O que está acontecendo com o Strava, aplicativo de corrida e ciclismo, é sintomático de um movimento mais profundo: o esgotamento das conexões performáticas e da superficialidade nos relacionamentos mediados por tecnologia. Aplicativos como Inner Circle, Happn, Tinder e similares já não satisfazem uma geração que busca substância e presença. Swipes sem contexto, matchs que evaporam e promessas de conexão rápida já não bastam.
Os apps tradicionais de relacionamento miraram na profundidade, mas acertaram na dopamina barata — na contramão do movimento wellness e do desejo por experiências offline. No lugar de vínculos reais, entregaram um UX viciante e um catálogo humano sem contexto, feito para estimular o circuito de recompensa rápida do cérebro. Uma espécie de fast food relacional: fácil, acessível, mas emocionalmente pobre.
O resultado? Um ciclo vicioso de validação instantânea: swipe, match, conversa superficial, casualidade, sumiço. Um verdadeiro playground da solidão. Relações líquidas, com baixíssima taxa de conversão em vínculos reais; fadiga emocional e relacional — especialmente entre mulheres. Ambientes que hoje servem mais ao entretenimento do ego do que ao afeto.

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Mas os aplicativos não são os vilões. Eles apenas ampliaram e facilitaram padrões já latentes no comportamento humano: imediatismo, superficialidade, medo da vulnerabilidade e um ego inflado por validação. Seus algoritmos e designs apenas reforçaram esses vícios — e onde há dopamina rápida, não há espaço para profundidade.
Uma pesquisa divulgada pela Sky News e repercutida pela Exame revelou que 65,3% dos usuários do Tinder estão casados ou em um relacionamento. Além disso, 50,3% não têm interesse genuíno em encontros presenciais. A lógica gira mais em torno de alimentar a autoestima — ou a carência — do que de construir vínculos reais.
Outro estudo, com 500 estudantes em Israel, indicou que o uso constante de apps de namoro está diretamente relacionado ao FOMO (fear of missing out, ou medo de estar perdendo algo). Resultado? Mais ansiedade, mais insônia, mais insatisfação com a vida e autoestima em queda.

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A queda nos números de faturamento e usuários, somada à saturação do mercado, aponta para uma espécie de ressaca emocional digital — e uma crescente procura por alternativas, como o “slow dating”. É nesse cenário que o Strava emerge como um hub de conexões mais autênticas.
Segundo a InfoMoney, a CEO do Tinder, Faye Iosotaluno, afirmou que até 2027 a expectativa é de crescimento em “dígitos baixos”, o que levou o Match Group a priorizar a experiência do usuário em vez da monetização. Já a Sensor Tower, em 2024, registrou uma queda de 24% nos usuários ativos do app: de 5,4 milhões no primeiro trimestre de 2022 para 4,1 milhões no terceiro trimestre de 2023. Os downloads semanais também recuaram 23%, de 140 mil para 107 mil.
E onde entra o Strava nessa história?
Na busca por conexões verdadeiras, o verdadeiro match está em encontrar equilíbrio entre o real e o digital. O sucesso do Strava veio justamente de conseguir algo que muitos apps de relacionamento desejam: uma comunidade genuína, com mais conexão e menos superficialidade.
De acordo com o Business of Apps, o Strava registrou uma receita de US$ 275 milhões — 25% a mais que no ano anterior — e alcançou 120 milhões de usuários registrados, um aumento de 26%. Foram mais de 12 bilhões de atividades registradas. O Brasil é o segundo maior mercado da plataforma, com 21 milhões de usuários, segundo a Valor Econômico.
Esse crescimento não foi resultado de reposicionamento de marca, e sim de escuta ativa. O Strava entendeu que as pessoas não estão carentes de estímulo, mas de contexto. Elas querem trocas com história, relações com ritmo, vínculos com valor. Querem compartilhar o que realmente importa em uma vida a dois: rotina, propósito, saúde mental, pequenos progressos diários. Querem presença com sentido — no pace da vida real.
No Strava, encontraram contexto (a corrida, o pedal, o exercício são pano de fundo para conversas); vulnerabilidade (suor, esforço, disciplina, superação — que geram empatia); e uma comunidade não descartável (você não dá swipe, você acompanha, incentiva, torce). A lógica muda.
A plataforma, criada para entusiastas do esporte, virou movimento social — e um case de como observar o comportamento do consumidor pode gerar oportunidades inesperadas de negócio.
Mais que uma mudança interna, foi uma transformação de mercado. O Strava capturou uma nova audiência e formou uma comunidade que busca não só saúde física, mas também saúde mental e emocional. E entregou mais do que prometeu: um espaço de interações naturais, interesses compartilhados e até encontros presenciais.
Essa virada é uma aula para qualquer marca. Mostra que, ao ler com atenção os sinais culturais, é possível abrir novos mercados, criar movimentos sociais e ressignificar o papel de um produto.
Talvez o segredo não seja inventar o próximo app de relacionamento — mas reaprender a se relacionar. Com contexto, presença, ritmo. A partir da vida real.
Esse é o movimento que as marcas precisam observar. A volta do offline, do presencial, do vínculo com valor. Livrarias na Europa estão banindo telas para estimular tempo de qualidade. Cafeterias viraram hubs de encontros. Livros voltam a ser símbolo de atenção plena.
Do fitness à educação, do bem-estar ao entretenimento, todo setor pode encontrar seu “Strava moment”: experiências significativas que conectam pessoas por valores. A era da conexão instantânea está dando lugar à era da conexão intencional.
E o Strava, no pace da vida real, mostrou o caminho.