Reunião do Brics começa com racha sobre reforma da ONU

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RICARDO DELLA COLETTA

RIO DE JANEIRO, RJ (FOLHAPRESS)

Os países do Brics chegam divididos à reunião de ministros das Relações Exteriores do bloco, nesta segunda-feira (28), nas discussões sobre um pleito histórico do Brasil: a reforma do Conselho de Segurança da ONU (Organização das Nações Unidas).

Enquanto o governo Lula (PT) tenta costurar um documento que demonstre apoio do Brics a uma reestruturação do conselho o principal órgão da ONU que leve em conta as aspirações de Brasil, Índia e África do Sul de ocupar um assento permanente, há forte oposição de Egito e Etiópia.

Esses dois países resistem a endossar um documento que privilegie pleitos dos membros antigos do grupo em detrimento dos novos. A menção específica à África do Sul é o principal problema para eles, uma vez que isso entra em choque com uma posição sobre reforma da ONU já acordada no âmbito da União Africana (chamado de Consenso de Ezulwini).

O ponto se tornou tão sensível que os negociadores técnicos reunidos no Rio desde quarta (23) não conseguiram chegar a um acordo até a noite de sábado (26). O assunto deve ser tratado diretamente pelos chanceleres.

Criado em 2009, o Brics era inicialmente formado por Brasil, Rússia, Índia e China. Dois anos depois, a África do Sul foi incorporada. O grupo manteve a configuração de cinco países até 2023.

Naquele ano, durante a presidência sul-africana, houve uma expansão fortemente patrocinada por China e Rússia. Os novos integrantes são Egito, Emirados Árabes Unidos, Etiópia, Irã e Arábia Saudita os sauditas têm participação discreta e frequentemente são representados por funcionários de menor nível hierárquico.

A expansão ocorrida em 2023 sofria resistência no Itamaraty, que apontava o risco de o Brasil ter sua importância no Brics diluída. Quando ela se tornou inevitável, a principal moeda de troca negociada pelo governo Lula foi a inclusão, em um documento oficial do bloco, da até então mais forte sinalização de apoio da China a uma reforma do Conselho de Segurança da ONU.

Na declaração daquela reunião, o Brics endossou uma “reforma abrangente da ONU, inclusive do seu Conselho de Segurança, com a visão de fazê-la mais democrática, representativa, efetiva e eficiente”.

Na frase mais comemorada pelo Itamaraty à época, o texto endossou especificamente as “aspirações legítimas de países emergentes e em desenvolvimento de África, Ásia e América Latina, inclusive Brasil, Índia e África do Sul, de ter um papel mais ativo em assuntos internacionais, em particular na ONU, inclusive no Conselho de Segurança”.

O problema é que essa vitória, que já era encarada com ceticismo por alguns analistas em 2023, teve vida curta. No ano seguinte, durante a presidência da Rússia e com os novos membros participando da negociação, o documento acordado trouxe uma linguagem que representou um retrocesso para a posição brasileira.

A menção específica a Brasil, Índia e África do Sul foi substituída por um reconhecimento genérico das aspirações dos “países do Brics”.
Nas negociações para a atual reunião de chanceleres, a delegação brasileira quer retomar os termos negociados em 2023. O argumento usado é que, quando o Brics foi ampliado, os novos integrantes teriam concordado com opiniões acertadas anteriormente, entre elas os princípios sobre reforma do conselho da ONU.

Essa visão não tem sido aceita por egípcios e etíopes.

Existe uma rivalidade interna na África sobre quem deveria representar o continente na hipótese de um Conselho de Segurança ampliado, e a África do Sul não é considerada uma candidata incontestável (tem PIB parecido ao do Egito e, em termos de população, está em sexto no ranking).

O Consenso de Ezulwini foi adotado pela União Africana em 2005 e estabelece que o continente deveria ser representado no Conselho de Segurança por não menos do que dois assentos permanentes, com prerrogativa de veto, e cinco cadeiras temporárias. O texto não cita especificamente países e diz que a escolha dos representantes da África no colegiado deveria ser da União Africana.

A reforma do Conselho de Segurança da ONU e a designação de um assento permanente para o Brasil é um pleito histórico do Itamaraty, com especial força no governo Lula. No entanto, as perspectivas de que uma reestruturação saia do papel são remotas, ainda mais num cenário de crescente disputa geopolítica entre potências como Estados Unidos, China e Rússia.

O argumento no Itamaraty para justificar a ênfase dada ao tema é o de que o Brasil precisa estar bem posicionado para quando haja as condições de uma reforma.

No sábado, o negociador-chefe do Brasil no Brics, embaixador Mauricio Lyrio, disse que a linguagem sobre reforma do Conselho de Segurança estava em negociação, e que portanto não adiantaria pontos específicos.

“Veremos o resultado, mas naturalmente o tema da reforma do Conselho de Segurança, quando se fala em reforma da governança global, é um tema absolutamente central e deverá ser objeto de discussões entre os ministros”, disse.

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