Adolescência e paternidade saudável: presença, limites e a herança invisível dos afetos

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Damos continuidade à série de quatro colunas que analisa a série Adolescência, escrita pelas professoras Heloisa de Vivo, Ângela Anastácio, e pelo professor Vitor Barros, da Unieuro. Este é o terceiro texto da sequência.

Na trama, Eddie — pai de Jamie — é, à primeira vista, um homem presente. Trabalha, participa da vida familiar e demonstra carinho. Mas, à medida que os episódios avançam, surge uma pergunta incômoda: o quanto ele realmente conhece o próprio filho? E mais — está emocionalmente disponível para reconhecer a dor que Jamie carrega, mesmo quando ela se esconde atrás de um “tá tudo bem”?

Esse dilema não pertence apenas à ficção. Muitos pais amam profundamente seus filhos, mas cresceram aprendendo a demonstrar afeto de forma contida, prática, quase silenciosa. No universo masculino tradicional, falar de sentimentos, admitir fragilidades e criar intimidade emocional ainda é visto, muitas vezes, como sinal de fraqueza.

No entanto, uma paternidade saudável exige mais do que presença física. Exige escuta ativa, envolvimento afetivo e disposição para se reeducar enquanto educa.

Eddie, como revela em conversa com a esposa, foi criado em um ambiente familiar violento. Decide, então, ser diferente do pai. E é — em partes. A série mostra que não basta romper com os traumas: é preciso aprender o que pode ser melhor.

Paternidade saudável não é só ausência de violência. É construção ativa de vínculos seguros, com limites consistentes, escuta verdadeira e disponibilidade emocional. Homens que não foram ensinados a amar com presença tendem a acreditar que proteger ou prover é suficiente. Mas filhos e filhas aprendem, sobretudo, com o que vivenciam.

Jamie passa horas trancado no quarto. Não por querer se afastar da família, mas por não saber como se aproximar. Os pais interpretam isso como algo “típico da adolescência”. Contudo, como alerta o psicólogo Fabiano Agrela nas reportagens analisadas, esse isolamento pode ser um pedido de socorro silencioso.

Em muitos lares, a porta fechada do quarto simboliza uma relação interrompida. E os pais, por medo de invadir ou por falta de repertório emocional, preferem respeitar a “privacidade” — sem perceber que, às vezes, essa porta é um pedido inconsciente de ajuda.

O pacto da masculinidade: entre pais e filhos homens

Criar meninos traz um desafio particular: romper com o pacto da masculinidade tóxica. Homens que cresceram sob rigidez emocional tendem a reproduzir esse padrão com os filhos, mesmo que de maneira sutil — exigindo desempenho, evitando conversas sobre sentimentos, usando o humor como defesa ou corrigindo com ironia.

Mas a virada acontece quando o pai se permite ser exemplo de humanidade. Como revela Carlos, pai de uma adolescente, a mudança começa quando o homem admite seus limites, fala sobre o que sente e se revê constantemente. É esse modelo que os meninos precisam para crescer com empatia, ética e vínculo real.

A masculinidade tradicional associa paternidade à autoridade. Já a Psicologia nos mostra que o desenvolvimento saudável depende de relações pautadas no cuidado. Pais que acompanham o universo digital dos filhos, falam sobre frustrações e estabelecem limites com empatia constroem algo maior que segurança: formam pessoas capazes de amar.

Uma paternidade saudável:

  • Não evita conversas difíceis;

  • Não delega às mães ou à escola a tarefa de educar emocionalmente os filhos;

  • Não teme o afeto, o choro, a dúvida;

  • Aprende a pedir desculpas e a dizer “não” com firmeza e afeto.

Direcionamentos possíveis

1. Paternidade como função ativa
Participar das decisões, estar presente nas conversas, acompanhar a rotina, a escola, os amigos, os medos e descobertas dos filhos.

2. Mediação digital ativa e respeitosa
Conhecer os conteúdos acessados pelos filhos, conversar sobre redes sociais e estabelecer regras coletivas para o uso consciente.

3. Educação emocional em casa
Criar momentos semanais para conversar sobre sentimentos, sem julgamentos. Mostrar que sentir é parte da vida — e que falar sobre isso é seguro.

4. Grupos de apoio à paternidade
Participar de rodas de conversa com outros homens, trocando experiências, dúvidas e conquistas na jornada paterna.

5. Cuidado com a saúde mental do pai
Pais também sofrem, adoecem e precisam de apoio. Cuidar de si é parte do cuidado com os filhos.

Jamie poderia ter sido ouvido antes. Poderia ter aprendido a nomear o que sentia. A tragédia revelada em Adolescência mostra que amar um filho não basta: é preciso demonstrar esse amor de forma ativa, ética e consistente.

Paternidade saudável não se mede pela ausência de erros, mas pela disposição em escutar, revisar e estar presente. No fim, o que os filhos mais se lembram não são as broncas nem os presentes — mas de quem esteve lá, de verdade, quando tudo parecia confuso.

Se a régua com que medimos o que é ser homem for a paternidade que exercemos, talvez possamos formar uma geração de meninos menos perdidos — e de meninas mais protegidas.

Até a próxima.

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