Por Riânia Melo e Beatriz Ocké
“O seu filho vai ser o que você fizer ele ser”.
Essa é a frase que marcou a jornada desta mãe, Mariana Barros, 44 anos, mãe do Miguel, filho autista de nível 1 de suporte.
Mariana conta que desafios e preconceitos fazem parte do cotidiano da família.
Até o diagnóstico
“No começo, foi difícil aceitar”. Quando Miguel, hoje com quase 15 anos, tinha por volta dos 3 anos, sua mãe, Mariana, observou os primeiros sinais de que algo não ia bem.
Mesmo já sabendo que o filho possuía um problema genético, ela não imaginava o que mais poderia estar por trás daquelas dificuldades motoras. Mas a confirmação do espectro veio apenas aos cinco anos, após uma série de investigações.
“Eu sabia que ele tinha uma síndrome genética, mas a questão do autismo, e todas as outras complicações possíveis… eu não tinha ideia do que podia vir. O autismo dele é secundário, ou seja, é uma das consequências do problema genético.”
Miguel apresentava sinais desde cedo
Ele tinha dificuldade para caminhar, por conta da hipotonia muscular (a falta de tônus) e da hiperflexibilidade articular, que pode causar luxações.
“Quando ele começou a tentar andar, ele caía, tremia as perninhas. Eu percebi que aquilo não era normal. Aos dois anos, um neuropediatra avaliou que ainda era muito cedo para fazer uma investigação invasiva porque ele ainda era muito pequeno. Começaram a tratar os sintomas mais imediatos.”
A orientação foi focar no que era possível tratar no momento: a falta de tônus muscular.
“Ele poderia ou não ser autista, poderia ou não ter atraso, problemas cognitivos ou fisiológicos. Ele tem um problema genético que traz consigo várias possibilidades: Os riscos de câncer, problemas cardíacos… eram muitas possibilidades que vinham com o diagnóstico genético”, afirma.
Quando o autismo se confirmou, aos cinco anos, foi muito difícil para a família. “Dez anos atrás, a palavra ‘autismo’ ainda carregava muito preconceito, pouca informação. A gente não falava sobre isso como fala hoje.”

Foi pelo filho que Mariana decidiu sair de Tocantins rumo a Brasília. Foi em busca de apoio e tratamento especializado. Na época, a mudança foi motivada pela carência neuropediatras, profissionais especializados na área, terapias e estrutura de apoio, para crianças com o espectro e outras condições em Palmas.
“Em Tocantins não tinha neuropediatra. A profissional atendia de 15 em 15 dias. Era muito difícil conseguir horário.Para fazer o diagnóstico completo, a gente precisava sair do Estado”.
Desde então, a trajetória dessa mãe tem sido uma jornada de amor incondicional, onde a decisão de se mudar para Brasília foi movida pelo instinto materno pela busca por dignidade no tratamento do filho.
Aprendizado constante e resiliência
Ela, como tantas outras mães atípicas, segue enfrentando os desafios de um sistema que ainda não está preparado, mas também celebra, com intensidade única, cada pequena conquista de Miguel.
“Deixei tudo para trás: casa, trabalho, amigos… mas eu não podia esperar, meu filho precisava”
Desafios
Mariana explica que a maior dificuldade na criação de um filho autista é entender as capacidades e os limites do seu filho.
“A minha dificuldade maior é me adaptar à necessidade de entender o que ele precisa ou o que ele não precisa. Até onde ele pode chegar, o que eu posso cobrar dele? O que ele está sentindo? Eu não sei”.
O Miguel é autista não verbal, o que dificulta ainda mais a compreensão de suas necessidades.
“Você tem que olhar pro seu filho todo dia, ele acorda uma criança diferente, então você tem que entender,porque ele não vai conseguir te verbalizar,muito dificilmente ele vai verbalizar.”
Além disso, Mariana comenta acerca dos preconceitos, que segundo ela, são, em sua maioria, advindo dos pais das outras crianças.
“Eu sofro muito com os próprios pais. Comentários de pais na escola, inclusive”. Pais de outras crianças comentariam que o andamento das aulas seria diferente.
A negligência de algumas escolas que falham em não atender e proporcionar os cuidados e recursos necessários para crianças no espectro autista também é um problema, conforme avalia.
