ISABELA PALHARES
SÃO PAULO, SP (FOLHAPRESS)
Em uma década, o Brasil conseguiu atingir apenas parcialmente quatro das 20 metas educacionais que havia estabelecido em lei para alcançar até o fim de 2024. O descumprimento generalizado, no entanto, não implicará na responsabilização de nenhum gestor público e é esse o principal ponto que a deputada Tabata Amaral (PSB) quer mudar para o próximo Plano Nacional de Educação.
Ela assume nesta terça-feira (29) a presidência da Comissão Especial da Câmara dos Deputados, criada para definir quais serão os objetivos e o formato do novo plano que deverá ser seguido pelo país nos próximos dez anos para melhorar a qualidade da educação.
Para Tabata, mais do que apenas definir quais metas devem ser alcançadas, o debate sobre a nova lei do PNE precisa incluir mecanismos robustos de monitoramento, avaliação e responsabilização dos entes federados. “A gente não pode levar mais dez anos para descobrir que nada foi cumprido e, muito menos, não ir responsabilizando as pessoas envolvidas nesse processo.”
Em entrevista à Folha de S.Paulo, a deputada disse que o caminho para a responsabilização passa pela criação do SNE (Sistema Nacional de Educação), uma espécie de SUS da Educação. Previsto na Constituição Federal desde 2009 (por meio de emenda), o sistema deveria ter sido criado até 2006, mas o debate segue travado.
“É fato que o MEC [Ministério da Educação] não entende o SNE como prioridade nesse momento e eu não entendo o porquê disso. Eu estou fazendo um esforço grande junto ao presidente Hugo Mota para que a gente aprove o sistema ainda esse ano. Não está na mesa para mim a opção de continuarmos sem o SNE”, disse.
A ideia do SNE é consolidar o regime de colaboração e coordenar os esforços entre os níveis federal, estadual e municipal. Daí a comparação com o SUS (Sistema Único de Saúde).
O SNE cria instâncias de pactuação federativa, em que decisões que vão de iniciativas pedagógicas a financiamento devem ser tomadas em conjunto.
PERGUNTA – O prazo do último PNE terminou no ano passado com poucas metas cumpridas. Na sua avaliação o que levou ao baixo descumprimento? Falta de compromisso dos gestores ou a falta de previsão de responsabilização?
TABATA AMARAL – O que eu considero mais importante é que a gente não construa uma lista de desejos. Isso não me engaja, isso não me brilha os olhos, porque eu acho que o nosso país merece mais do que isso.
A gente tem um plano que a maioria das metas não foi cumprida e isso me frustra porque não havia nada de ambicioso nas metas, eram todas questões que deveriam ser básicas como garantir acesso a vaga em creche, escola em tempo integral, ensino técnico.
A gente não pode levar mais dez anos para descobrir que não cumpriu e muito menos não ir responsabilizando as pessoas envolvidas nesse processo. Obviamente, o objetivo aqui não é mandar ninguém pra cadeia, esse não é o papel do Congresso.
Mas precisamos deixar muito claro de quem é a responsabilidade por esses resultados. A gente precisa de algum mecanismo, ainda não sei qual: se de impacto financeiro, exposição. Mas a gente precisa responsabilizar quem deveria ter feito e não fez.
P – Por que há tanta dificuldade em avançar com a pauta de responsabilidade educacional no país?
TA – Essa é a crítica que eu sempre fiz: a educação não mobiliza. Eu trago como exemplo a cidade de São Paulo, o município com mais recursos financeiros e que tem duas a cada três crianças chegando ao fim do 3º ano do ensino fundamental sem saber ler e escrever.
São Paulo não consegue alfabetizar suas crianças na idade certa e o que acontece? Nada. Se isso acontecesse em qualquer escola particular, imagina a revolta que não seria.
Então, tem uma questão cultural, de a educação ainda não ser levada a sério. Agora, quando a gente fala da coisa prática, que é o que nos cabe alterar no curto prazo, precisamos entrar na discussão sobre o SNE.
Na pandemia, ficou muito clara a falta da organização de um sistema para a educação. Na saúde, todos nós sabíamos o que era responsabilidade de cada ente: quem é o responsável por comprar a vacina, quem distribui e quem aplica na população. Agora, na educação, nós não temos clareza de quem é responsável pelo quê.
P – Muitos especialistas dizem que não houve avanços nas metas do PNE por falta de recursos. Mais da metade do plano aconteceu sob vigência do teto de gastos e depois do arcabouço fiscal. Você avalia que é preciso mais dinheiro para a educação?
TA – Faltam duas coisas para a educação brasileira: dinheiro e gestão. O que nós precisamos é de uma solução para os dois.
Quando eu digo que falta dinheiro, essa é uma das razões pelas quais a Bancada da Educação teve um posicionamento diferente do governo federal e batalhou para deixar o novo Fundeb fora do arcabouço fiscal. Foi um enfrentamento grande e nós vencemos.
Agora, só com mais dinheiro resolve? Não, é preciso ter uma boa gestão e responsabilização de quem não usar bem os recursos disponíveis. Nós vivemos em um país com uma série de denúncias de desvio de dinheiro da educação, então precisamos seriamente de estratégias de responsabilização. Porque aí vamos começar a entender onde está faltando dinheiro e onde está faltando compromisso com a educação.
P – Você tem receio de que disputas ideológicas possam atrapalhar a discussão do novo PNE?
TA – Essa é uma preocupação minha diária, mas temos estratégias para evitar isso. Uma delas é trazer para a comissão do PNE pessoas que querem de fato debater educação, não quem quer lacrar na internet.
Essas pessoas não contribuem para o debate, porque elas não entendem e não se preocupam com a educação, só querem a lacração. Eu não me importo de debater com pessoas que têm ideias opostas às minhas, desde que sejam pessoas que queiram discutir a educação do país com seriedade.
Tem uma pauta ideológica que me preocupa muito que é a defesa do homeschooling. E aí, sendo muito transparente, isso me preocupa porque essa pauta avançou no Congresso quando nós temos questões muito mais urgentes na educação para debater.
E a preocupação de quem defende o homeschooling não é regulamentar a modalidade, criar mecanismos de controle. Eles querem é um libera geral, pela visão equivocada de que a educação brasileira seria dogmática.
Eu dei aula para 5ª série, para o ensino médio e em cursinho e eu nunca consegui dogmatizar ninguém. Nem mesmo dogmatizar a criança para a causa da educação [risos]. Então essa é uma visão rasa de quem não entende de educação.
RAIO-X | TABATA AMARAL, 31
Cientista política e astrofísica, é formada em Harvard e, com a bandeira da educação, foi eleita deputada federal por São Paulo em 2018, pelo PDT, e em 2022, pelo PSB. Foi candidata à Prefeitura de São Paulo em 2024, terminando em quarto lugar, com 9,9% dos votos. Atualmente exerce mandato de deputada federal.