Brasil e Itália ampliam relações

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O personagem da semana da Coluna Três Poderes é o embaixador do Brasil na Itália, Renato Mosca de Souza. Ele recebeu o Jornal de Brasília na Embaixada do Brasil em Roma, onde concedeu a entrevista. O embaixador Mosca foi nomeado para o cargo em 2023. Ele também é responsável pelas relações do Brasil com as repúblicas de San Marino e Malta.

O diplomata foi cônsul-geral do Brasil em Vancouver, no Canadá, e antes, ocupou o posto de embaixador na Eslovênia, além de chefiar o cerimonial da Presidência da República, entre outros postos. Na conversa, ele falou sobre temas como reconhecimento de cidadania italiana, a reforma do emblemático Palácio Pamphilj e o fortalecimento das relações comerciais entre os dois países.

O processo de reconhecimento da cidadania italiana passou por mudanças importantes. O que muda na prática para os brasileiros que têm direito à cidadania e pretendem dar entrada no processo na Itália?

Temos acompanhado atentamente os desdobramentos da Medida Provisória (“decreto-legge”) nº 36, publicada pelo Governo italiano em 28 de março. Entre as disposições da normativa, tem especial relevância a limitação da transmissão da cidadania para ítalo-descendentes a, no máximo, duas gerações, de modo que apenas filhos ou netos de italianos fariam jus à cidadania por “ius sanguinis”.

Embora vigore e surta efeitos desde 29 de março, dia posterior ao de sua publicação, a medida provisória deverá ainda ser analisada pelo Parlamento italiano, no prazo de até 60 dias a partir de sua publicação, que expira em 26 de maio, para eventual conversão em lei. O Brasil abriga atualmente a maior comunidade de descendentes de italianos fora da Itália, estimada entre 25 a 30 milhões de pessoas, o que se reflete no grande número de brasileiros que buscam o reconhecimento da cidadania. Nesse contexto, medidas que restrinjam ou dificultem o reconhecimento da cidadania italiana por origem são percebidas com natural preocupação por amplos setores da sociedade brasileira, em especial pela expressiva comunidade de origem italiana residente no Brasil.

A embaixada e os brasileiros na Itália têm respondido diversas consultas de cidadãos brasileiros e estão em contato permanente com autoridades italianas para expressar as preocupações legítimas de milhões de ítalo descendentes residentes no Brasil.

Como a embaixada tem trabalhado para orientar os brasileiros e evitar que caiam em armadilhas ou assessorias ilegais que prometem facilidades no reconhecimento da cidadania italiana?

Os procedimentos para o reconhecimento da cidadania italiana são de competência das autoridades italianas. Nesse sentido, recomenda-se que os cidadãos ítalo- brasileiros procurem orientação junto aos órgãos oficiais da Itália no Brasil. Cito como exemplo o site do Consulado-Geral da Itália em São Paulo, que hospeda seção específica dedicada à cidadania, onde constam as informações necessárias para que o próprio requerente possa informar-se diretamente, sem intermediação de terceiros. Recomenda-se a todos os interessados em solicitar a cidadania italiana, ou que já tenham processos em andamento, que consultem regularmente os órgãos oficiais italianos, em particular os sites oficiais da embaixada italiana e dos consulados italianos no Brasil, para obter informações atualizadas e orientações específicas sobre como proceder diante das novas regras.

A sede da embaixada do Brasil, um histórico palácio italiano, está sendo restaurada. Obra totalmente custeada pela iniciativa privada. Como funcionou essa iniciativa e qual o peso do valor histórico que a propriedade adquirida pelo Brasil nos anos 1960 possui?

Em março, tiveram início as obras de restauro do Palácio Pamphilj, de propriedade do Governo brasileiro e sede da embaixada. Serão longos meses de intenso e meticuloso trabalho, em prol da conservação de importante patrimônio arquitetônico e artístico, que integra a história do barroco italiano. O palácio é patrimônio do Brasil e dos brasileiros. É sede da embaixada desde 1924, mas foi adquirido pelo governo brasileiro nos anos 60. Temos a responsabilidade de preservar o patrimônio que está prestes a completar quatro séculos de história. Nesse cenário qualquer intervenção precisa ser feita com extrema atenção.

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Embaixador do Brasil na Itália, Renato Mosca de Souza. Foto: Arquivo Pessoal

Além das particularidades da estrutura do edifício e de sua fachada, há nas salas e salões diversos afrescos de pintores como Giacinto Gemignani, Gaspard Dughet, Andrea Camassei, Giacinto Brandi, Francesco Allegrini, Pier Francesco Mola, Costanzo de Peris e Pietro da Cortona. Este último assina os afrescos de nossa galeria mais famosa, que leva seu nome e foi projetada por Borromini. Creio que esse é o trabalho mais delicado, que será conduzido por especialistas cuidadosamente selecionados. Todas as intervenções são acompanhadas pela Superintendência Especial de Arqueologia, Belas Artes e Paisagem de Roma. O restauro do palácio será financiado integralmente por empresa privada que explorará comercialmente o espaço publicitário na fachada do edifício. O restauro financiado por publicidade é bastante comum na Itália e, em alguns casos, representa o único meio de tornar viáveis as intervenções, em geral muito onerosas, de manutenção do imenso patrimônio artístico e arquitetônico italiano.

