ISABELA PALHARES
SÃO PAULO, SP (FOLHAPRESS)
O Ministério da Educação conseguiu preencher apenas pouco mais da metade das bolsas ofertadas no Pé-de-Meia Licenciaturas. Lançado neste ano, o programa iria pagar o incentivo para 12 mil estudantes, mas apenas 6.532 inscritos alcançaram os requisitos para receber o benefício.
O programa foi criado para incentivar jovens com bom desempenho escolar a entrarem em licenciaturas e seguir a carreira docente. Para ter direito à bolsa, é preciso ter atingido ao menos 650 pontos no Enem — pontuação muito acima do necessário para ingressar na maioria dos cursos dessa área.
Para especialistas, a baixa ocupação do programa demonstra um erro de concepção da política por ter critérios que excluem parcela significativa daqueles que ingressam nas licenciaturas e ainda por ser insuficiente para atrair jovens com bom desempenho para a docência.
Em nota, o MEC disse que abriu uma segunda chamada para tentar incluir novos estudantes no programa. A pasta informou, no entanto, que o número de matriculados em licenciaturas presenciais com nota maior do que 650 é de pouco mais de 9.000 estudantes —o que ainda representa apenas 75% das bolsas ofertadas.
O Pé de Meia Licenciaturas foi lançado em janeiro pelo presidente Lula (PT) dentro do programa Mais Professores, que prevê uma série de outras ações para aumentar a valorização dos docentes da educação básica.
A bolsa prevê o pagamento de um auxílio mensal de R$ 1.050, dividido em duas parcelas, uma de R$ 700 para saque imediato e outra de R$ 350 que ficará reservada como em uma poupança. Ao fim da graduação e ao ir trabalhar em alguma escola pública, o beneficiário pode sacar o valor acumulado.
Além da pontuação mínima no Enem, a bolsa também é voltada apenas para quem fizer licenciatura em cursos presenciais e tiver sido aprovado pelo Sisu (Sistema de Seleção Unificada), Prouni (Programa Universidade para Todos) ou pelo Fies (Financiamento Estudantil).
Dos 6.532 selecionados para receber a bolsa, apenas 14 entraram nos cursos pelo Prouni. Dos beneficiários do Fies, nenhum foi selecionado. Esses dois programas dão acesso a vagas em faculdades particulares.
Rodrigo Capelato, diretor do Semesp (sindicato dos donos de instituições de ensino privadas), diz que o programa erra ao excluir a maior parcela dos alunos desses cursos, que estudam na modalidade a distância.
“O programa é interessante e pode ser exitoso, mas precisa de ajustes para beneficiar todos que teriam direito. Porque excluir o aluno que estuda em curso a distância se ele tiver obtido a pontuação mínima? O critério não é usado para incentivar os melhores alunos? Quem escolhe a EaD não deveria ser excluído”, diz.
Segundo os dados do último Censo do Ensino Superior, 77% dos matriculados em cursos de licenciatura estudam na modalidade a distância.
Por só selecionar candidatos aprovados pelos programas federais, o Pé-de-Meia Licenciaturas também exclui os matriculados em algumas universidades estaduais que, apesar de usarem a nota do Enem, não participam do Sisu. É o caso da USP, Unicamp e Unesp —universidades públicas com o maior número de concluintes em licenciatura no país.
Além da exclusão de boa parte dos estudantes da área, especialistas também avaliam que o incentivo financeiro é pouco diante das condições de trabalho dos docentes no país. Ou seja, a bolsa não é suficiente para convencer um estudante com boa pontuação no Enem a trocar um curso em uma área com mais prestígio para seguir para a licenciatura.
Daniel Cara, professor da Faculdade de Educação da USP, diz que usar o critério da pontuação já é um equívoco, ainda mais em um patamar que ele considera alto.
“Bom professor se forma no decorrer dos cursos de licenciatura, não por nota de ingresso, que durante a graduação acaba significando pouco. A tendência é de que o programa atrairá poucos alunos para as licenciaturas. E, principalmente, nada indica que formará bons professores.”
Para ele, o auxílio financeiro é importante para ajudar os estudantes a concluírem os cursos. No entanto, lembra que o país já possui outras ações com essa finalidade, como o programa Pibid (Programa Institucional de Bolsas de Iniciação à Docência).
Jhonatan Almada, diretor do CIEPP (Centro de Inovação para a Excelência das Políticas Públicas), também avalia que outros programas já tem a função de auxílio financeiro aos estudantes e deveriam ser fortalecidos. Para ele, o Pé-de-Meia Licenciaturas é insuficiente para atrair os jovens para a carreira.
“O programa não alcança outras dimensões da desvalorização da profissão docente. Há uma percepção de que os professores são desrespeitados, sobrecarregados e atualmente ameaçados. Diante desse cenário, entre a licenciatura e outro curso, os estudantes optam pelo outro em face do contexto da profissão docente.”
Questionado sobre mudanças nos critérios ou redução da nota exigida, o MEC não respondeu. O ministério disse que já neste ano houve um aumento de interessados nos cursos de licenciatura com nota acima de 650 pontos.
“Atualmente, o número de matriculados em cursos de licenciatura presenciais com nota maior do que 650 é de pouco mais de 9.000, o que representa um aumento de mais de 60% em relação à 2024.”
A pasta informou ainda que o período de inscrição para a segunda chamada segue até 18 de dezembro para possibilitar que estudantes que ingressem nas universidades ao longo do ano, inclusive no segundo semestre, tenham a possibilidade de participar do programa.
“Como há previsibilidade de pagamento retroativo, os estudantes que ingressarem na segunda metade do ano terão o decorrer do ano para fazer o cadastro no programa”, disse a pasta, em nota.