RICARDO DELLA COLETTA
RIO DE JANEIRO, RJ (FOLHAPRESS)
O presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) mandou uma carta ao ditador do Egito, Abdel Fattah el-Sisi, para tentar destravar o principal impasse na negociação da reunião de ministros de Relações Exteriores do Brics, que ocorre nestas segunda (28) e terça-feira (29).
No documento, Lula elenca argumentos para tentar convencer o líder egípcio a aceitar a inclusão, no declaração final do encontro de chanceleres, de um parágrafo sobre a reforma do Conselho de Segurança da ONU que mencione especificamente o pleito do Brasil de ocupar um assento permanente no órgão.
O regime de Sisi resiste a concordar com o trecho por considerar que o Brics não é o fórum apropriado para tratar do tema.
Outro problema apontado pelo Cairo é que o texto defendido pelo Brasil também menciona as aspirações de Índia e África do Sul -existe uma rivalidade entre africanos sobre quem deveria representar o continente na hipótese de um Conselho de Segurança reformulado, e a África do Sul não é considerada uma candidata incontestável. A Etiópia, outro novo membro do Brics, tampouco concorda com um texto que privilegie Pretória em detrimento de outros países africanos.
As divergências no bloco sobre como abordar a reforma do Conselho de Segurança da ONU foram tão grandes nos últimos dias que os negociadores técnicos, que estão reunidos no Rio de Janeiro desde quarta-feira (23), não conseguiram chegar a um acordo. O assunto foi então elevado para deliberação dos chanceleres.
Criado em 2009, o Brics era inicialmente formado por Brasil, Rússia, Índia e China. Dois anos depois, a África do Sul foi incorporada. O grupo manteve a configuração de cinco países até 2023.
Naquele ano, durante a presidência sul-africana, houve uma expansão fortemente patrocinada por China e Rússia. Os novos integrantes são Egito, Emirados Árabes Unidos, Etiópia, Irã e Arábia Saudita -os sauditas têm participação discreta e frequentemente são representados por funcionários de menor nível hierárquico. A Indonésia se juntou posteriormente.
A expansão ocorrida em 2023 sofria resistência no Itamaraty, que apontava o risco de o Brasil ter sua importância no Brics diluída.
Quando ela se tornou inevitável, a principal moeda de troca negociada pelo governo Lula foi a inclusão, em um documento oficial do bloco, da até então mais forte sinalização de apoio da China a uma reforma do Conselho de Segurança da ONU.
Na declaração daquela reunião, o Brics endossou uma “reforma abrangente da ONU, inclusive do seu Conselho de Segurança, com a visão de fazê-la mais democrática, representativa, efetiva e eficiente”.
Na frase mais comemorada pelo Itamaraty à época, o texto endossou especificamente as “aspirações legítimas de países emergentes e em desenvolvimento de África, Ásia e América Latina, inclusive Brasil, Índia e África do Sul, de ter um papel mais ativo em assuntos internacionais, em particular na ONU, inclusive no Conselho de Segurança”.
O problema é que essa vitória, que já era encarada com ceticismo por alguns analistas em 2023, teve vida curta. No ano seguinte, durante a presidência da Rússia e com os novos membros participando da negociação, o documento acordado trouxe uma linguagem que representou um retrocesso para a posição brasileira. A menção específica a Brasil, Índia e África do Sul foi substituída por um reconhecimento genérico das aspirações dos “países do Brics”.
Nas negociações para a atual reunião de chanceleres, a delegação brasileira quer retomar os termos negociados em 2023. O argumento usado é que, quando o Brics foi ampliado, os novos integrantes teriam concordado com opiniões acertadas anteriormente, entre elas os princípios sobre reforma do conselho da ONU.
Essa visão não tem sido aceita por egípcios e etíopes. Ambos os países defendem uma posição conjunta da África chamada de Consenso de Ezulwini. Esse posicionamento foi adotado pela União Africana em 2005 e estabelece que o continente deveria ser representado no Conselho de Segurança por não menos do que dois assentos permanentes, com prerrogativa de veto, e cinco cadeiras temporárias. O texto não cita especificamente países e diz que a escolha dos representantes da África no colegiado deveria ser da União Africana.
A reforma do Conselho de Segurança da ONU e a designação de um assento permanente para o Brasil é um pleito histórico do Itamaraty, com especial força no governo Lula. No entanto, as perspectivas de que uma reestruturação saia do papel são remotas, ainda mais num cenário de crescente disputa geopolítica entre potências como Estados Unidos, China e Rússia.
O argumento no Itamaraty para justificar a ênfase dada ao tema é o de que o Brasil precisa estar bem posicionado para quando haja as condições de uma reforma.