LEONARDO VIECELI
ARROIO DO MEIO, RS (FOLHAPRESS) Em meio ao que restou da sua casa, o aposentado João da Silva, 66, toma chimarrão enquanto escuta música em um rádio de pilha à noite.
Sem energia elétrica, ele faz fogo para enfrentar a escuridão no local, que fica próximo ao rio Taquari, no bairro Navegantes, no município gaúcho de Arroio do Meio (a cerca de 120 km de Porto Alegre).
Não há mais vizinhos no entorno. Os únicos barulhos vêm do rádio, dos insetos presentes no mato que cresce dos dois lados da rua e de veículos que passam em uma rodovia afastada.
O cenário lembra um bairro fantasma e reflete os estragos das enchentes históricas que devastaram regiões do Rio Grande do Sul há um ano.
Assim como ocorreu com a vizinhança, João teve a casa atingida pelo rio Taquari. Ele, porém, decidiu voltar para Navegantes e arrumar o que foi possível depois da tragédia.
A parte superior da casa foi derrubada pela água. Com a falta de luz, não há geladeira, e o aposentado diz tomar banho de mangueira.
“Não tem o que fazer agora à noite. Não se enxerga nada na rua”, diz João, entre um gole e outro no chimarrão ao lado de sua cachorrinha.
Ele relata que até aceitaria deixar o bairro, desde que pudesse escolher um lugar diferente dos disponíveis até o momento para a população afetada pelo desastre ambiental. Famílias da região que perderam as casas estão em moradias temporárias, aluguel social ou lares de conhecidos.
A Prefeitura de Arroio do Meio pretende fazer um parque no bairro após a tragédia. Por questões de segurança, o município diz que não poderá haver mais moradores às margens do Taquari, em área de arraste do rio.
João, contudo, não acha fácil deixar para trás a vida construída ao longo de décadas no local. “Sou que nem peixe. Se eu não posso ver o rio, fico mal”, afirma o aposentado. Apesar de lamentar os prejuízos, o homem de barba grisalha sorri em conversa com a reportagem.
Em 2022, antes da enchente histórica, o Navegantes tinha 994 moradores, o equivalente a 4,5% da população total de Arroio do Meio (quase 22 mil), segundo o Censo Demográfico.
O cenário atual é de poucas pessoas andando pelas ruas. Quase todas as casas viraram ruínas depois da cheia do Taquari. A região já havia sido atingida por inundações no segundo semestre de 2023.
Faixas colocadas no que restou de parte das construções indicam o que funcionava antes dos estragos. “Posto de saúde destruído” e “escola destruída” são exemplos das mensagens penduradas nos escombros.
“Dá uma sensação de filme de guerra, de terror mesmo, ao passar aqui”, afirma Carlos Henrique Diehl, 31, morador do município vizinho de Lajeado.
“Antes, tinha uma criançada jogando bola, velhinhos tomando chimarrão nas calçadas. Era uma vida normal. Agora, enquanto a gente conversa, dá para ouvir o eco da voz.”
Carlos Henrique trabalhou no Navegantes há cerca de dez anos. Em uma tarde de abril, foi de moto até o local para ver o que restou da tragédia.
Um dos ex-moradores conhecidos no bairro é Ruben Scheid, 70. Ele passou a vida no Navegantes antes de perder a casa na enchente. “É complicado, porque é a história da gente, tinha o futebol com os amigos no final de semana. Não é fácil”, afirma.
Ruben lamenta ter investido na compra de placas de energia solar para a antiga residência pouco antes da enchente histórica. Agora, ele vive com a família em um imóvel cedido por um amigo na área central de Arroio do Meio.
O plano é conseguir uma nova moradia definitiva por meio do programa Compra Assistida, do governo federal.
Enquanto isso não acontece, Ruben segue cuidando de um campo de futebol no Navegantes. A conservação do local destoa da destruição vista em construções do entorno.
“Tem famílias que economizaram toda a vida para comprar um terreno e fazer a sua casa e, de um dia para o outro, não têm mais a casa”, diz o prefeito de Arroio do Meio, Sidnei Eckert (MDB), que assumiu o cargo em janeiro.
Segundo ele, há demanda de cerca de 700 casas para famílias atingidas pelas enchentes no município.
“Os desafios são enormes ainda. São muito grandes. Esse é um lado da história. Mas, na nossa cidade, o outro lado é que as grandes empresas não foram atingidas, continuam bem, e não falta trabalho”, afirma o gestor, que está em seu terceiro mandato.
De acordo com Sidnei, a ideia de fazer um parque no Navegantes é similar a um projeto em andamento no bairro Passo de Estrela, na cidade próxima de Cruzeiro do Sul.
Essa localidade também foi devastada pelo Taquari e agora atravessa um processo de limpeza para virar um parque linear memorial às margens do rio. O governador Eduardo Leite (PSDB) visitou a obra em Passo de Estrela em 22 de abril.
Conforme a Prefeitura de Arroio do Meio, o governo federal já destinou recursos para a construção do parque no bairro Navegantes, e agora o município busca um complemento de verba com a gestão estadual.