JÚLIA GALVÃO E GABRIELA CECCHIN
SÃO PAULO, SP (FOLHAPRESS)
Ao serem acionados pela CGU (Controladoria-Geral da União) no ano passado, 25 sindicatos e associações com ACTs (Acordos de Cooperação Técnica) firmados com o INSS enviaram documentações incompletas ou não apresentaram os comprovantes que justificassem descontos diretamente no pagamento dos beneficiários.
Em relatório publicado nesta terça-feira (6), o órgão indicou que solicitou, em julho de 2024, a 29 sindicatos e associações a apresentação dos comprovantes, mas somente quatro deles enviaram a documentação completa.
Em notas, as associações com documentação incompleta afirmaram que sempre prestaram os esclarecimentos e forneceram os documentos solicitados quando requisitados. Algumas entidades também argumentaram que certos documentos exigidos pela auditoria, como o RG e CPF do associado, só se tornaram obrigatórios após a publicação da instrução normativa 110, que introduziu novas exigências legais aos descontos.
Das 29 entidades analisadas, oito não enviaram qualquer documentação à CGU (ABSP/Aapen, Abapen, ABCB, Abenprev, Master Prev, Unaspub, Unibap e Unsbras/UnaBrasil).
Segundo o relatório, quatro delas -ABSP/Aapen, ABCB, Abenprev e Unibap- também se recusaram formalmente a entregar os documentos solicitados. O argumento apresentado foi que, conforme os ACTs, a relação estabelecida para os descontos é apenas entre as entidades e o INSS, não cabendo à CGU exigir documentos ou fiscalizar acordos privados.
Segundo a CGU, no entanto, a legislação garante aos agentes de controle interno livre acesso a processos, documentos e informações relacionados à aplicação de recursos, mesmo quando envolvidos entes privados.
Durante a auditoria, a CGU solicitou às entidades documentos referentes a uma amostra de 952 beneficiários que tiveram descontos. Entre os documentos requisitados estavam a ficha de filiação, o termo de autorização para o desconto e um documento oficial de identificação.
Entre os 952 beneficiários com descontos analisados pela CGU, apenas 275 casos (28,9%) tiveram a documentação apresentada de forma completa. Destes, 115 estavam respaldados por assinatura digital.
Em 304 casos (31,9%), as entidades chegaram a enviar documentos, mas com algum tipo de irregularidade ou sem todos os documentos necessários. Já em 373 situações (39,2%), não foi apresentada qualquer documentação que comprovasse a autorização do desconto nos benefícios.
VEJA AS ASSOCIAÇÕES QUE ENVIARAM DOCUMENTOS INCOMPLETOS OU QUE NÃO ENVIARAM A DOCUMENTAÇÃO
Entidade – Documentação solicitada – Documentação enviada completa – Documentação enviada incompleta – Documentação não enviada
AAPB – 40 – 28 (70%) – 5 (13%) – 7 (18%)
ABSP/Aapen – 100 – Nenhuma – Nenhuma – 100 (100%)
AAPPS Universo – 10 – 9 (90%) – 1 (10%) – Nenhuma
Abapen – 20 – Nenhuma – Nenhuma – 20 (100%)
ABCB – 40 – Nenhuma – Nenhuma – 40 (100%)
Abenprev – 30 – Nenhuma – Nenhuma – 30 (100%)
Ambec – 64 – 30 (47%) – 32 (50%) – 2 (3%)
AP Brasil – 20 – 10 (50%) – 7 (35%) – 3 (15%)
Caap – 88 – Nenhuma – 88 (100%) – Nenhuma
CBPA – 30 – Nenhuma – 12 (40%) – 18 (60%)
Cebap – 41 – 28 (68%) – 13 (32%) – Nenhuma
Cobap – 27 – 25 (93%) – 2 (7%) – Nenhuma
Conafer – 50 – Nenhuma – 42 (84%) – 8 (16%)
Contag – 29 – 20 (69%) – 6 (21%) – 3 (10%)
Contraf-Brasil – 31 – 21 (68%) – 10 (32%) – Nenhuma
FITF/CNTT/CUT – 27 – 6 (22%) – 21 (78%) – Nenhuma
Master Prev – 38 – Nenhuma – Nenhuma – 38 (100%)
Riaam Brasil – 24 – 20 (83%) – 4 (17%) – Nenhuma
Sinab – 19 – 8 (42%) – 11 (58%) – Nenhuma
Sindnapi – 19 – Nenhuma – 19 (100%) – Nenhuma
Sintapi – 21 – 1 (5%) – 20 (95%) – Nenhuma
Sintraapi – 14 – 3 (21%) – 11 (79%) – Nenhuma
Unaspub – 25 – Nenhuma – Nenhuma – 25 (100%)
Unibap – 30 – Nenhuma – Nenhuma – 30 (100%)
Unsbras/Unabrasil – 49 – Nenhuma – Nenhuma – 49 (100%)
Ao todo, quatro associações enviaram os documentos de forma completa, são elas: ABRAPPS, Apdap Prev, Asbrapi e Sindiapi.
