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O convite feito pelo presidente Luiz Inácio Lula da Silva ao governo da China para discutir sobre as redes sociais no Brasil escancarou, para juristas consultados pela Gazeta do Povo, o viés autoritário que sustenta o velho desejo do Executivo de regulação das redes.
Durante um jantar reservado com o ditador chinês Xi Jinping, Lula pediu formalmente o envio de uma pessoa “de confiança” para tratar do tema no Brasil, com ênfase na plataforma TikTok, de origem chinesa. A iniciativa foi confirmada publicamente pelo próprio presidente após o vazamento de informações à imprensa.
Ao tentar rebater críticas feitas a uma suposta atuação da primeira-dama Janja da Silva – que, segundo relatos, teria pedido a palavra no encontro para falar dos efeitos nocivos da plataforma –, Lula acabou admitindo o teor da conversa. Afirmou ter sido ele o responsável pela solicitação a Xi Jinping e defendeu a participação de Janja alegando que ela “não é cidadã de segunda classe” e que entende mais de redes sociais do que ele. A fala, no entanto, só aumentou a controvérsia.
Para o jurista André Marsiglia, especialista em liberdade de expressão, o episódio é revelador: “Sem dúvida é um sinal, pois a China é um modelo de gestão totalitária da liberdade de expressão. Chega a ser uma confissão de que a regulação é, para o governo, um mero eufemismo para a censura”.
A preocupação do governo com o TikTok não é casual. Na visão de setores da esquerda no mundo todo, a plataforma está começando a ser usada por grupos de direita para mobilização política e disseminação do que chamam de “discurso de ódio” e “desinformação” – termos frequentemente usados para justificar a necessidade de impor mais limites à liberdade de expressão.
Embora o presidente não tenha detalhado a função do enviado chinês, o pedido feito a Xi Jinping é inusitado: trata-se de pedir ajuda sobre regulação das redes ao país com o maior sistema de censura da internet no mundo.
A iniciativa de Lula foi entendida por parlamentares da oposição como uma tentativa de importar referências externas – de um regime notoriamente autoritário – para ajudar em um projeto de cerceamento do debate público.
Para Luiz Augusto Módolo, doutor em Direito Internacional pela USP e autor de “A saga de Theodore Roosevelt” (2020), caso se confirme a interferência chinesa na gestão brasileira das redes, haveria uma violação à soberania nacional. “Confiar numa autocracia com internet completamente controlada para buscar calar a própria oposição interna e regulamentar o discurso público viola completamente nossa soberania”, diz.
O histórico da China em relação à internet é amplamente conhecido: trata-se de uma ditadura governada por um regime de partido único que mantém rígido controle sobre todas as formas de comunicação. Plataformas como Google, Facebook e YouTube são banidas, e o TikTok local (Douyin) opera sob regras estritas de censura e vigilância.
Democracias como os Estados Unidos têm estudado impor restrições à empresa por questões de segurança nacional, como a possível coleta de dados por parte do regime chinês.
Gazeta do Povo
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