Dores constantes são a realidade de quem convive com a fibromialgia, uma condição crônica que provoca dores generalizadas, fadiga e outros sintomas que afetam diretamente a qualidade de vida — especialmente entre as mulheres, segundo a Secretaria de Saúde do Distrito Federal. Neste 12 de maio, Dia da Conscientização da Fibromialgia, a equipe de reportagem do Jornal de Brasília conversou com quem sente essa dor todos os dias e com um especialista para entender os desafios do diagnóstico, o impacto emocional e a importância de dar visibilidade a uma doença que, apesar de invisível aos olhos, impõe limites incapacitantes a quem sofre dessa condição.
Foi uma jornada longa da psicóloga Leyny Márcia de Oliveira Lopes, 26 anos, até ser diagnosticada com fibromialgia. “Fui procurar o ortopedista na época do ensino médio e foi falado que eu estava muito estressada por causa do vestibular”, comentou. Entretanto, as dores vinham acompanhadas de uma fadiga muito grande e o sofrimento não passou. “Eu fiz acupuntura, passava arnica a pedido do médico, fazia massagem, mas a dor não parava”, completou.
Leyny sentia uma dor contínua principalmente nos braços e nas costas e passou a procurar especialistas. Ela passou por ortopedistas, reumatologistas, ginecologistas, médico da família, psiquiatra e outros para tentar achar a causa da dor. “Eu fiz 1 milhão de ressonâncias magnéticas, de raio-x e de exames”, destacou.
O diagnóstico veio aos 23 anos. “Como eu era muito nova, todo mundo falava da possibilidade da fibromialgia, mas ninguém queria fechar o diagnóstico”, acrescentou. “Mas eu sei que comparado com as outras pessoas, o meu caso ainda foi muito mais rápido e muito mais fácil do que o normal, porque meus pais tinham condições financeiras para me ajudar com os tratamentos”, reforçou.
Leyny sentiu alívio quando descobriu o motivo das dores que sentia, mas ao mesmo tempo se sentiu angustiada por entender que teria que lidar com uma condição que não tem cura. “Eu acho que os meus pais, apesar de me apoiarem, não aceitam que não tem cura para a fibromialgia, por ser um sofrimento para eles me ver sofrer”, contou.
Dor a todo momento
Para Leyny, a compreensão dos outros quanto à doença é um pouco complicada de lidar. “Se eu falo que não vou conseguir fazer determinada coisa na hora porque estou sentindo dor, às vezes pode vir alguém e falar: ‘Mas você está com dor agora?'”. Leyny enfatiza que a verdade que muitas pessoas não compreendem é que quem tem fibromialgia sente dor a todo momento. A dor que Leyny sente, por vezes chega a ser incapacitante, ela relata que é difícil traduzir o que vive no dia a dia para os outros.
Leyny se emocionou ao ver o vídeo da cantora pop Lady Gaga chorando ao falar sobre como “dói tudo no corpo dela”. “Eu posso estar sentada conversando com alguém, ter um dia bom no meu trabalho, ou estar comendo uma coisa que eu gosto, por exemplo, mas a dor que estou sentindo nas minhas costas e no meu pescoço é uma coisa que eu não consigo ignorar, porque ela é tão forte que está sempre ali, presente, ocupando o espaço do meu cérebro”, declarou. Por isso, Leyny considera que a fibromialgia é uma condição incapacitante — principalmente no que diz respeito ao trabalho e à vida social. “A dor me incapacita a ponto de ter uma festa de uma amiga querida e eu não dar conta de levantar da cama para ir”, citou. Ela considera que nem todo mundo vai entender essas coisas, porque até para ela é difícil de compreender.
Atualmente, Leyny faz terapia semanal, exercícios físicos e consultas regulares com uma série de especialistas médicos. Ainda assim, ela sente que vive em constante crise. “Eu sempre estou sentindo dor e não dando conta do que preciso fazer”, desabafou. Dentre os sintomas que acompanham a dor, ela menciona fadiga crônica, bexiga irritável, espasmos musculares e rigidez matinal. “É como se o cérebro ficasse tão sobrecarregado pelos estímulos de dor que desregulasse os outros sistemas autônomos do corpo”, salientou.
