GIOVANA KEBIAN E CLAUDINEI QUEIROZ
SÃO PAULO, SP (FOLHAPRESS)
Um total de 4.344 imóveis será demolido no Jardim Pantanal, na zona leste de São Paulo, no projeto de recuperação da área. Numa primeira fase, será instalado um muro de gabião, um tipo de muro de arrimo feito de malha de aço preenchida por pedras, que visa a impedir novas reocupações das áreas invadidas e ajudar na contenção das águas durante enchentes.
O anúncio foi feito pelo prefeito Ricardo Nunes (MDB) nesta quarta-feira (7), após reunião com o governador Tarcísio de Freitas (Republicanos), representantes da Sabesp (empresa de saneamento), do governo e da prefeitura.
De acordo com a prefeitura, o objetivo da obra é delimitar a área para impedir a ocupação indevida.
“Não permitiremos mais, em hipótese alguma, a ampliação das ocupações, senão daqui a pouco vai chegar lá em Guarulhos”, afirmou Nunes.
Associações de moradores do Jardim Pantanal e de regiões próximas dizem que não foram avisados da remoção pela prefeitura.
“A nossa situação é de desespero porque é uma coação muito grande por um direito que é nosso. A gente não tem direito de morar”, afirma a manicure Maria Zélia Souza Andrade, moradora da Chácara Três Meninos, bairro que poderá ser afetado com as remoções.
“Foi uma medida muito cruel porque lutamos o tempo todo, pedimos a ele [Nunes] para pensar em soluções junto. E nada disso foi feito em conjunto com as lideranças”, afirma a autônoma Vanessa Moreira, 43, integrante da Associação Amigos do Jardim Pantanal.
O Movimento de Combate às Enchentes do local diz que vai tentar diálogo com governo e prefeitura.
“Esse número de 4.000 casas é um absurdo e assusta. Eu acredito que tem risco, mas o problema maior é a falta de diálogo e de planejamento”, disse o servidor público Euclides Mendes, 54, que faz parte do movimento.
Em nota à Folha de S.Paulo, a prefeitura afirmou que a Secretaria Municipal de Habitação garantirá que as famílias impactadas pelas intervenções na região receberam toda a assistência necessária, “com a garantia de atendimento habitacional, podendo optar entre a realocação em uma nova unidade ou a indenização, conforme avaliação do imóvel”.
A obra para colocação do gabião, que terá um metro de altura, tomará uma área de 4,2 quilômetros e está prevista para acontecer na primeira fase do projeto. O orçamento total previsto é de R$ 700 milhões.
Segundo a prefeitura, essa primeira fase começa em julho deste ano e vai até outubro de 2026, quando serão removidos mil imóveis. Na segunda fase, outros mil imóveis serão retirados entre novembro de 2026 até junho de 2028. A última etapa, que abrange 2.344 casas, tem início em julho de 2028 e está prevista para terminar em dezembro de 2029.
Após a remoção das famílias da região, a Sabesp fará um diagnóstico dos impactos causados pelo sistema de drenagem sobre a rede de esgoto operada pela companhia.
Especialistas ouvidos pela reportagem afirmam que esse muro de gabião, que não serve para parar inundações, também não deve ser suficiente para evitar novas ocupações irregulares.
“Se não houver fiscalização, as pessoas irão abrir passagem. Basta cortar os arames e as pedras estão soltas. A não ser que usem concreto para preencher a porosidade do gabião”, afirma Fernando Dornelles, professor da UFRGS (Universidade Federal do Rio Grande do Sul).
“Como não tem nenhum projeto de macro e microdrenagem, somente informações sobre atendimentos emergenciais e de zeladoria urbana feitas no passado, podemos dizer que não há nenhuma solução para as inundações e alagamentos na área”, completa o professor Anderson Kazuo Nakano, do Instituto das Cidades da Unifesp (Universidade Federal de São Paulo).
Segundo Nunes, uma inspetoria da Polícia Municipal Ambiental também será instalada no local para impedir o descarte de material inadequado que pode obstruir o rio Tietê. O rio corta bairros historicamente afetados por enchentes, como os do Jardim Pantanal, que ocupa sua várzea há mais de 40 anos.
Quando o curso d’água transborda, atinge diretamente as ruas, por isso a áea é tradicionalmente afetado por enchentes. Em 2010, o Jardim Pantanal ficou alagado por mais de 40 dias. Em janeiro deste ano, moradores e comerciantes voltaram a sofrer com transtornos. Quarteirões viraram rio, deixando veículos quase submersos e móveis espalhados no meio do aguaceiro.
Na época das inundações mais recentes, Nunes já havia afirmado que incentivaria que moradores do Jardim Pantanal deixassem o local.
“Toda vez que chover, vai acontecer isso. […] É praticamente impossível você querer ir contra a força da natureza”, disse na ocasião. O prefeito também afirmou até haver um pré-estudo para fazer um dique na área, mas que custaria quase R$ 1 bilhão. Por isso, “não dá para fazer”.
Em fevereiro passado, a gestão Nunes disse que estudava três opções para solucionar a questão dos alagamentos. Uma delas era de macrodrenagem, com a construção de um dique, sete reservatórios, um parque e um canal de 5,5 km para desviar a água da chuva.
Junto com a remoção de 484 famílias, o conjunto de medidas custaria R$ 1,02 bilhão -próximo, assim, ao custo de R$ 1 bilhão citado por Nunes.
A segunda opção contemplaria a construção de um canal, a abertura de lagoas de acumulação de águas, a reversão do fluxo do Tietê e desapropriações. A alternativa era chamada de “ações intermunicipais integradas para o controle de inundações Cidade-Esponja Pantanal” e seria dividida com a cidade de Guarulhos. O investimento previsto era de R$ 1 bilhão, e nenhuma família precisaria ser removida.
Já a remoção e desapropriação de imóveis no local custaria até R$ 1,92 bilhão.