Por Amanda Karolyne*
Itamar Vieira Junior, um dos maiores nomes da literatura contemporânea brasileira, esteve em Brasília para conversar com seus leitores sobre obras como Torto Arado e Salvar o Fogo. O evento marcou a retomada do projeto Sempre um Papo na Caixa Cultural, onde o escritor também compartilhou novidades sobre seu próximo lançamento, que encerrará a história iniciada com o aclamado Torto Arado.
Nascido em Salvador (BA), Itamar é formado em Geografia pela Universidade Federal da Bahia (UFBA), onde também fez mestrado e doutorado. Autor de A Oração do Carrasco, uma coletânea de contos que foi finalista do Prêmio Jabuti em 2018, e dos bestsellers Torto Arado e Salvar o Fogo, que juntos somam mais de 1 milhão de cópias vendidas. Torto Arado já foi traduzido para 31 idiomas, e Salvar o Fogo, para 12. Ele também escreveu um livro infantil, seu mais recente lançamento, Chupim.
No encontro, o autor contou que Brasília ocupa um lugar especial em sua trajetória. Ele vinha à cidade com frequência a trabalho, como servidor do Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária (INCRA) — cargo do qual está atualmente de licença não remunerada para se dedicar à literatura. “Brasília sempre me recebe com muita festa, com muito carinho. Até hoje, o meu recorde de sessão de autógrafos foi aqui na capital”, comentou. Itamar lembrou que, no lançamento de Salvar o Fogo, passou cinco horas autografando livros na região. “Eu acho que todo autor quer encontrar seus leitores, e Brasília me deu essa oportunidade”, destacou.
Na ocasião do Sempre um Papo, Itamar contou que a história de Torto Arado e sua criação é antiga, pois já o acompanhava há muito tempo. “Eu achava que seria apenas uma narradora, que está na segunda parte da história. Mas eu precisava escrever um episódio que aconteceu antes e que tornou aquelas irmãs mais unidas do que o normal. E então essa história também não poderia ser contada por ela, teria que ser contada pela outra irmã. E foi assim que a história foi crescendo”.
Ele destacou que as duas irmãs do premiado Torto Arado, Bibiana e Belonísia, tem uma terceira irmã que ninguém se recorda, a Domingas. Era ela quem narraria a terceira parte da história, mas à medida que ele foi escrevendo, encontrou outro caminho para essa jornada. Foi então que surgiu o ponto de vista de uma entidade, a encantada Santa Rita Pescadeira. “Essa é a beleza da literatura, porque nós fazemos esse pacto com o leitor de que tudo que cabe naquele mundo criativo, no universo literário, faz sentido desde que o leitor aceite”, afirmou. Para ele, a presença dela na história permite a compreensão de que há muitas maneiras de ver e se sentir o mundo.
Desde o início, Itamar percebeu que a história não se esgotaria no primeiro livro, porque o autor queria narrar mais sobre essa relação do homem com a Terra. “Já estava claro para mim que haveria um desdobramento com outros personagens e eu queria que assim como a vida, que caminha em rede, que acontecesse esses encontros na história também”. Ele falou para seus leitores sobre como Maria Cabocla é inserida nesse universo com esse propósito, aparecendo de forma pontual na primeira história. “Ela está ali para revelar algumas coisas, para revelar que esse é um grupo para onde pessoas de muitas origens afluem, para mostrar a dureza da vida e os problemas sociais que as pessoas enfrentam”.
Para fechar a trilogia, Itamar deu um gostinho de como o próximo livro vai ser. A jornada desses personagens vai terminar na Bahia de Todos os Santos, que é onde os rios desaguam. “A Bahia de Todos os Santos banha Salvador e essa história vai falar daqueles que foram desgarrados e não puderam continuar na terra. Só restou o começo da cidade. No mais, eu não conto”, brincou.
Torto Arado foi vencedor do prêmio LeYa 2018 e está sendo adaptado para o teatro, mas Itamar optou por não participar da criação dessas versões para o palco. “Eu ficaria mais nervoso se participasse e não conseguisse representar no palco aquilo que eu quis com a escrita, porque são linguagens diferentes”, explicou.
Novas vozes da literatura brasileira
Durante o bate-papo, Itamar também fez um balanço sobre a literatura contemporânea brasileira e como novas vozes estão ganhando destaque em várias regiões do país. “Vejo um movimento muito forte, como há muito tempo não acontecia. Está se lançando luz não só sobre o nosso tempo, mas também sobre o passado. E isso tudo de uma maneira ficcional, o que tem despertado o interesse dos leitores”, observou. Ele citou Jorge Amado como uma inspiração tanto como leitor quanto como escritor, mas ressaltou que suas influências mais recentes também vêm de autores como Toni Morrison, Alice Walker e James Baldwin. “Embora sejam escritores estadunidenses, há uma semelhança nas histórias de colonização e no genocídio dos povos indígenas, que ecoam em nossa própria história”, completou.
No encontro, o autor também falou sobre sua experiência de circular com seus livros pelo Brasil e pelo mundo. Ele classificou a rotina como intensa e cansativa, mas extremamente enriquecedora, especialmente pelos encontros com os leitores. “A melhor parte é sempre poder conversar sobre literatura, compartilhar interesses e ouvir histórias”, afirmou. Itamar contou que, por muito tempo, sentiu falta de espaços onde pudesse dividir seu amor pelos livros. “Nem sempre eu consegui compartilhar isso no ambiente de trabalho ou na universidade. Aqui, quem vem quer falar de literatura, quer ouvir sobre o livro”, disse, destacando a importância dos encontros como esses para fortalecer a troca cultural.

Foto: Amanda Karolyne
Fazendo questão de presenciar o bate papo com o autor, a técnica de enfermagem e auxiliar administrativa Vanda Pedro, 57 anos, estava na Caixa Cultural no evento que aconteceu na última quarta-feira. “Eu me identifiquei muito com a leitura de Torto Arado e o Itamar se tornou um dos meus autores favoritos”, afirmou. A leitora é carioca, mas mora no entorno da capital há quatro anos e sente falta desses eventos culturais na cidade. “Eu acho a capital meio atrasada em relação à cultura, mas eventos como esse estão acontecendo para mudar isso”, comentou.
Na busca por ler livros brasileiros escritos por autores contemporâneos, Fernando Franca, 47 anos, servidor público, acabou chegando até os livros de Itamar e se apaixonou. “Nós lemos os clássicos antigos, como o Guimarães Rosa que o próprio Itamar citou. Mas eu sempre tive vontade de conhecer um pouco da literatura nova do Brasil e Itamar nos deu essa chance com livros fantásticos como Torto Arado”. Para ele é uma oportunidade única de poder ficar mais próximo de um autor com bate papos assim. “Poder ter o contato com o Itamar e ter a chance de entender como é a construção da literatura dele e como ele pensa os personagens, é fundamental e dá mais intimidade com os livros que ele escreve”, salientou. Fernando quer reler as obras e acredita que a partir desse bate papo, vai ter uma nova visão sobre as histórias ali contadas.