LUCAS LACERDA
SÃO PAULO, SP (FOLHAPRESS)
De 1,3 milhão de quilombolas vivendo no Brasil, 6 de cada 10 integrantes desse grupo tradicional residem em áreas rurais e têm piores taxas de acesso a serviços e educação na comparação com quem vive em áreas urbanas.
Apesar da maior participação rural, com 820.906 habitantes, o fato de 509.280 (38% do total) dos quilombolas brasileiros residirem em áreas urbanas pode indicar transformações no modo de vida e refletir o avanço de franjas urbanas sobre suas comunidades. Quem desse grupo vive nas cidades também enfrenta taxas piores do que o total de residentes em relação, por exemplo, a abastecimento de água, cuja condição precária atinge quase quatro vezes mais moradores quilombolas do que o total da população residente.
É o que mostram dados do Censo Demográfico 2022 publicados nesta sexta-feira pelo IBGE (Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística), que detalham características da população e dos domicílios de acordo com a situação urbana ou rural do domicílio.
Dados gerais já haviam demonstrado, por exemplo, proporções maiores de quilombolas analfabetos, sem acesso a banheiro exclusivo em casa e com problemas de saneamento básico. O analfabetismo, segundo o IBGE, é definido na pesquisa quando uma pessoa de 15 anos ou mais de idade não sabe ler e escrever ao menos um bilhete simples no idioma que conhece.
Agora, é possível observar, por exemplo, que se as proporções gerais de analfabetos no total de habitantes do país e no total de quilombolas chegam respectivamente a 7% e 19%, essa taxa sobe para 22% entre habitantes desse grupo tradicional comunidades em área rural. A população total residente, por sua vez, tem taxas de 18,16% em área rural. Ainda nesse recorte de domicílios em situação rural, há um recuo do problema entre quem está em territórios reconhecidos (20,2%) e um avanço do problema para pessoas fora dessas áreas (23,2%).
Já no recorte de população quilombola em áreas urbanas, o problema de analfabetismo, que chega a 13,3% da população, atinge 16,5% entre os que vivem em territórios reconhecidos e 13,2% entre quem está fora deles.
A proporção de quilombolas sem abastecimento adequado de água, que chega encanada até as residências por rede, poço, fonte, nascente ou mina, é de 43,5% em ambiente rural. Considerando a população em ambiente urbano, esse modo não encanado, considerado precário, atinge 9,2% dos quilombolas, quase quatro vezes a taxa para a população residente total no Brasil, de 2,7%.
O serviço de esgotamento sanitário inadequado, por fossa rudimentar, buraco, vala, rio, córrego, mar ou outra forma, que inclui a falta de banheiro ou sanitário, atinge 83,4% da população quilombola rural, ante 75,4% da população residente em ambiente rural. A proporção é maior entre quilombolas fora dos territórios reconhecidos, chegando a 84,3%. Nas áreas urbanas, o problema também atinge mais quilombolas (49,8%) do que a população residente (17%).
Segundo técnicos do IBGE, o levantamento que agora identifica as populações rurais e urbanas ilustra, pela primeira vez, uma população histórica e majoritariamente rural, mas que já vê grande presença (38%) nas cidades.
“Os quilombolas, quando nós iniciamos o Censo, eles já sinalizavam para a gente que, por diversos motivos, eles precisavam estar em contexto urbano”, afirmou o gerente de Territórios Tradicionais e Áreas Protegidas do IBGE, Fernando Damasco, durante a apresentação dos dados. “Ou eles foram submetidos ao contexto urbano porque a cidade acabou engolindo as suas comunidades. Então, era uma perspectiva nossa de que haveria, sim, uma distribuição urbana e rural dessa população totalmente diferente da população brasileira, mas nós não sabíamos a dimensão dessa distribuição.” Dessa forma, a priorização de políticas públicas, segundo Damasco, precisa considerar essas diferenças.
No recorte por regiões, o Centro-Oeste é a única porção do país com mais população quilombola em situação urbana (68%). Na outra ponta está o Nordeste, região que concentra a maior parte de quilombolas no país, com 65% residindo em situação rural.
Entre as unidades da federação, o Distrito Federal tem a maior proporção de quilombolas vivendo em situação urbana (95%), com 296 pessoas, e apenas nove no campo. Na outra ponta está o Piauí, com 88% no campo (27.930 habitantes).
O recorte de situação dos domicílios também mostra diferenças na razão de sexo, calculada pela quantidade de homens para cada 100 mulheres. Enquanto a população geral de quilombolas em 2022 no país indicava razão de sexo de 100,8 no total, esse índice cai a 92,6 no caso da população urbana. Já na população rural, sobe para 105,02. As maiores razões estão entre as populações dentro dos territórios, tanto no meio urbano (97,2) quanto no rural (107,21). Na população total residente, o indicador é de 94,25, sendo 91,97 em situação urbana e 111,65 entre população rural.
No campo, a população quilombola é mais jovem. Já na situação urbana, é mais envelhecida e tem maior peso com a presença de mulheres na faixa de 20 a 79 anos.
O levantamento reforça a hipótese, segundo os técnicos, de uma migração do meio rural para o urbano em busca de melhores condições de trabalho. Esse ponto ocorre entre homens, mas numa faixa mais restrita, entre 35 e 54 anos.