MAELI PRADO
SÃO PAULO, SP (FOLHAPRESS)
Apesar de enfrentar a maior taxa de juros em duas décadas, a economia brasileira pode crescer acima de 2% neste ano e avançar outros 2% no ano que vem, em meio aos impactos positivos do crédito consignado CLT e da ampliação da isenção do Imposto de Renda sobre a atividade.
Na avaliação de economistas, os estímulos tendem a ganhar tração com a aproximação de 2026, ano eleitoral, cenário que erode parte dos esforços da autoridade monetária de esfriar a economia e domar a inflação, deixando o Banco Central remando contra a maré.
De acordo com ele, as concessões de crédito da modalidade devem passar dos atuais R$ 2 bilhões para R$ 10 bilhões por mês até o final do ano que vem. A partir da relação histórica entre o crédito consignado e o PIB (ou seja, quanto o primeiro historicamente estimula o segundo), Vale projeta que a atividade crescerá quase 1 ponto percentual a mais até dezembro de 2026 –sendo 0,4% neste ano e 0,5% no próximo.
Outro benefício de peso é a ampliação da faixa de isenção do Imposto de Renda para R$ 5.000, que poderia adicionar outro 0,5 ponto percentual ao PIB do ano que vem.
“Um PIB magro de 1% se transforma com duas medidas de peso em 2%, sem considerar outras medidas adicionais que o governo tem feito e fara. Serao dois anos seguidos em que o governo focara todos os esforços para que o crescimento apareça”, avalia. “É contraproducente. O governo estimula o crescimento e o BC, do outro lado, tenta combater.”
A preocupação é que as medidas reduzam a chance de uma inflação mais baixa, obrigando o BC a manter os juros altos por mais tempo para combater a variação de preços.
Dados do Boletim Focus divulgados nesta segunda (12) mostram que a expectativa é de um IPCA (Índice Nacional de Preços ao Consumidor Amplo) de 4,5% no ano que vem, ou seja, no teto da meta de inflação, que é de 3% com intervalo de tolerância de 1,5 ponto para cima ou para baixo.
JUROS NEUTROS ELEVADOS
Ex-diretor de política monetária do Banco Central, Fabio Kanczuk coloca o problema em outros termos. Ele lembra que medidas como o consignado ou a ampliação da faixa de isenção do IR fazem com que a taxa de juros neutra, que não desacelera nem acelera a economia, se mantenha em um nível elevado.
A chamada taxa neutra é um cálculo que funciona como uma espécie de guia para o BC na hora de decidir os juros: é uma referência de qual deve ser a Selic (taxa básica de juros) para manter a inflação sob controle, preservando o poder de compra da população.
“A conta é: se a Selic menos a inflação esperada estiver acima do juro neutro, isso contrai a atividade, e a inflação cai. E vice-versa. Mas quando você faz expansão fiscal, está atuando no sentido contrário, e o juro neutro sobe. Se o governo eleva a taxa neutra através de benefícios, o Banco Central precisa elevar ainda mais a Selic”, explica Kanczuk, que é diretor de macroeconomia do ASA.
Para o economista, como consequência dos estímulos, a taxa de juros neutra hoje está em 8%, e não em 5%, como vê o Banco Central. “Se o juro neutro estivesse em 5%, a economia estaria afundando, deveríamos estar em uma recessão brava. E não estamos, por causa dos estímulos”, afirma.
Ele avalia que a PEC da Transição foi “um impulso fiscal gigantesco” -a proposta adicionou R$ 150 bilhões anuais nas despesas, mantendo o benefício social de R$ 600 instituído no governo Bolsonaro e acrescentando o pagamento de R$ 150 a beneficiários com criança de até seis anos. “Como a economia vai desacelerar com isso?”, questiona.
Kanczuk lembra que em fevereiro a atividade econômica cresceu mais que o esperado com o impulso do setor agropecuário, segundo dados do Índice de Atividade Econômica do Banco Central (IBC-Br), mostrando alta de 0,4%. Em 12 meses, a expansão é de 4,1%.
“A questão que fica no governo Lula 3 é: por que a economia brasileira não desacelera, apesar dos juros tão altos? Significa que há algo empurrando a economia para o outro lado. Todo mês tem algum estímulo na praça”, diz Ivo Chermont, economista-chefe da gestora Quantitas.
Para o especialista, os estímulos podem atrasar uma eventual queda da taxa básica de juros. “O governo Lula 3 claramente usou o fiscal para impedir que a economia tivesse qualquer desaceleração. Houve uma herança maldita do governo Bolsonaro, 2022 foi uma catástrofe em termos de gastos. Mas o remédio para essa gastança foi gastar mais.”