JOÃO GABRIEL
BRASÍLIA, DF (FOLHAPRESS)
A ala do governo Lula (PT) comandada pela ministra do Meio Ambiente, Marina Silva, caminha para sofrer uma nova derrota no Congresso Nacional. Desta vez, no projeto do licenciamento ambiental.
O projeto, que flexibiliza e altera uma série de normas, voltou à pauta no Senado após intervenção de seu presidente, Davi Alcolumbre (União Brasil-AP), que determinou que o texto avance, alinhado com o desejo da bancada ruralista.
A proposta é uma das principais daquilo que foi batizado por críticos de “pacote da destruição”.
Quatro pessoas envolvidas nas negociações afirmam, sob reserva, que a movimentação é uma forma de Alcolumbre pressionar Marina, em razão da não liberação da exploração de petróleo na Foz do Amazonas.
Enquanto essa articulação acontecia nos últimos meses, a Casa Civil se omitiu, segundo essas pessoas. A pasta concentrava as negociações por parte do governo.
Esse projeto não afetaria o licenciamento de Foz, mas as propostas servem como mais uma forma de pressão política para que a Petrobras seja autorizada a explorar petróleo no local -empreendimento defendido inclusive por Lula.
Procurado, o Ministério do Meio Ambiente afirma que “apresentou formalmente suas preocupações em relação à proposta [] em todas as oportunidades cabíveis”, inclusive reuniões técnicas e em uma audiência pública com a ministra Marina Silva em maio de 2023.
“A pasta conduz diálogos no governo em busca de alinhamento com os demais ministérios envolvidos”, completou.
A Folha de S.Paulo questionou Alcolumbre e a Casa Civil sobre o assunto, mas não houve resposta.
A expectativa é de que o projeto seja votado nas comissões na semana do dia 21. Após passar pelo plenário do Senado, deve voltar para a Câmara, onde a bancada ruralista já articula para uma aprovação rapidamente.
“Se aprovada uma lei com um conteúdo próximo ao texto da Câmara, será uma derrota histórica para a política ambiental e para o país. O maior retrocesso no nosso direito ambiental nas últimas quatro décadas. A implosão do licenciamento ambiental no Brasil”, afirma Suely Araújo, ex-presidente do Ibama (Instituto Brasileiro dos Recursos Naturais Renováveis) e coordenadora de políticas públicas do Observatório do Clima.
Assim, o Congresso aplicaria mais uma derrota a Marina, que desde o início de sua atual gestão viu os parlamentares desidratarem sua pasta, aprovarem a flexibilização da proteção da Mata Atlântica, o marco temporal e a lei que libera agrotóxicos -todos sem grande resistência do governo Lula.
O projeto do licenciamento ambiental institui uma série de dispositivos que simplificam e aceleram os processos.
Defensores dizem que estas mudanças desburocratizam e dão segurança jurídica à tramitação. Críticos afirmam que afrouxam a proteção ao meio ambiente.
Dentre os principais pontos estão: a LAC (Licença por Adesão e Compromisso), uma permissão emitida por autodeclaração do empreendedor, a ampliação o rol de atividades com dispensa de autorização e a renovação automática de licenciamentos.
Como mostrou a Folha de S.Paulo, 80 mil análises ambientais podem ser afetadas.
Em 2022, Caetano Veloso chegou a liderar uma manifestação em Brasília contra as propostas do “Pacote da Destruição”, conjunto de flexibilizações nas leis ambientais.
Mas o pacote avançou, assim como outras propostas correlatas, apelidadas de “boiadinhas”.
O projeto do licenciamento ambiental estava travado no Senado desde que chegou da Câmara em 2020 por causa de divergências e da enorme resistência de ambientalistas contra o texto.
Desde 2023, o projeto passou a ter dois relatores: Tereza Cristina (PP-MS), que defende o ponto de vista agronegócio, na Comissão de Agricultura, e Confúcio Moura (MDB-RO), que até aqui vinha atuando alinhado aos interesses ambientalistas e das pasta do Meio Ambiente.
No final daquele ano, Confúcio chegou a apresentar um relatório que, segundo aliados de Marina, estava razoável.
Cristina, porém, defendia o texto da forma como vinha da Câmara, e, como mostrou a Folha de S.Paulo, a senadora pretendia incluir a mineração dentro do projeto.
No total, os dois relatores somavam cerca de 80 divergências acerca do conteúdo da proposta.
Mesmo dentro do governo há divergências. A ala de Marina defendia uma proposta alinhada a de Confúcio, enquanto o ministro da Casa Civil, Rui Costa, acreditava em uma maior flexibilização.
Diante das disputas, foi criado um grupo no Planalto para liderar as tratativas com o Congresso, mas o Executivo jamais se posicionou publicamente e de forma clara sobre o projeto.
Essa combinação travou a tramitação do texto, até a ação de Alcolumbre.
O presidente do Senado se reuniu com os relatores e, segundo três envolvidos nas negociações, chegou a dizer que, caso não houvesse consenso entre Tereza Cristina e Confúcio Moura, ele levaria a proposta direto ao plenário da Casa.
Daí, sem resistência do governo Lula, os dois relatores construíram um acordo, mais próximo aos interesses do agronegócio.
O texto foi apresentado nesta quarta-feira (7), e cria de forma geral três tramitações para o processo licenciador, do menos ao mais complexo, de acordo com o potencial poluidor do empreendimento.
Com relação à versão anterior de Confúcio, que restringia as simplificações a empreendimentos de baixo impacto ambiental, a redação foi flexibilizada para também abarcar casos médios. Diversas exigências para esses processos foram reduzidas.
Mecanismos garantidores de participação de comunidades afetadas e até de obstrução, por exemplo, foram enxugados. O poder do Conama (Conselho Nacional do Meio Ambiente) foi reduzido, e uma série de regulações foi repassada para órgãos estaduais e municipais.
Em relação ao texto original da Câmara, foram incluídos prazos mais claros e as isenções diminuíram. A mineração não entrou.
Como o texto volta aos deputados, eles podem desfazer as mudanças do Senado.
“O MMA ainda avalia o relatório apresentado ma tarde desta quarta-feira. Em análise preliminar, é possível afirmar que o texto mantém vários problemas trazidos pelo projeto aprovado na Câmara dos Deputados na legislatura anterior”, diz o ministério, em nota.
Dois aliados de Marina afirmam, sob reserva, que ela ficou abandonada pelo Planalto em sua posição contrária à proposta.
O projeto poderia ter sido votado já nesta quarta, mas o líder do governo no Senado, Jaques Wagner (PT-BA), conseguiu adiar a apreciação.
A estratégia agora vai ser tentar reduzir danos, diz um interlocutor da base lulista. Outro negociador, este favorável à proposta, diz que o tema vai avançar porque o governo parou de atrapalhar, nas suas palavras.