Segundo a CGU, no escopo da auditoria, não foi realizada a validação da autenticidade dos documentos apresentados pelas entidades.
Também não houve verificação quanto à integridade das assinaturas eletrônicas utilizadas, ou seja, não se avaliou se os meios eletrônicos garantiam a segurança e a veracidade das informações enviadas.
“É necessário que a fidedignidade dessa documentação seja avaliada e validada pelo INSS, assim como que sejam avaliadas informações disponíveis à autarquia relacionadas a eventuais reclamações ou denúncias direcionadas a essas entidades”, informa o órgão.
Na auditoria, a CGU diz que algumas entidades manifestaram que não localizaram a documentação de beneficiários que compuseram a amostra, razão pela qual informaram que houve o cancelamento dessas filiações.
Em setembro de 2024, o valor total descontado dos benefícios de aposentados e pensionistas para pagamento de mensalidades associativas chegou a R$ 229,46 milhões, apenas considerando as 29 entidades citadas no relatório. Esses dados foram extraídos da folha de pagamento do INSS e atualizados em 11 de dezembro de 2024.
O QUE DIZEM AS ASSOCIAÇÕES?
A reportagem procurou todas as entidades que tinham documentação incompleta ou que não enviaram dados sobre desconto citadas na tabela, mas não obteve resposta das seguintes associações: ABSP/Aapen, AAPPS Universo, Abapen, ABCB, Caap, CBPA, Cobap, Conafer, FITF/CNTT/CUT, Master Prev, Sinab, Sintapi, Sintraapi e Unaspub.
A Ambec, a Unabrasil e a Cebap, por meio de seus advogados Daniel Bialski e Bruno Borragine, dizem que não praticam atividade ostensiva de captação, prospecção e afiliação de associados, e que tais atividades são praticadas por empresas privadas diversas, “de forma que, se qualquer fraude ocorreu, a associação é tão vítima quanto seus associados”.
“A associação vê com surpresa a deflagração da operação Sem Desconto pela Polícia Federal, já que os mesmos fatos são, há mais de um ano, investigados e esclarecidos no âmbito de investigação da Polícia Civil do Estado de São Paulo, e a associação, desde 2022 e de forma espontânea, colabora irrestritamente com a autoridade policial, Ministério Público e Poder Judiciário”, afirmam as entidades.
Em nota, o Sindnapi diz que “rechaça o relatório divulgado na terça-feira pela CCGU indicando de forma equivocada que as 19 fichas de associados do nosso sindicato estão incompletas”. Segundo o sindicato, todas as exigências solicitadas pela CGU foram cumpridas e as 19 fichas possuem assinatura digital.
“Esses associados foram escolhidos pela própria CGU e coube ao Sindnapi apenas encaminhar as fichas. Diante disso e buscando a verdade, o departamento jurídico do sindicato está enviando ofício à CGU pedindo esclarecimentos sobre os dados divulgados no relatório que indica haver inconsistência na documentação encaminhada”.
