O vinho dos Papas: tradição, espiritualidade e o Semèle da Úmbria

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Na Itália, o vinho é mais do que uma bebida — é símbolo de comunhão, trabalho e fé. Essa conexão profunda entre espiritualidade e vinho ganhou um novo emblema nos últimos anos: o Semèle, um vinho doce da região da Úmbria, produzido com a uva Sagrantino pela vinícola Cesarini Sartori. Foi essa bebida que cruzou os céus em voos intercontinentais, sendo servida a dois Papas: Bento XVI e Francisco.

Mais do que uma escolha litúrgica ou protocolar, o Semèle representa a alma de uma terra que respira espiritualidade, onde o vinho sempre esteve presente nos ritos, nas mesas e até nas lendas imperiais.

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Foto: Divulgação

Francisco: o Papa que defende o vinho e seus produtores

“O vinho é um dom de Deus, que traz alegria ao coração do homem”, afirmou o Papa Francisco em 2024, durante um encontro no Vaticano com produtores italianos, promovido pela VeronaFiere e Vinitaly. Com raízes em Portacomaro, no Piemonte — terra de vinhedos —, Francisco sempre demonstrou proximidade com o mundo rural.

Na ocasião, ele destacou a presença do vinho nas Escrituras, nas parábolas de Jesus e na liturgia cristã desde os tempos mais remotos. Reforçou também a importância da agricultura como gesto de cuidado com a criação: “A terra, a videira, os processos de cultivo e fermentação exigem constância, atenção e paciência”, disse, ecoando a Carta de São Tiago, que compara o agricultor paciente ao fiel perseverante.

Francisco defendeu o vinho como símbolo de partilha e equilíbrio, contrapondo a visão reducionista que o associa apenas aos riscos do álcool. “Não há festa sem vinho”, disse, relembrando o milagre de Caná e promovendo um consumo moderado, inspirado nas palavras de São Paulo.

Sagrantino: o vinho sagrado da Úmbria

Entre os grandes vinhos da Itália, o Sagrantino di Montefalco ocupa um lugar de destaque não apenas por sua potência e complexidade, mas por seu elo com a fé cristã e a história da região.

Originária da Úmbria, a uva Sagrantino é considerada autóctone, embora teorias apontem que possa ter vindo da Grécia com monges bizantinos, ou do Oriente com os frades franciscanos. Sabe-se que, desde a Idade Média, era cultivada em conventos, vinificada para celebrações religiosas. Seu próprio nome carrega esse vínculo: “Sagrantino” remete ao sagrado, ao vinho de sacristia, da missa, da comunhão.

A primeira menção documental à uva data de 1549, quando o vinho já figurava em banquetes aristocráticos em Montefalco — cidade que se tornaria sinônimo da bebida. Inicialmente produzido apenas na versão passita, com uvas desidratadas, ganhou também uma versão seca no século XX, conquistando a certificação DOC em 1979 e, mais tarde, a DOCG em 1992.

Semèle: o Sagrantino que emocionou Bento XVI e encantou Francisco

Produzido nas colinas de Bastardo (Perugia, Úmbria), o Semèle representa a releitura contemporânea do Sagrantino passito. Feito com uvas colhidas manualmente e desidratadas lentamente, é um vinho intenso, concentrado, com notas de frutas secas, figos, ervas e mel — ideal para meditação e contemplação.

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Foto: Divulgação

Em 2011, durante uma viagem apostólica ao Benin, foi esse vinho que foi servido ao Papa Bento XVI na classe Magnifica da Alitalia. Segundo relatos, ele se emocionou ao prová-lo, recordando sua primeira missa celebrada em Assis. Em sinal de gratidão, enviou à vinícola um rosário e uma medalha de ouro.

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Foto: Cedida pela vinícola Cesarini Sartori

Desde então, o Semèle passou a fazer parte dos voos papais, sendo também servido ao Papa Francisco em diferentes ocasiões. Tornou-se um símbolo de continuidade, fé e valorização das raízes italianas.

O vinho como elo entre fé, cultura e território

Ao reconhecer o vinho como expressão da alegria e dom de Deus, o Papa Francisco também exalta os viticultores como guardiões de um delicado equilíbrio entre o homem e a natureza. O Sagrantino — e, em especial, o Semèle — carrega esse legado em cada garrafa: é vinho de celebração, de memória e de resistência cultural.

Em tempos de transformações no consumo, os vinhos que preservam histórias, tradições e um forte vínculo com seu território — como acontece na Úmbria — ganham ainda mais valor. Onde fé e cultivo caminham juntos, o vinho se torna mais do que bebida: torna-se herança viva.

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