Morte de jovem negro por PM em Caraíva gera protesto e comércios fechados

MANUELA RACHED PEREIRA
SÃO PAULO, SP (UOL/FOLHAPRESS)

Uma operação policial que deixou dois mortos na comunidade ribeirinha de Caraíva, um dos pontos turísticos mais conhecidos de Porto Seguro (BA), no último fim de semana, gerou protestos e comércios fechados na região, segundo relatos de moradores e amigos de uma das vítimas.

Um dos jovens mortos era negro e trabalhava como guia turístico na região. Identificado como Victor de Luiza Cerqueira, de 28 anos, ele era morador de Itabela, município vizinho de Caraíva, segundo relatos de amigos e moradores da vila.

Antes de aparecer morto, Victor teria sido detido e algemado por policiais a caminho do trabalho. Em nota divulgada ontem, a SSP (Secretaria de Segurança Pública) da Bahia divulgou apenas que dois homens, acusados de envolvimento com uma facção criminosa na região, foram mortos em “confronto” durante uma operação conjunta “de combate ao crime organizado”, das polícias estaduais e federal, na comunidade ribeirinha.

Em protesto na manhã desta segunda-feira (12), moradores e amigos de Victor contestaram a versão da SSP. “Ele não era bandido, não estava armado, e aqui não houve confronto algum, nenhuma troca de tiros”, disse um morador de Caraíva, durante o ato transmitido ao vivo pelo Instagram. O sepultamento de Victor foi marcado para amanhã e uma missa de pesar para hoje, às 17 horas, na comunidade.

“Caraíva acordou revoltada porque mataram mais um inocente. Não vamos aceitar que esse caso seja abafado ou tratado como efeito colateral. Estamos falando de racismo estrutural, de violência do Estado, e de uma vida que foi tirada sem explicação”, disse Joice Terlone, moradora de Caraíva e amiga de Victor, em relato ao UOL.

Comércios e pousadas estão fechados desde ontem na região. Durante o ato na manhã de hoje, moradores informaram que a travessia por barco à Caraíva foi bloqueada e que todos os comércios da comunidade estão fechados: “Desde ontem, está tudo fechado e todo mundo em choque e revoltado, ninguém entra e ninguém sai”.

O QUE DIZ A COMUNIDADE

Victor estava a caminho do trabalho, quando foi detido e algemado por policiais, relata amiga. “Ele estava indo trabalhar, descendo o morro da travessia para buscar hóspedes na beira do rio, como fazia todo fim de tarde”, conta a modelo Joice Terlone, que era amiga próxima de Victor e vive há cinco anos em Caraíva. “No mesmo momento, a polícia decidiu fazer uma ‘ação de inteligência’ em um vilarejo turístico, num sábado às 18h, colocando a vida de moradores e visitantes em risco”, segue ela.

Jovem foi encontrado morto com sinais de tortura, diz Joice. “Encontraram ele com o rosto desfigurado, olhos inchados, joelhos feridos, marcas de coronhada”, relata a amiga, que diz que outros moradores locais testemunharam a detenção de Victor e o estado em que seu corpo foi visto depois da morte do jovem.

“Victor não tinha qualquer envolvimento com o tráfico. Era trabalhador, respeitado e querido por todos. (…) Ele foi abordado, saiu vivo e algemado com a polícia, sem oferecer resistência, sem estar armado, sem qualquer justificativa aparente. Ou será que o motivo era só a cor da pele dele? (…) O que não se explica e precisa ser investigado com urgência é por que ele apareceu logo depois morto e com claros sinais de tortura”, disse Joice Terlone, amiga de Victor.

“Estávamos aqui e vimos que não houve trocas de tiros entre polícia e bandidos. Houve tiro à queima-roupa, e um dos atingidos foi o Vitinho”, disse um morador local, durante protesto em Caraíva transmitido ao vivo.

Vídeo divulgado por portais locais mostra homem sendo carregado por policiais na entrada de hospital em Trancoso (BA). O homem que aparece na gravação seria o suposto membro da facção preso em Caraíva e identificado pelo apelido de Alongado. Ele teria sido baleado por “resistir” à prisão, segundo a SSP baiana.

“Chamaram de operação de inteligência, mas ninguém aqui entendeu por que eles vieram, o que eles fizeram, quem foi preso e por que. (…) Sabemos que o Vitinho era inocente, mas também teve outra vida tirada. E ainda que essa outra pessoa morta estivesse envolvida com o crime, que ela pagasse pelo seu crime, mas tivesse a chance de se redimir depois, e não dessa forma como fizeram”, disse outro morador de Caraíva, durante protesto em homenagem a Victor.

O QUE DIZ A SSP-BA

Em nota, SSP da Bahia divulgou que a ação policial conjunta cumpriu mandado de prisão contra o suposto membro da facção. “As equipes das Polícias Federal, Civil e Militar cumpriam mandado de prisão contra o homem, identificado como Alongado. O criminoso resistiu a prisão e acabou ferido. Ele chegou a ser socorrido, mas não resistiu aos ferimentos”, divulgou a pasta em nota.

“No local do confronto, um homem apontado como ‘segurança’ do traficante também terminou atingido e não resistiu aos ferimentos, seguiu a SSP. Ao UOL, a pasta informou que “armas de fogo, munições e drogas foram localizadas durante a ação”.

Questionada se o suposto segurança seria Victor, SSP não confirmou. A pasta também não respondeu sobre como teria ocorrido o confronto e o que teria justificado a morte dos jovens. Divulgou apenas que dois suspeitos, apenas um deles com mandado de prisão, “acabaram atingidos após confronto relatado pelas equipes”. Ainda conforme o órgão, ambos foram socorridos, mas “não resistiram aos ferimentos”.

Um terceiro suposto integrante da facção foi preso, segundo a pasta. A SSP informou, por fim, que “a ocorrência é investigada pela Polícia Civil e pela Corregedoria da Polícia Militar, como determina o procedimento em casos de morte em confronto com agentes do estado”.

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