da pessoa normal, do leigo, da galera da rua, todo mundo se amarra.”

Ainda assim, ele acredita que o preconceito está presente no meio por conta da falta de distinção entre a pichação e o grafite. “Eu acho que na verdade sempre vai ter esse preconceito por ser algo periférico, como qualquer coisa que vem da periferia. Então a galera tem um certo olhar de julgamento”, complementa.

Paixão de grafiteiro

Latas de tintas, muita paixão e desapego. Para Yong, são esses os elementos principais para fazer grafite. Se pedirem para definir o grafite, ele diria que é transformar ambientes urbanos com a pichação, sem receber por isso.

“Grafite para mim é pintar na rua sem ninguém te pagar ou te pedir. Sair com a sua tinta e transformar o ambiente. É transformar, pintar, mexer, interagir.Tipo, tem amor pra caramba, mas sem apego”

Hoje, aos 38 anos, o grafiteiro realiza trabalhos artísticos paralelos ao grafite. O artista realiza ilustrações para marcas tanto brasileiras quanto internacionais, é professor, realiza oficinas de Arte urbana e pinta fachadas de casas e paineis de lojas, restaurantes, hoteis e outros estabelecimentos comerciais.

Mas é no grafite em espaços urbanos que ele se encontra. “O principal sempre foi ir pra rua, achar um lugar legal, um lugar sujo e pintar e transformar. O resto é totalmente secundário”, diz o grafiteiro.

Realização do grafiteiro

Para o artista a visibilidade é um aspecto importante, tanto para retorno profissional quanto para realização pessoal.

Para ele é gratificante ver que pintou um lugar que muitas pessoas irão ver e gostar. “Sempre pinto lugares que as pessoas vão ver. Raramente eu entro num becão e faço pichação. Vou pintar isso aqui, gastar um montão de tinta lá e ninguém vai ver? Não faz sentido.”

Trajetória do grafiteiro

Inspirado pelo pai, que também desenhava, Yong cresceu apaixonado pelo desenho e encantado pela pichação. Ele começou a pichar como uma brincadeira ainda aos 12 anos de idade. “Você começa brincando. Você pega os primeiros sprays, vai pra rua e daqui a pouco você começa a ver que existe talvez uma possibilidade. Você sonha alto.”


Apesar de ser um sonho desde garoto, ele nunca se considerou um bom desenhista e, por isso, não imaginava que um dia poderia viver de sua arte. Apesar do talento, Yong é bastante modesto. “Eu nunca me imaginava como artista, nem desenhando. Por mais que eu gostasse de brincar [com a pichação]. Eu não sabia desenhar, até hoje eu acho que eu não sei.”


Aos 19 anos, pichar deixou de ser uma brincadeira para o artista e ele começou a investir mais esforços no que fazia. No entanto, nem ele nem a família via possibilidade de ele ganhar dinheiro ou poder trabalhar com aquilo. Por isso, ele iniciou um curso de Design Gráfico aos 20 anos. Como gostava de ilustrar e de pintar, era o curso mais próximo do que ele queria fazer.


Durante o curso Yong intercalava seus trabalhos da faculdade com os trabalhos com arte urbana. Pichava aos finais de semana e até ganhava um dinheirinho. Até que não fez mais sentido fazer Design Gráfico e ele saiu do curso para se dedicar ao grafite e outros projetos artísticos.


Depois que saiu do curso, ele trabalhou em agências publicitárias, foi diretor de arte e trabalhou como designer gráfico em outras empresas, sempre conciliando com o trabalho com grafite. Até que em 2013 largou todos os seus trabalhos paralelos e se dedicou exclusivamente à pichação. Em 2014 aceitou ser diretor de arte da campanha eleitoral da ex-presidenta Dilma Rousseff.


A sua primeira exposição solo, a Tropical Monsters, foi realizada em 2015, em Miami, e fez tanto sucesso que retornou aos Estados Unidos em 2016 para exibir a exposição que nomeou de Pop Jungle, em Orlando. Durante esse tempo fez várias exposições coletivas em Brasília. Além das exposições, Yong já deixou sua arte em diversos lugares, como Brasília, São Paulo, Rio de Janeiro, Buenos Aires, Santiago e Bogotá.

Supervisão de Luiz Claudio Ferreira

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