Ela conta uma situação vivida por seu filho em uma escola de Taguatinga, quando foram bem recebidos até a matrícula. Mas, depois, o cenário se altera.
”Eles começaram a trancar o meu filho na quadra da escola. Então, muitas vezes, eu chegava lá, ele estava sozinho dentro de uma quadra vazia”, explica Mariana.
Apoio
Apesar do atraso cognitivo e da necessidade de terapias, Miguel apresenta um alto nível de independência em relação às pessoas autistas de níveis mais avançados.
Mariana explica que os seus maiores receios são o futuro e os direitos de seu filho.
“O direito à medicação, que eu gostaria muito que ele tomasse de uma forma livre, que ele faz uso do cannabis, e aí eu não consigo fazer com que ele tenha acesso a isso, que é uma coisa que a gente sofre também.”
Mariana faz parte de uma associação chamada Aliança Verde que tem como objetivo a extração de óleo de cannabis para pacientes que precisam da utilização, entre eles, pessoas com o espectro autista, Alzheimer, Parkinson, fibromialgia, etc.
“Nessa associação, quem pode pagar uma parcela ajuda quem não pode. O óleo é distribuído para todos os pacientes. Na Associação também tem uma neuropediatra e uma neurologista”.
Dentro da associação Aliança Verde, Mariana teve a oportunidade de encontrar apoio em outras mães atípicas.
“É uma associação de pacientes. E dentro dessa associação, conhecendo várias mulheres, a gente resolveu criar o grupo das mães canábicas.São as mães que lutam pelo direito dos filhos”
Limitações
A Lei nº 12.764/2012, também conhecida como Lei Berenice Piana, instituiu a Política Nacional de Proteção dos Direitos da Pessoa com Transtorno do Espectro Autista.
Essa legislação assegura o acesso de tratamentos contínuos, como terapias especializadas, para pessoas com o Transtorno do Espectro Autista(TEA).
No entanto, existem muitas operadoras de planos de saúde que limitam o número de sessões para os pacientes, alegando questões de contrato ou financeiras.
Em 2022, a Agência Nacional de Saúde Suplementar (ANS) incluiu a cobertura obrigatória para terapias utilizadas no tratamento do autismo, como ABA, fonoaudiologia, psicologia e terapia ocupacional, e proibiu a limitação das sessões de terapia por parte dos planos de saúde.
Mariana explica que a questão com os limites impostos pelo plano de saúde também fazia parte de sua realidade no tratamento do Miguel.
“Quando ele ficava esse período de carência do plano para mais terapias, para mais sessões de terapias, ele regrediu”
Hoje, Miguel possui um plano que o permite ter acesso a quantas sessões ele precisar. “ É entender que o autismo não tem cura, o meu filho não vai deixar de ser autista, ele não vai deixar de precisar fazer fono, ele não vai poder deixar de fazer psicologia, fisioterapia pra algumas coisas.”
Ser mãe
Receber o diagnóstico do espectro autista do filho é, para muitas mães, como pisar em solo desconhecido. Mariana descreve o momento como um mergulho em incertezas.
“É uma grande dificuldade você não saber o solo que você está pisando”.
Empatia
Na prática, as mães caminham sozinhas, “empateando ”, como diz Mariana, tentando encontrar o que funciona, lidando com regressões, avanços incertos e, acima de tudo, o despreparo da sociedade. Mariana relata situações do tipo:
“Meu filho é autista e eu posso passar na sua frente sim porque tenho prioridade”. Porém, a falta de conhecimento público sobre o espectro autista gera julgamentos cruéis: “mas ele parece normal” ou “não parece ter nada”.
Tudo recai ainda mais sobre a mãe quando ela percebe que mesmo pessoas próximas não entendem. “No final das contas, é seu.O filho é seu e vai ser pra sempre uma responsabilidade sua.”
Mariana reforça a sobrecarga da maternidade solo, especialmente diante de uma criança que possui necessidades específicas. Ainda assim, ser uma mãe atípica, apesar de ser um processo solitário e dolorido, também pode ser transformador.
Ela reconhece o luto que muitas mães enfrentam: os sonhos projetados, pelo filho idealizado. Mas defende que esse sentimento seja breve, para dar espaço à ação.
Supervisão de Luiz Claudio Ferreira