GEOVANA OLIVEIRA
SÃO PAULO, SP (FOLHAPRESS)
Em fevereiro, agricultores da comunidade de Sobradinho e representantes do povo indígena kapinawá ocuparam a sede da Agência de Desenvolvimento Econômico de Pernambuco, no Recife, em forma de protesto. O objetivo era pedir o desligamento de um empreendimento de energia eólica na cidade de Caetés, no agreste pernambucano.
Segundo os manifestantes, desde a instalação do parque eólico, há dez anos, eles sofrem com contratos abusivos, danos ambientais e danos à saúde. A comunidade fez parte de um estudo da Universidade de Pernambuco com a Fiocruz sobre a “síndrome da turbina eólica” -condição associada à dificuldade de concentração, insônia, depressão, ansiedade e irritação.
Naquele dia, as turbinas foram desligadas, mas voltaram a funcionar no mesmo mês, segundo a CPT (Comissão Pastoral da Terra).
O grupo entregou ao Ministério Público Federal, em maio do ano passado, um documento com medidas para reduzir os impactos socioambientais dos parques eólicos e solares no Nordeste.
A coordenadora da CPT na Paraíba, Vanúbia Martins, diz que a transição energética no país tem sido prejudicial à comunidade rural das áreas de caatinga. Ela está entre os ativistas que pedem uma transição energética justa.
O mundo está mudando o sistema energético em vigor, assim como fez na troca do carvão por outros combustíveis fósseis. Desta vez, a troca é para energias renováveis, considerando a necessidade de emitir menos carbono na atmosfera diante das mudanças climáticas.
“Essa [transição energética] é diferente das anteriores, porque não é só uma evolução do sistema energético -ele é imposto por uma restrição ecológica”, diz Clarice Ferraz, pesquisadora associada do Grupo de Economia de Energia da UFRJ e diretora do Ilumina (Instituto de Desenvolvimento Estratégico do Setor Energético).
Segundo o IPCC (Painel Intergovernamental sobre Mudanças Climáticas da ONU), maior autoridade científica global sobre a crise climática, a transição energética justa precisa, antes de tudo, sair de uma economia que gera muito carbono para uma que gere pouco.
Para que esse processo de fato seja justo, o órgão destaca que governos, agências e autoridades assegurem que quaisquer impactos sociais, ambientais ou econômicos negativos dessa transição sejam minimizados.
“Os princípios centrais das transições justas incluem: respeito e dignidade para grupos vulneráveis; equidade no acesso e uso da energia; diálogo social e consulta democrática com as partes interessadas; criação de empregos decentes; proteção social; e direitos no trabalho”, afirma o glossário do sexto relatório de avaliação do IPCC.
O termo, amplo, é usado no Brasil tanto pelos grupos vulneráveis (indígenas, quilombolas, agricultores familiares) quanto por grandes empresas que produzem energia a partir de combustíveis fósseis, como a Petrobras -que afirma buscar uma descarbonização “sem deixar ninguém para trás”.
“A universalidade do acesso à energia é um projeto civilizatório”, diz Ferraz. “É realmente como a sociedade deu liga, como a gente estruturou indústria, espaço urbano, tudo.”
Ela afirma que a transição justa precisa garantir segurança de abastecimento e acesso a todos. “A gente vai trocar, mas tem que garantir que não vai faltar, porque as pessoas precisam dessa essencialidade”, afirma. “E você precisa conseguir pagar por ela”.
Quando o sistema energético é redesenhado, a preocupação não pode ser apenas com a mudança em si, mas também com as pessoas envolvidas nele, diz Amanda Schutze, coordenadora do FGV Clima, que auxilia o governo federal com conhecimento técnico para a elaboração do Plante (Plano Nacional de Transição Energética).
“Por exemplo, a gente teria que se preocupar com geração de emprego de qualidade para trabalhadores que podem perder os seus postos em setores fósseis, ou até numa requalificação profissional e apoio à comunidade que depende de atividades intensivas em carbono”, diz Schutze.
Além disso, destaca ela, a transição deve ser inclusiva na tomada de decisões, garantindo que todos os grupos afetados, como indígenas, comunidades locais e trabalhadores, participem das definições das políticas energéticas.
“Você tem que pensar [no sistema energético] não só mais limpo, mas também mais justo, mais resiliente, mais eficiente, mais inclusivo”, diz Schutze. Segundo a pesquisadora, o Plante considera ações para transição energética justa em sua confecção.
Na avaliação de Vanúbia Martins, pelo menos na fase de implantação das novas energias no Brasil, não é isso que tem acontecido.
A maior parte dos empreendimentos de energia eólica e solar têm sido instaladas no semiárido nordestino. Segundo dados da Aneel (Agência Nacional de Energia Elétrica), dos 5 estados que mais produzem energia eólica e solar no país, 4 estão no Nordeste.
“A caatinga é extremamente habitada. Esse projeto não deveria nem poderia chegar aqui como na Europa, que é só olhar o atlas eólico e seguir, colocando aerogeradores onde tem a maior incidência de ventos”, diz Martins. “Nós temos um mapa que não mostra a população naquele lugar”, critica.