RICARDO DELLA COLETTA E NATHALIA GARCIA
BRASÍLIA, DF (FOLHAPRESS)
O governo Donald Trump tem sugerido a autoridades brasileiras que a ampliação de barreiras comerciais contra a China poderia ajudar nas negociações do Brasil com os Estados Unidos a respeito das tarifas impostas sobre os setores de aço e alumínio.
De acordo com pessoas que acompanham as tratativas, Washington tem deixado implícito nas conversas que limitações sobre a importação de aço chinês, por exemplo, facilitaria o pleito do governo do presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) nas conversas pela reabertura de cotas de importação do produto.
Em 2 de abril, o Brasil e diversos outros países foram alvo de uma tarifa linear de 10% sobre as exportações para os Estados Unidos. Antes disso, o país já tinha sido afetado pela cobrança imposta pelos americanos de tarifas de 25% sobre importações de aço e alumínio.
A gestão Lula iniciou negociações com auxiliares de Trump antes mesmo de o tarifaço dos EUA entrar em vigor. Em 6 de março, o vice-presidente Geraldo Alckmin (PSB) liderou uma primeira videoconferência com o secretário de Comércio dos EUA, Howard Lutnick, da qual também participou Jamieson Greer, chefe do USTR (Escritório do Representante de Comércio dos EUA).
Outros contatos foram mantidos desde então, tanto em nível ministerial como técnico. O objetivo mais imediato do lado brasileiro é convencer os americanos a restabelecerem uma cota para que uma determinada quantidade de aço possa entrar nos EUA sem a nova sobretaxa de 25% até o tarifaço de Trump, vigorava uma cota de 3,5 milhões de toneladas de semiacabados e placas de aço e 687 mil toneladas de laminados.
Segundo relato de interlocutores que acompanham o tema, o fator China é tema constante nas ponderações dos representantes dos EUA. Os americanos argumentam que a crescente importação de aço chinês pelo Brasil desloca o aço nacional para o exterior, para países como os EUA, e que isso cria distorções no mercado internacional.
Nessa linha, Washington tem indicado que a correção dessas distorções é um passo considerado importante para as negociações.
O argumento reflete o posicionamento exposto na ordem executiva de Trump, publicada em fevereiro, que restabeleceu a sobretaxa de 25% sobre aço e alumínio.
Na ocasião, o presidente dos EUA mencionou o aumento expressivo de compra de aço da China pelo Brasil como uma das justificativas para a medida.
“As importações brasileiras de países com níveis significativos de sobrecapacidade, especificamente a China, cresceram tremendamente nos últimos anos, mais do que triplicando desde a instituição deste acordo de cotas”, diz um dos trechos da ordem executiva.
Especialistas do governo Lula rejeitam as alegações de Washington. Segundo eles, não ocorre triangulação nem reexportação de aço chinês aos Estados Unidos, ao contrário do sugerido por auxiliares de Trump.
Outro ponto que tem sido destacado por autoridades brasileiras é que o Brasil tem adotado ações antidumping quando identifica a importação de produtos abaixo do preço de mercado, e que a China é uma das principais afetadas por essas medidas.
Relatos de que os EUA estariam usando as negociações do tarifaço para isolar economicamente a China geraram uma reação de Pequim.
Na última semana, o Ministério do Comércio da China advertiu que vai retaliar países que negociarem acordos comerciais com os Estados Unidos “às custas dos interesses” de Pequim.
“A China se opõe firmemente a qualquer parte que chegue a um acordo às custas dos interesses da China”, disse a pasta em 21 de abril. “Se isso acontecer, a China nunca aceitará e tomará resolutamente contramedidas de maneira recíproca.”
Os negociadores brasileiros também buscam equacionar o temor da indústria brasileira de que as mercadorias chinesas deixadas de lado pelos americanos encontrem vazão no mercado doméstico.
Representantes de Pequim no Brasil negam que o país venha a ser afetado com o excedente de produtos não exportados aos EUA. “Essas preocupações não são necessárias pois não correspondem à realidade. Primeiro, existem diferenças estruturais entre o mercado de consumidores do Brasil e dos Estados Unidos”, disse o embaixador chinês Zhu Qingqiao, em encontro com jornalistas e acadêmicos.
A volatilidade de Washington é uma das características que trazem imprevisibilidade para a mesa de negociação com os americanos. Um membro do governo Lula não arrisca dizer por quanto tempo as tratativas podem se arrastar diante do vaivém do governo Trump e do estilo errático do republicano.
No mesmo dia em que entrariam em vigor as tarifas adicionais impostas pelos EUA, em 9 de abril, Trump anunciou uma pausa de 90 dias para todos os principais parceiros comerciais dos EUA. Em paralelo, ele ampliou o cabo de guerra tarifário com a China.
Atualmente, a maioria dos produtos chineses tem tarifa de 145% seguindo as determinações de Trump. Há a expectativa, entretanto, que as taxas sejam reduzidas para algo entre 50% e 60%, segundo o The Wall Street Journal.
Em entrevista à revista Time, publicada nesta sexta (25), o presidente americano voltou a colocar o Brasil na mira, dizendo que foi um dos países que “ficaram ricos” impondo tarifas sobre as importações americanas.
Em meio à guerra tarifária, o Brasil não exclui a possibilidade de recorrer à OMC (Organização Mundial do Comércio), mas segue apostando no fluxo de negociações em curso. Para uma autoridade brasileira, a nova lei da reciprocidade comercial dá lastro ao Brasil nas tratativas, ainda que a ideia seja não acioná-la.