A embaixada tem apoiado ações e iniciativas de fomento entre Brasil e Itália em questões comerciais e culturais. Esse ano está programado um evento empresarial em conjunto com o LIDE? Como funcionará esse encontro, quando de fato será e quais as expectativas quanto a realização dele e os frutos que possam ser gerados com a sua realização?

A promoção da cultura brasileira na Itália e o fortalecimento das relações comerciais bilaterais são dois dos pilares de atuação da embaixada. Todos os anos planejamos uma série de iniciativas, em parceria com os representantes dos mais diversos setores da sociedade, incluindo o empresariado. É nesse contexto que se inserem eventos empresariais como os organizados pela LIDE, que proporcionam momento de interação entre empresários brasileiros e italianos. A despeito dos vínculos culturais, há espaço considerável para ampliar e diversificar o comércio Brasil- Itália e o fluxo de investimentos bilaterais. Considero que nossas trocas comerciais são robustas, mas muito aquém do potencial de duas economias de dimensão de mais de 2 trilhões de dólares.

O senhor acredita que esse fluxo constante de brasileiros na Itália, seja pela cidadania, estudo ou trabalho, também ajuda a fortalecer as relações culturais e diplomáticas entre os dois países? Como o senhor enxerga o papel da diplomacia nesse cenário?

A diáspora italiana é um dos pilares do relacionamento bilateral e desempenha papel fundamental no aprofundamento dos laços entre as sociedades do Brasil e da Itália. Para os descendentes de italianos no Brasil, os vínculos com a Itália têm dimensão afetiva e simbólica, na medida em que remontam às suas raízes familiares. Os oriundi representam um ativo para a Itália em termos materiais e imateriais, se considerarmos a produção artística e intelectual, o patrimônio gastronômico, a influência linguística e outros tantos aspectos que vinculam a Itália ao Brasil. Cabe à diplomacia aprofundar esses laços por meio de acordos bilaterais nas mais diversas áreas que tragam benefícios para ambos governos e sociedades.

Ao mesmo tempo em que cresce o número de brasileiros solicitando cidadania italiana, percebe-se o aumento da xenofobia pelos europeus. Isso é um desafio para o Brasil. Como o senhor observa o crescimento desse movimento?

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Embaixador do Brasil na Itália, Renato Mosca de Souza. Foto: Arquivo Pessoal

Em um mundo globalizado, a mobilidade é uma realidade incontornável. Ainda assim, observa-se preocupante avanço da discriminação contra migrantes, refugiados e pessoas de diferentes origens, o que contribui para o fortalecimento de barreiras e o aprofundamento das desigualdades. Mantemos constante diálogo com as autoridades italianas, a fim de facilitar a integração da comunidade brasileira e destacar as contribuições que os brasileiros oferecem às comunidades onde estão inseridos.

Acompanhamos com atenção as manifestações de xenofobia e discriminação que têm surgido em diferentes partes da Europa, fenômenos que infelizmente afetam não apenas brasileiros, mas diversos grupos de migrantes. Trata-se, sem dúvida, de um desafio global, que exige diálogo e políticas públicas responsáveis.

O mundo está em alerta após as tarifas anunciadas pelo presidente Trump (suspensas momentaneamente para alguns países como o Brasil). Como ficam as relações econômicas entre o Brasil e Itália? O senhor acredita que irão ocorrer mudanças nas relações econômicas entre os dois países?

A política de guerra tarifária adotada pelo presidente Donald Trump tem o objetivo declarado de proteger a indústria nacional norte-americana, reduzir o déficit comercial e pressionar parceiros a renegociar acordos mais favoráveis aos Estados Unidos. Deve-se considerar, entretanto, que as tarifas anunciadas desestabilizam os mercados globais e geram incerteza econômica, prejudicando inclusive empresas americanas que dependem de insumos importados.

Como tenho ressaltado frequentemente em contatos com interlocutores locais, diante de um cenário internacional desafiador, marcado pela fragmentação e por ataques ao multilateralismo, a conclusão do Acordo de Parceria Mercosul-União Europeia, em dezembro de 2024, representa sinalização importante na contra-corrente de uma nova onda de protecionismo. Para a Itália, em particular, o acordo aportará ganhos evidentes.

As mais de mil empresas italianas com presença no Brasil e os empresários descendentes de italianos deverão colher benefícios imediatos com a entrada em vigor do tratado. A expectativa é que o tratado reforce a diversificação das parcerias comerciais de ambos os blocos e fomente a modernização do parque industrial brasileiro com a integração às cadeias produtivas da União Europeia.

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