JOSÉ MARQUES
BRASÍLIA, DF (FOLHAPRESS) – O ministro Cristiano Zanin, do STF (Supremo Tribunal Federal), classificou a decisão de mandar lacrar celulares em julgamento como excepcional e tomada em conjunto com os demais integrantes da Primeira Turma da corte.
Na semana passada, a corte determinou que os telefones de advogados e jornalistas que acompanhavam o julgamento do núcleo 2 da trama golpista fossem lacrados.
“A providência excepcional visou assegurar a liturgia da Corte, o bom andamento dos trabalhos e o cumprimento de uma decisão do ministro relator, que vedou o uso da imagem de um dos denunciados presentes naquela sessão”, diz nota do Supremo divulgada nesta segunda-feira (28).
Zanin recebeu nesta tarde representantes do Conselho Federal da OAB (Ordem dos Advogados do Brasil)
Na mesma nota, o STF apenas volta a afirmar que “não é permitida a realização de filmagens e fotografias nas sessões de julgamento da Corte, seja no Plenário ou seja nas Turmas”.
Estiveram no gabinete do ministro nesta segunda o presidente da entidade, Beto Simonetti, e o procurador-geral Sérgio Leonardo.
Na última terça, o Conselho Federal da OAB publicou uma nota na qual dizia que iria pedir ao ministro Zanin a revisão da medida.
A decisão foi tomada pelos ministros da Primeira Turma do STF, presidida por Zanin. A justificativa apresentada na ocasião foi o descumprimento de normas do tribunal na sessão, em março, em que Jair Bolsonaro (PL) se tornou réu, com pessoas filmando a entrada do ex-presidente no colegiado.
A corte disse ainda haver uma determinação do ministro Alexandre de Moraes para que Filipe Martins -ex‑assessor da Presidência e agora réu- não fosse filmado. Na segunda‑feira (21), o ministro reiterou que nenhuma imagem poderia ser captada ou divulgada no julgamento ou nos deslocamentos, mesmo por terceiros.
No mesmo dia, a OAB soltou nota afirmando que iria pedir a revisão da medida.
“A OAB reconhece a importância da segurança e da ordem nos julgamentos. No entanto, o uso de aparelhos para gravação de áudio e vídeo em sessões públicas é amparado por lei e constitui prerrogativa da advocacia, não podendo ser restringido sem fundamento legal claro e específico”, diz o texto, assinado por Simonetti.
O presidente da OAB-SP, Leonardo Sica, também se queixou da medida. Segundo ele, foi um “ato abusivo sem justificativa”.
“Tivemos o mensalão, o petrolão, a Lava Jato -todos os julgamentos. Isso nunca aconteceu”, afirma o presidente da OAB-SP.
Ele reconhece, em tese, a possibilidade de imposição de uma medida como essa, mas só com base em previsão legal ou por um fato que a justifique -o que, em seu entendimento, não existe.
O problema, de acordo com o advogado, é que essa ordem cria um precedente de abuso de poder.
“O ato em si pode parecer banal, mas não é. Qual é a preocupação? Amanhã, qualquer juiz de qualquer comarca do Brasil está autorizado moralmente a fazer o mesmo.”
Presidente do IDDD (Instituto de Defesa do Direito de Defesa), Guilherme Carnelós afirma que a lacração dos celulares é uma péssima sinalização do STF e do Judiciário à advocacia.
“Há a imposição dessa pecha de que a gravação vai servir para fins antijurídicos, jocosos e espúrios.
Se alguma publicação criminosa for feita, o tribunal deveria tomar as atitudes posteriormente.”
Carnelós também chama atenção para fato de que o Supremo agiu a partir da ausência de legislação sobre o tema. “Não deveria ser necessário explicações sobre a gravação. O que a lei não proíbe ela permite. Então, temos uma permissão diante de uma ausência”, afirma.
A Aaasp (Associação dos Advogados de São Paulo) também divulgou nota em que reconhece a importância da manutenção da segurança nos ambientes de julgamento, mas critica o que chamou de “grave limitação ao livre exercício profissional” da advocacia.