SÃO PAULO, SP (UOL/FOLHAPRESS)
Espanha, Portugal e partes da França passaram por um apagão de 12 horas ontem, resultado de um problema em uma rede de distribuição de alta tensão em território espanhol. As causas do incidente ainda são investigadas.
Engarrafamentos criaram “selva” nas estradas. “De repente, não havia luz nos semáforos. Eu fui parando para que as pessoas pudessem passar… [Então] vi um ônibus vindo [do outro lado] e tive que acelerar muito para passar por ele”, contou o morador de Madri Luis Ibáñez Jiménez à rede americana CNN. A falta de sinalização criou vai e vem desordenado nas pistas.
Cidades inteiras ficaram paralisadas sem energia. Telas de computadores que controlam sistemas automatizados se apagaram em segundos.
Correria nos mercados teve briga por garrafas de água em Lisboa.
Com o calor, a procura por cerveja e alimentos esvaziou as prateleiras de estabelecimentos que, sem energia, decidiram fechar as portas ao longo do dia. As pessoas se aglomeraram em quitandas e mercearias, menos dependentes da tecnologia. Ahmed Sayem, comerciante de Bangladesh que tem um mercadinho no bairro de Belém, na capital Lisboa, disse ao UOL que já não havia água e atum nas prateleiras por volta das 13h.
Terminais de pagamento deixaram de funcionar e pessoas tiveram de se virar com o “pix impresso”. Nos comércios, clientes se decepcionavam ao descobrirem que não podiam usar seus cartões e só podiam usar o dinheiro em espécie. Muitos ainda tentaram procurar caixas eletrônicos para saques de última hora, mas a queda do sistema bancário criou filas e confusões, segundo o jornal Washington Post.
Notícias do que estava acontecendo também corriam mais devagar e fake news “venceram”. Sem TV ou internet na maioria dos lugares, espanhóis, franceses e portugueses se assustaram ao descobrir, horas depois, a escala do apagão, mas sem mais informações sobre o porquê. “As pessoas estavam se perguntando: foi um hacker da Rússia? É um ato de terrorismo?”, contou a editora de filmes Alanna Gladstone, americana que está em Lisboa, à CNN.
Alguns recorreram ao bom e velho rádio de pilha. Já os correspondentes da Globo em Portugal e Espanha, Leonardo Monteiro e Julia Guimarães, se tornaram incomunicáveis. Por isso, Rodrigo Carvalho teve de assumir o plantão de informações europeu, de Londres.
Acessos a portões e portarias se tornaram um problema. Gladstone estava em um Airbnb cuja fechadura era eletrônica e, ao retornar para o apartamento, não conseguia inserir a senha para liberar a entrada. Ela acabou passando a noite na casa de um vizinho que ouviu seu sufoco.
Bombeiros de Madri atenderam a centenas de chamadas de emergência para intervenções em elevadores. Segundo o Escritório de Informações sobre Emergências, membros da Guarda Civil da Espanha tiveram de carregar uma idosa cadeirante até seu apartamento no sexto andar.
Ligações telefônicas tiveram de ser restritas. O primeiro-ministro espanhol, Pedro Sanchéz, pediu aos cidadãos que utilizassem seus telefones apenas em caso de emergência e por poucos minutos, para evitar congestionamento das linhas. Muitos também tentaram economizar nos contatos com conhecidos para preservar a bateria de celulares que não poderiam ser recarregados tão cedo.
Nos aeroportos, não havia ar-condicionado ou água corrente em bebedouros e torneiras elétricas. Voos foram cancelados e, aqueles no ar, se tornaram impossíveis de serem monitorados. Passageiros se acumularam em terminais. Nas ruas, policiais fizeram mutirão para tentar controlar o tráfego apenas com as mãos, sinalizando aos motoristas por onde passar.
Falta de eletricidade paralisou metrô em Madri, Lisboa e no Porto. Os bondes em Portugal também pararam de rodar nas ruas. Passageiros ficaram presos dentro dos trens “congelados” no momento do apagão.
COMUNIDADES SE UNIRAM E SE ADAPTARAM
Durante a tarde e no início da noite, as pessoas resolveram relaxar durante a confusão. Elas se reuniram em praças para beber cerveja e gastar a bateria das maquininhas de cartão que ainda estavam funcionando. “Todos os terraços estavam cheios”, contou Jiménez à CNN.
A procura por espaços abertos de lazer também foi grande. As crianças foram levadas para brincar nos parques, enquanto os adultos tentavam, sem sucesso, receber informações sobre o motivo da queda de energia ou uma previsão de retorno do serviço.
Em Lisboa, a luz voltou às 22h30, quando vizinhos já haviam se tornado amigos. Gladstone relatou que passou a noite batendo papo com os estranhos que a acolheram e bebendo vinho.
Mais de 50 milhões de pessoas foram afetadas, incluindo toda a Península Ibérica e partes da França. A operadora de rede espanhola REE disse ter identificado dois incidentes de perda de geração de energia. Segundo a empresa, a queda ocorreu provavelmente em usinas solares, no sudoeste do país, que causaram instabilidade no sistema elétrico e levaram a uma interrupção de sua interconexão com a França.
Autoridades dizem que ainda é muito cedo para explicar por que isso aconteceu. “Até recebermos os dados sobre os aspectos de geração, não podemos tirar conclusões”, declarou Eduardo Prieto, diretor da Rede Elétrica Espanhola. Fontes do governo também insistiram que não houvesse especulações e que não se divulgassem ”informações de origem duvidosa”.
A energia caiu por volta das 12h no horário local, 7h em Brasília, e interrompeu uma série de serviços. Estações de metro na Espanha e em Portugal foram evacuadas, semáforos pararam de funcionar e o trânsito entrou em estado de caos, segundo relatou a imprensa ibérica.
As autoridades negam que houve um ciberataque. O presidente da Ucrânia, Volodymyr Zelensky, ofereceu sua solidariedade aos países ibéricos no X. Ele se disse disposto a ajudar, já que a Ucrânia tem experiência na “luta contra qualquer desafio energético, incluídos os apagões”, depois de “anos de guerra e ataques russos”.