GUILHERME BOTACINI
BRASÍLIA, DF (FOLHAPRESS)
Candidato a se tornar o primeiro papa asiático da história da Igreja Católica, o cardeal Charles Bo terá que lidar, se eleito, com conturbada relação entre o Vaticano e a China -de cujo regime o mianmarense de 76 anos é crítico contundente.
Em 2020, o cardeal de Rangoon afirmou que a “repressão, as mentiras e a corrupção do Partido Comunista Chinês” eram responsáveis pelo alastramento e mortes durante a pandemia da Covid-19.
Em uma mesma declaração a jornalistas, o cardeal criticou a deterioração da situação de direitos humanos na China desde que Xi Jinping assumiu o país.
“Mentiras e propaganda colocaram milhões de vidas no mundo em perigo. A conduta do Partido Comunista Chinês é sintomática de sua natureza crescentemente repressiva. Recentemente, vimos uma repressão intensa à liberdade de expressão na China. Advogados, blogueiros, dissidentes e ativistas da sociedade civil desapareceram”, afirmou, citando ainda a perseguição à minoria muçulmana uigur.
Seguidor de Bento 16 e nomeado cardeal por Francisco em 2015, quando se tornou o primeiro cardeal da história de seu país, Bo, no entanto, não fez críticas públicas à reaproximação com Pequim promovida por seu antecessor.
Essa postura pode mudar não apenas em função de sua eventual eleição e relação com a China, como também pelo novo momento geopolítico de embate entre Pequim e Washington -depois da Itália, os EUA têm o maior número de cardeais votantes no conclave.
Em 2018, Francisco fechou acordos com a China para o reconhecimento de sete bispos nomeados pelos chineses sem consentimento do papa; em troca, Pequim reconheceu Francisco como líder da Igreja Católica. Os acordos foram renovados em 2024 por mais quatro anos, medida que foi vista por analistas como sinal de avanço na confiança entre os dois países.
A China e o Vaticano não têm relações diplomáticas desde a década de 1950; por outro lado, a Santa Sé é um dos poucos Estados que reconhecem Taiwan como país -Pequim vê a China continental e a ilha de Taiwan como partes de uma mesma China, e tem aumentado sua pressão sobre o território recentemente.
Nascido em 1948, ano da independência de Mianmar (então conhecido como Birmânia), na vila de Monhla, um dos poucos vilarejos estabelecidos por portugueses no país, Charles Maung Bo começou a estudar em um seminário salesiano em 1962. A data coincide com um golpe militar que alçou o ditador Ne Win ao poder, onde permaneceu até 1988.
O cardeal é da maioria étnica bamar, que é majoritariamente budista -no país, católicos tendem a ser de minorias étnicas. “Não havia problemas de materialismo ou secularismo [onde nasci]. Era calmo e havia uma atmosfera religiosa. Toda a vila era muito religiosa, com amor e respeito especiais pelo que era sagrado”, disse Bo em livro escrito por Benedict Rogers, ativista britânico católico.
Ordenado padre salesiano em 1976, serviu em um estado foco de guerrilha de minoria étnica contra a ditadura militar. Lá, aprendeu dialetos locais para pregar em idiomas mais usualmente falados pela população.
Sua ascensão na hierarquia religiosa foi rápida: tornou-se administrador apostólico em 1985, e depois o primeiro bispo de Lashio, em 1990. No mesmo ano, fundou a ordem Congregação dos Irmãos e Irmãs de São Paulo.
Em 1996, foi nomeado bispo de Pathein e, em 2003, arcebispo de Rangoon, a maior cidade do país e então capital, cargo que ocupa até hoje. Ele também presidiu a Conferência Episcopal de Mianmar (2000-2006 e de novo desde 2020) e a Federação das Conferências Episcopais da Ásia (2018-2024).
De acordo com o site The College of Cardinals Report, criado pelo vaticanista Edward Pentin com uma equipe de jornalistas e especialistas católicos, o cardeal é contrário à autorização de mulheres no sacerdócio, a tornar o celibato opcional e ambíguo em relação à bênção a casais do mesmo sexo -o site se baseia em declarações públicas, relatos e posicionamentos antigos dos cardeais.
O mianmarense seria, por outro lado, favorável à promoção de uma Igreja mais baseada em sínodos, espécie de assembleias eclesiásticas, promovidas por Francisco, e a favor também da comunhão para divorciados e pessoas que voltaram a se casar após separação. Bo é defensor de foco no combate às mudanças climáticas, outra área cara a seu antecessor.
Ainda segundo o site, Bo é um amante das artes e escreve peças de teatro. Ele também gosta de esportes e joga futebol e basquete com padres e religiosos, além de falar o nativo birmanês, inglês, italiano e outros idiomas de minorias étnicas de Mianmar.