Ela observa que tem se falado mais da doença e a medicina tem olhado com mais generosidade para quem sofre dessa condição. Por isso, Leyny acredita que campanhas como o Dia da Conscientização da Fibromialgia são importantes para ajudar a diminuir preconceitos, como falar que essa é uma doença emocional, que seria algo fácil de resolver. “O fato de eu ter fibromialgia e da minha fibromialgia não estar controlada, não quer dizer que eu sou uma pessoa descontrolada emocionalmente”, ressaltou.
O tratamento da doença
O reumatologista Fabio Jennings da Sociedade Paulista de Reumatologistas, explicou ao JBr que a além da dor difusa pelo corpo, a fibromialgia também é caracterizada por outros sintomas como sono não reparador, fadiga, sintomas depressivos, cefaléia e síndrome do cólon irritável. “A causa não é bem esclarecida, mas se sabe que não é autoimune e que se deve a um desequilíbrio do sistema nervoso central que interpreta os estímulos periféricos comuns como se fosse uma dor intensa”, descreveu. Ainda segundo o especialista, a população mais acometida são as mulheres jovens, na idade reprodutiva.
Ele destacou que o diagnóstico dessa condição é fundamentalmente clínico através da história e do exame físico do paciente. “Exames complementares, como os de sangue e os de imagem, são solicitados de acordo com a necessidade de excluir outras causas. É bom lembrar que não existe um exame específico para fibromialgia”, reforçou.
O tratamento engloba terapias medicamentosas e não medicamentosas, que seriam especialmente exercícios físicos, tanto os aeróbicos, quanto de fortalecimento e de flexibilidade e também as terapias psicológicas com componente cognitivo-comportamental. Os resultados do tratamento com exercícios físicos, segundo o especialista, mostram melhora da dor e da capacidade funcional de uma forma expressiva nos pacientes com fibromialgia, bem como a melhora de outros sintomas associados como a qualidade de sono, e também os sintomas depressivos.
O doutor afirma que ainda existe muito preconceito acerca do diagnóstico, visto que não é uma doença que causa estigmas e sinais externos. “Você olha para o indivíduo e ele está praticamente normal, mas ele sente dor”. salientou. Ele salienta que a importância de uma data para conscientizar a população da doença, é justamente para quebrar o estigma e explicar a natureza da doença que não tem cura, mas sim o controle dos sintomas.
A Secretaria de Saúde do Distrito Federal (SES-DF) informou que entre os medicamentos utilizados para o controle da dor estão analgésicos, antidepressivos, miorrelaxantes e anticonvulsivantes. Alguns desses fármacos são disponibilizados pela rede pública do DF, mediante prescrição médica e avaliação individualizada.
Ainda segundo a SES-DF, um exemplo de iniciativa bem-sucedida dentro da rede pública de saúde é o Grupo Supera Dor, criado na Unidade Básica de Saúde – UBS 17, Ceilândia, há cerca de nove meses para atender pessoas com dor crônica. A ação é conduzida em ciclos, com média de 10 pacientes por grupo, e tem como foco promover a conscientização sobre o que está ao alcance do paciente para melhorar sua qualidade de vida.
A SES-DF reforçou a importância de buscar orientação médica nas UBSs, onde o acompanhamento pode ser iniciado e os pacientes encaminhados para serviços especializados, caso necessário.
Saiba mais
A data foi instituída pela Lei nº 7.336/23, que reconhece os fibromiálgicos como pessoas com deficiência para todos os efeitos legais e inclui o Dia de Conscientização e Enfrentamento à Fibromialgia no Calendário Oficial do Distrito Federal. A norma garante direitos como isenção de IPVA, atendimento prioritário e acesso a políticas públicas voltadas à PcD.
Além da data, existe a Campanha Fevereiro Roxo que foi criada em 2014 como forma de conscientizar e alertar a população sobre três doenças crônicas: lúpus eritematoso sistêmico, alzheimer e fibromialgia.