JOSÉ HENRIQUE MARIANTE
BERLIM, ALEMANHA (FOLHAPRESS)
Um grupo de extrema direita que criou e geria uma tentativa de Estado paralelo na Alemanha foi proscrito no país nesta terça-feira (13). Operação em sete estados prendeu quatro pessoas, incluindo o mentor da organização, Peter Fitzek, que se autoproclama Peter 1º, dirigente máximo do “Reino da Alemanha”, ou KRD, na sigla em alemão.
Figura conhecida do público alemão e que já cumpriu diversas penas, Fitzek declarou que sua prisão era “ilegal e ilícita” enquanto era conduzido algemado pela polícia. O KRD era a facção mais importante de um movimento maior, “Cidadãos do Reich”, que não reconhece a Alemanha atual como um Estado legítimo baseado em argumentações fantasiosas.
O ministro do Interior, Alexander Dobrindt, que anunciou o banimento do grupo, afirmou que o KRD tem cerca de 6.000 integrantes e criou um Estado paralelo, com “estruturas econômicas criminosas”, como banco e cartório. “Eles sustentam sua suposta reivindicação de poder com narrativas de conspiração antissemitas”, declarou em comunicado o ministro, pontuando a natureza de extrema direita da organização.
“Tomaremos medidas decisivas contra aqueles que atacam nossa ordem básica democrática livre”, escreveu Dobrindt, em termos muito parecidos aos usados pelo primeiro-ministro, Friedrich Merz, no X. “Estamos aumentando a segurança em nosso país.”
Os dois políticos da CDU estão há uma semana no cargo e pegam evidente carona na operação gestada durante a administração anterior. Por um lado, querem destacar a aliança conservadora CDU/CSU a que pertencem da AfD, Alternativa para Alemanha, o partido de extrema direita que conquistou a segunda maior bancada no Parlamento nas eleições de fevereiro e já aparece como líder em algumas das últimas pesquisas eleitorais.
Por outro, respondem aos críticos, que acusam o novo governo de assumir a retórica populista da extrema direita em itens como a política imigratória justamente para fazer frente à onda de impopularidade no início do mandato.
Segundo as autoridades, o braço financeiro do KRD estava atraindo depósitos com a promessa de não cobrar impostos dos usuários. A organização também acenava com oferta de seguros de saúde e pensão. Ao mesmo tempo, buscava estabelecer patrimônio com aquisição de terras e imóveis.
De acordo com o Escritório Federal de Proteção à Constituição, o serviço de inteligência alemão, que classificou a AfD como legenda de extrema direita e é processado pelo partido, ao menos 25 mil pessoas na Alemanha participam ou se identificam com o “Cidadãos do Reich”. A estimativa foi feita em 2023 e o movimento, com mais de 40 facções diferentes, teria tendência de crescimento. Ao menos 10% dos integrantes têm histórico de violência.
Pesquisa da Fundação Konrad Adenauer, referência no estudo da política alemã, ligada à CDU de Merz, identificou alto apoio dos mitos defendidos pelo “Cidadãos do Reich” entre eleitores da AfD. Não à toa, a líder do partido, Alice Weidel, repetiu alguns mantras do movimento, como a Alemanha ser um território ocupado e escravo dos EUA desde o fim da Segunda Guerra, durante a campanha eleitoral.
Os grupos que formam o “Cidadãos do Reich” buscam um revisionismo histórico, em que Alemanha precisa voltar às fronteiras existentes no início do século 20 e ao império, baseado em concepções antissemitas e conspiratórias, como o mundo ser controlado por judeus ricos ou “poderes secretos”. Especialistas veem um paralelo com o QAnon, o movimento conspiracionista de extrema direita dos EUA, que atribui os males do mundo a um Estado profundo controlado por bilionários e políticos da esquerda.
Em março, cinco pessoas ligadas a outra facção do “Cidadãos do Reich” foram condenadas por planejarem um golpe Estado em 2022, que incluía um plano para sequestrar o então ministro da Saúde, Karl Lauterbach, alvo de militantes na época da pandemia por defender as restrições de circulação. Integrantes do grupo “Patriotas Unidos” cumprem penas que variam de 5 a 8 anos.