O Sindnapi (Sindicato Nacional dos Aposentados, Pensionistas e Idosos da Força Sindical) tem como diretor vice-presidente José Ferreira da Silva, o Frei Chico, irmão do presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT).
A Unibap e a Abenprev afirmam que não deixaram de prestar esclarecimentos e juntar as documentações pertinentes quando requisitada pelo INSS ou pela CGU.
“O apontamento feito pela CGU sobre o não envio de documentação de associados diz respeito, exclusivamente, a uma questão de competência requisitória e proteção de dados: a associação informou para a CGU que enviaria tal documentação para o órgão competente”, acrescentaram as entidades.
Em nota, o Sitapi-CUT diz que, antes de dezembro de 2020, não havia a obrigatoriedade de anexar o RG e o CPF do associado à ficha de autorização de descontos. Segundo a entidade, a regra era cumprida apenas com a apresentação da ficha de autorização.
“A CGU solicitou 20 fichas do período anterior à IN 110/2020 (anos 2004 a 2014) e uma única ficha do período posterior à nova regra. Portanto, encaminhamos 100% à CGU, referente à documentação exigida pela regulamentação à época. Não se efetivou nenhuma normatização posterior que exigisse o complemento da documentação antiga”, adiciona a entidade.
Em nota, a AP Brasil informa que iniciou uma apuração interna para analisar cada um dos casos apontados, com o objetivo de sanar quaisquer pendências documentais.
“Estamos dedicados a garantir que todas as nossas operações estejam em plena consonância com as normativas vigentes e com as melhores práticas de gestão”, diz a associação, que também afirma que está trabalhando para fortalecer mecanismos internos e assegurando a correção e a legitimidade de todas as filiações.
A Riaam Brasil diz que reafirma seu compromisso com a transparência e a responsabilidade na gestão de suas atividades. “Em relação à análise documental mencionada, destacamos que, dos 24 beneficiários com documentação solicitada, 20 (83%) tiveram seus documentos enviados de forma completa, o que evidencia nosso empenho e cuidado contínuo na conferência e envio correto das informações. Desde sua fundação, a RIAAM tem como prioridade manter sua documentação em ordem, prezando pela conformidade com todas as exigências legais e administrativas”, afirma a associação.
A Contraf Brasil diz que “reitera seu permanente compromisso com a legalidade e a transparência em todos os seus processos institucionais”.
“Em relação ao desconto associativo, informamos que a Contraf Brasil adota protocolos rigorosos desde o momento da formalização da filiação do agricultor(a) até a homologação do desconto em folha.
Todas as autorizações de desconto estão em total conformidade com os dispositivos previstos no Acordo de Cooperação Técnica”, afirma.
Em uma mensagem automática, a AAPB (Associação de Aposentados e Pensionistas do Brasil) diz que suas atividades foram suspensas por medida cautelar determinada pela Justiça Federal.
“Adiantamos que a AAPB agirá de forma colaborativa com a investigação, sendo sua prioridade que os fatos sejam devidamente esclarecimentos, de modo a evidenciar que há anos atua de forma dedicada, abnegada e comprometida em prol de seus associados.”
A Contag diz que, em julho de 2024, recebeu pedido da CGU para comprovar os descontos de mensalidades de 30 CPFs de associados.
Desse total, a entidade diz que foram enviados os comprovantes de 26 pessoas, sendo que uma delas já havia falecido e o desconto já havia sido descontinuado a partir da data do falecimento.
“Os outros três não foram localizados na base de dados e nem mesmo na relação dos associados a qualquer sindicato e à confederação, o que caracteriza que eles nunca tiveram nenhum desconto feito pela Contag. A entidade solicitou à CGU novos dados relacionados aos CPFs não encontrados para que outra busca pudesse ser feita, mas não obteve retorno do pedido”, acrescenta.