
Filme é inspirado nos casos de exploração sexual infantil da Ilha do Marajó e estreia nesta quinta (15). Longa é 1º de ficção da diretora Marianna Brennand e tem Dira Paes no elenco. Cena do filme ‘Manas’
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“Manas” é um filme denso. Com estreia nos cinemas brasileiros nesta quinta-feira (15), o longa vem arrancando elogios em festivais estrangeiros e já conquistou mais de 20 prêmios.
Essa é a primeira vez em que Marianna Brennand se dedica a um filme de ficção. Diretora dos documentários “Francisco Brennand” (2012) e “Danado de Bom” (2016), ela se inspirou nos casos de exploração sexual infantil da Ilha do Marajó (PA) para produzir “Manas”.
O filme conta a história de Tielle (Jamilli Correa), garota de 13 anos que vive em uma comunidade ribeirinha na Ilha do Marajó. Em uma pequena casa de palafita, vivem ela, seu pai Marcílio (Rômulo Braga), a mãe Danielle (Fátima Macedo) e três irmãos menores. A família sofre com insegurança alimentar e compartilha o quarto para dormir.
Com a chegada da puberdade, Tielle é incentivada pela mãe a vender açaí nas balsas da região. Lá, a garota passa a ser explorada sexualmente pelos tripulantes. Violência que não é tão diferente da que sofre em casa, onde seu pai a submete a abusos e assédios.
Com exceção de uma cena de socos e empurrões, “Manas” dispensa o explícito. Em vez de uma violência gráfica estilizada, o filme causa espanto pela história em si e opta por não expor os corpos das atrizes adolescentes — escolha coerente diante de suas críticas à sexualização infantil.
Ao mesmo tempo, toques e beijos maliciosos ganham espaço para enfatizar o lado sutil da violência sexual, que muitas vezes é tratada com tom permissivo, sobretudo quando os assediadores são pessoas próximas à vítima.
Marianna fez questão de tratar do assunto com bastante profundidade. Ao mesmo tempo em que nos leva à perversidade desse tipo de crime, a cineasta rejeita maniqueísmos. Enquanto vemos personagens complexos na tela, somos expostos a diferentes tipos de negligência.
Cena de ‘Manas’
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Além do cuidado primoroso que o filme teve no retrato da exploração sexual infantil, suas cenas são altamente sensíveis e emocionantes. “Manas” nos faz engolir em seco. É um chute no estômago.
Muito bem amarrado, o roteiro cresce aos poucos. Com um início arrastado, o enredo engata quando Tielle começa a ser assediada. Dali em diante, um clima de suspense agonizante nos prende às cenas, que oscilam entre o previsível e o inesperado. Intenso, o final foge de clichês e dificulta ainda mais a digestão de tudo o que assistimos até então. É um paradoxo: causa alívio e perturbação.
O brilho de “Manas” também está em seu elenco impecável. A protagonista Jamilli Correa é a que mais impressiona. A atuação tem um olhar marcado pelo medo, silêncio e revolta hipnotizantes. Surpreendentemente, é sua estreia como atriz. A paraense nunca havia atuado. Agora, aos 16 anos, ela tem um portfólio promissor que deve render a ela um futuro de grandes papéis.
Rômulo Braga e Fátima Macedo também estão afiadíssimos em seus papéis. Isso vale para Dira Paes, que interpreta a policial Aretha, personagem inspirada em duas pessoas reais: o delegado Rodrigo Amorim e a ativista Marie Henriqueta, importantíssimos no combate à exploração sexual infantil no Marajó.
Cena do filme ‘Manas’
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Desde 2019, crimes de abuso infantil na região tiveram mais repercussão, a partir de falas de Damares Alves. A ex-ministra afirmou, por exemplo, que crianças eram traficadas para o exterior. Em 2023, ela foi condenada pelo Ministério Público Federal (MPF) por propagar informações falsas e causar “danos sociais e morais coletivos à população do arquipélago”. O órgão afirmou que ela reforçou estereótipos e estigmas sobre a região.
Essa trama política e a propagação de fake news sobre o tema ficam de fora do filme de Marianna. Por outro lado, o longa endossa alguns estigmas pelos quais a Ilha do Marajó ficou atrelada nos últimos anos. Além disso, a população ribeirinha ali retratada soa pouco plural. E o filme deixa passar a oportunidade de mostrar com mais ênfase a beleza das tradições culturais desses povos, tão pouco explorada no cinema brasileiro.
Ainda assim, “Manas” exibe a maravilha das paisagens em que vive parte dessa população. Com uma fotografia potente, o longa faz um interessante contraste entre um mangue ensolarado e a agonia de um abuso sexual ocorrido em meio ao igarapé amazonense.
O filme é ainda cheio de simbolismos. Um batom é capaz de refletir a erotização infantil e um coral de “Conquistando o Impossível” mostra o avanço das igrejas evangélicas no Brasil.
Dá para entender o porquê o filme de Marianna tem grandes chances de se tornar a aposta do país no Oscar de 2026. Se isso acontecer, o Brasil irá mais uma vez à premiação carregando um grande trunfo.
Assista ao trailer de ‘Manas’
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