Aos 39 anos, a paciente Rúbia Brasil descobriu ser portadora da doença de Von Willebrand, uma condição genética que afeta a coagulação do sangue. O diagnóstico, recebido apenas em janeiro deste ano, trouxe alívio e explicações para sintomas que a acompanharam desde a adolescência. “Eu sangrava muito, vazava sangue na minha roupa, eu passava muita vergonha; chegava a ficar três meses menstruada”, relatou. Na época, foi erroneamente diagnosticada com fluxo menstrual intenso e iniciou o uso de anticoncepcionais aos 12 anos para conter os sintomas.
Além das menstruações prolongadas, Rúbia também enfrentou sangramentos nasais frequentes e dificuldades de cicatrização após procedimentos odontológicos. A confirmação da coagulopatia veio após uma cirurgia para retirada do útero e dos ovários, realizada como parte do tratamento contra o câncer. “Chorei no dia do diagnóstico, mas depois chorei de emoção. Com quase 40 anos, descobri por que eu sangro tanto. Hoje tomo um remédio ou um fator [de coagulação] e minha vida mudou completamente”, afirmou.
Rúbia compartilhou sua história durante reunião pública realizada na Câmara Legislativa do Distrito Federal, nesta quinta-feira (8), voltada à conscientização sobre coagulopatias. A iniciativa, promovida pela deputada Dayse Amarilio (PSB), marcou o “Dia Mundial da Hemofilia” com o tema “Conscientizar para transformar”.
Durante o evento, especialistas e pacientes ressaltaram os desafios no diagnóstico e no tratamento dessas condições. A diretora de ambulatórios do Hemocentro de Brasília, Melina Swain, destacou que a doença de Von Willebrand é mais comum que a hemofilia, mas menos diagnosticada. “É mais frequente em mulheres, por conta da menstruação. Muitas enfrentam anemia crônica, necessitando de ferro intravenoso, transfusões e convivem com sintomas como apatia”, explicou.
A deputada Dayse Amarilio defendeu a criação de um mês oficial de conscientização sobre as coagulopatias. “O conhecimento é libertador. Quantas pessoas estão vivendo com essa condição e não sabem?”, questionou.
Também presente à reunião, Joana Brauer, mãe de dois meninos com hemofilia, relatou dificuldades no diagnóstico do filho mais velho, devido à ausência de histórico familiar. “Tinha bastante hematoma e nem a pediatra conseguiu identificar. Isso mostra como é urgente ampliar a informação entre as famílias e profissionais de saúde”, afirmou. Segundo ela, cerca de 30% dos casos de hemofilia resultam de mutações genéticas espontâneas.
Apesar de ter acesso facilitado a serviços de saúde, Joana reconhece as desigualdades no sistema. “O acesso ao diagnóstico e ao tratamento no Brasil ainda é muito desigual. Medicamento é um direito, não um favor”, defendeu. O Hemocentro de Brasília atualmente atende cerca de 900 pacientes com coagulopatias e oferece entrega domiciliar de medicamentos. A doação de sangue é fundamental para manter esse serviço.
O paciente Ramiro de Souza, diagnosticado com hemofilia aos dois meses de idade, também compartilhou sua trajetória. Nascido em 1986, ele passou 15 anos sem tratamento adequado, o que resultou em sequelas nas articulações. “A profilaxia e a evolução da medicação desde os anos 1980 me permitiram recuperar parte do que perdi. Hoje, crianças com coagulopatias podem levar uma vida praticamente normal”, afirmou.
A reunião pública reforçou a importância do diagnóstico precoce, do acesso igualitário ao tratamento e da continuidade de políticas públicas para pessoas com doenças raras que afetam a coagulação. A proposta de um mês dedicado à conscientização pode ser o próximo passo nessa direção.