ANDRÉ BORGES
BRASÍLIA, DF (FOLHAPRESS)
O governo Luiz Inácio Lula da Silva está prestes a lançar mais uma medida de socorro às companhias aéreas, mais especificamente à Azul Linhas Aéreas, como forma de facilitar o acesso de financiamentos mais baratos para compra de combustível, que é o insumo mais caro da aviação civil, reduzindo a pressão sobre gastos e dívidas dessas empresas.
A ideia, que partiu da Azul, é que as empresas aéreas possam obter empréstimos privados junto a bancos, usando como garantia desses financiamentos a própria União, por meio de seu Fundo de Garantia à Exportação (FGE). O governo, dessa forma, não passaria dinheiro diretamente às empresas. O FGE apenas garantiria ao banco que ele seria ressarcido, em caso de inadimplência.
Conforme informações obtidas pela reportagem, a Azul, que atravessa dificuldades financeiras e negocia uma fusão com a Gol, chegou a sugerir que essa cobertura alcançasse o volume de até R$ 3 bilhões em financiamento por companhia aérea. A proposta que está na mesa do governo, porém, já passou por análises técnicas e prevê um teto de R$ 2 bilhões.
Em troca dessa chancela federal, as companhias se comprometeriam a comprar grandes volumes do chamado Combustível Sustentável de Aviação (SAF, na sigla em inglês), um tipo de biocombustível que pretende substituir, total ou parcialmente, o querosene de aviação. O problema é que não há, hoje, um mercado capaz de suprir a demanda do setor. Além disso, o SAF tem preço bem maior que o do querosene.
O alerta ao governo sobre essas limitações partiu da Anac (Agência Nacional de Aviação). Segundo informações colhidas pela reportagem, a agência reguladora afirmou aos órgãos e ministérios envolvidos com o assunto de que a produção nacional do biocombustível de aviação ainda é incipiente e não há volume disponível hoje para contrapartidas obrigatórias.
“Não há, no presente momento, produção de SAF disponível no Brasil, o que limita a viabilidade de exigir o cumprimento imediato de contrapartidas de aquisição desse insumo”, afirma a agência, em parecer obtido pela reportagem.
A Anac afirma ainda que, embora se projete uma capacidade produtiva relevante até 2030, não há garantias regulatórias, nem de mercado, de que esses planos serão executados no prazo e volume esperados.
Outro fator diz respeito ao preço atual do insumo. A Anac afirma que o custo do SAF é bem mais alto que o querosene de aviação tradicional (QAV) e que isso também representa um risco financeiro dentro de um setor já fragilizado.
“A obrigatoriedade de aquisição de SAF, além das metas legais, pode gerar oneração excessiva para as empresas aéreas, resultando em desequilíbrios econômicos e eventual inadimplência”, conclui.
Como saída para o impasse, a agência sugere que a contrapartida ambiental da empresa seja baseada em eficiência energético-ambiental (volume de CO2 evitado por litro de SAF utilizado), e não unicamente no volume absoluto adquirido. A Anac aponta, ainda, que essa contrapartida seja aplicada apenas após a concessão da garantia pública, com cronograma compatível com a curva de maturação da indústria nacional de SAF.
Em sua proposta original, a Azul se comprometia em comprar volumes de SAF acima dos percentuais obrigatórios definidos pela Lei dos Combustíveis do Futuro (14.993/2024), que foi aprovada no ano passado e que começa a vigorar a partir de 2027.
A Lei do Combustível do Futuro estabeleceu metas obrigatórias e progressivas para a redução de emissões de gases de efeito estufa no setor aéreo nacional. A partir de 2027, as companhias aéreas que operam voos domésticos deverão começar a substituir gradualmente o querosene de aviação por SAF. As metas são: 1% em 2027, 2% em 2029, 3% em 2030, e seguem crescendo anualmente até atingir 10% em 2037. Esses percentuais se referem à redução de emissões que teriam ocorrido com o uso integral de combustível fóssil.
A Azul também sugeria a assinatura de um contrato de compra antecipada e continuada (offtake), de acordo com o prazo do financiamento garantido. O tomador que não apresentasse a comprovação de aquisição de SAF teria de depositar o valor correspondente ao custo da contrapartida não cumprida no FGE.
A avaliação da Anac foi encaminhada, na última semana de abril, à Secretaria Nacional de Aviação Civil (SAC), vinculada ao Ministério de Portos e Aeroportos (MPor). O governo está em vias de oficializar o uso do FGE (Fundo de Garantia à Exportação) para lastrear a compra de combustíveis, o que pode ocorrer nesta semana.
O tema já foi analisado tecnicamente pela ABGF (Agência Brasileira Gestora de Fundos Garantidores e Garantias), órgão que administra o FGE e que forneceria a garantia. Em paralelo, também passou pelo crivo da Secretaria-Executiva da Câmara de Comércio Exterior do Mdic (Ministério do Desenvolvimento, Indústria, Comércio e Serviços).
A iniciativa da Azul expõe o cenário financeiro delicado da empresa, disposta a assumir compromissos ambientais mais agressivos para tentar viabilizar crédito mais barato.
Hoje, a empresa enfrenta maior pressão de caixa do que a Latam e a Gol, além de estar mais exposta a flutuações no câmbio e no preço do combustível.
A própria ABGF lembra que a Latam entrou com pedido de recuperação judicial nos Estados Unidos (Chapter 11), em julho de 2020, para reestruturar suas dívidas, e que não teria o mesmo tipo de necessidade hoje. O processo foi finalizado em 2022.
A Gol fez o mesmo movimento da Latam em janeiro de 2024, um processo que ainda está em andamento. Por isso, é considerada temporariamente inelegível para produtos com garantia pública.
Já a Azul realizou uma reestruturação direta de suas obrigações financeiras com detentores de debêntures e demais títulos, incluindo troca de dívidas por ações da companhia e alongamento de prazos para pagamento.
A reportagem questionou a Azul e o MPor sobre o tema. Não houve posicionamento até a publicação deste texto.