Autoridades de saúde dos Estados Unidos afirmaram que vão incentivar os fabricantes de alimentos a eliminar gradualmente os corantes artificiais à base de petróleo do fornecimento de alimentos no País, mas não prometeram uma proibição formal e ofereceram poucos detalhes sobre como pretendem alcançar a mudança.
O comissário da Food and Drug Administration (FDA, agência americana equivalente à Anvisa), Marty Makary, disse em uma coletiva de imprensa na terça-feira, 22, que o órgão tomará medidas para eliminar os corantes sintéticos até o fim de 2026, contando principalmente com esforços voluntários da indústria alimentícia. O secretário de Saúde, Robert F. Kennedy Jr., que participou da reunião, disse ter ouvido os fabricantes de alimentos, mas comentou não haver acordos formais com eles. “Não temos um acordo, temos um entendimento”, disse Kennedy.
Os oficiais afirmaram que a FDA deve estabelecer um padrão e um cronograma para a indústria mudar para alternativas naturais, revogar a autorização para corantes que não estejam em produção nas próximas semanas e tomar medidas para retirar do mercado os corantes restantes.
“Hoje, a FDA está pedindo às empresas de alimentos que substituam os corantes petroquímicos por ingredientes naturais para as crianças americanas, como já fazem na Europa e no Canadá”, disse Makary.
O movimento proposto tem por objetivo promover a saúde das crianças, acrescentou. “Nos últimos 50 anos, realizamos com as crianças de nossa nação um dos maiores experimentos científicos sem controle do mundo, sem o consentimento delas”, disse.
Normalmente, o processo para retirar aditivos aprovados do fornecimento de alimentos leva vários anos e requer diversos procedimentos. Grupos da indústria afirmaram que os produtos químicos são seguros e indicaram que tentariam negociar com os reguladores para mantê-los disponíveis.
“A FDA e órgãos regulatórios ao redor do mundo consideraram nossos produtos e ingredientes seguros, e esperamos trabalhar com a Administração Trump e o Congresso sobre essa questão”, disse Christopher Gindlesperger, porta-voz da National Confectioners Association (Associação Nacional de Confeiteiros). “Estamos firmemente de acordo que a avaliação baseada na ciência dos aditivos alimentares ajudará a eliminar a confusão do consumidor e a reconstruir a confiança em nosso sistema nacional de segurança alimentar.”
Defensores da saúde há muito pedem a remoção dos corantes artificiais dos alimentos, citando estudos que indicam que eles podem causar problemas neurocomportamentais, incluindo hiperatividade e problemas de atenção, em algumas crianças. A FDA manteve que os corantes aprovados são seguros e que “a totalidade das evidências científicas mostra que a maioria das crianças não tem efeitos adversos ao consumir alimentos contendo esses aditivos”.
Atualmente, a FDA permite 36 aditivos para colorir alimentos, incluindo oito corantes sintéticos. Em janeiro, a agência anunciou que o corante conhecido como “vermelho 3” – usado em doces, bolos e alguns medicamentos – seria proibido em alimentos até 2027 por causar câncer em ratos de laboratório.
Os corantes artificiais são amplamente utilizados em alimentos nos EUA. No Canadá e na Europa – onde produtos com as cores sintéticas são obrigados a levar rótulos de advertência -, os fabricantes usam principalmente substitutos naturais. Vários Estados, incluindo a Califórnia e a Virgínia Ocidental, aprovaram leis restringindo o uso de cores artificiais em alimentos.
O anúncio foi elogiado por defensores que dizem que os corantes apresentam riscos à saúde e não têm outra finalidade além da cosmética. “Seu único propósito é fazer dinheiro para as empresas de alimentos”, disse Peter Lurie, presidente do Centro de Ciência de Interesse Público e ex-funcionário da FDA.
“Os corantes alimentares ajudam a tornar os alimentos ultraprocessados mais atraentes, especialmente para as crianças, muitas vezes mascarando a ausência de um ingrediente colorido, como frutas.”
Remover corantes artificiais dos alimentos tem sido um objetivo de longa data das chamadas mães MAHA, apoiadoras de Kennedy e da iniciativa “Make America Healthy Again” (“Faça a América saudável de novo”). Elas estavam entre os manifestantes que assinaram petições e se reuniram do lado de fora da sede da WK Kellogg Co. em Michigan, no ano passado, exigindo que a empresa removesse corantes artificiais de seus cereais matinais nos EUA
Os funcionários da saúde insistiram que os fabricantes de alimentos querem ter clareza sobre o assunto e estão receptivos às mudanças, mas a resposta dos grupos da indústria foi mista.
A Consumer Brands Association, um grupo de fabricantes de alimentos, disse que há muito tempo pede à FDA para afirmar sua autoridade para regular os alimentos em nível nacional, em vez da colcha de retalhos de leis estaduais. Mas, em uma declaração, o grupo também instou os funcionários da FDA a “priorizar a pesquisa que seja objetiva, revisada por pares e relevante para a saúde e segurança humana”. Acrescentou ainda que os ingredientes em questão foram rigorosamente estudados e demonstraram ser seguros.
Horas antes do anúncio, a International Dairy Foods Association (Associação Internacional de Alimentos Lácteos) disse que seus membros eliminariam voluntariamente os corantes artificiais em produtos derivados de leite, em queijos e iogurtes vendidos para programas de merendas escolares dos EUA até julho de 2026.
Outros grupos da indústria não prometeram mudanças rápidas. A International Association of Color Manufacturers (Associação Internacional de Fabricantes de Corantes) disse que exigir a reformulação em menos de dois anos “ignora as evidências científicas e subestima a complexidade da produção de alimentos. Este processo não é nem simples nem imediato, e as interrupções resultantes no fornecimento limitarão o acesso a itens de supermercado familiares e acessíveis.”
Remover os corantes do fornecimento de alimentos não englobará os principais problemas de saúde que afligem os americanos, disse Susan Mayne, especialista em doenças crônicas da Universidade de Yale e ex-diretora do centro de alimentos da FDA
“A maioria desses corantes alimentares está em nosso fornecimento de alimentos há 100 anos… Então, por que eles não estão se movendo em direção a reduções em coisas que realmente impulsionam as taxas de doenças crônicas?”, disse.
No passado, funcionários da FDA disseram que a ameaça de uma ação legal da indústria alimentícia exigia que o governo tivesse evidências científicas significativas antes de proibir aditivos. O Vermelho 3 foi proibido em cosméticos mais de três décadas antes de ser retirado de alimentos e medicamentos. Foram necessárias cinco décadas para a FDA proibir o óleo vegetal bromado devido a preocupações com a saúde.
Algumas das leis estaduais que proíbem corantes sintéticos nas refeições escolares têm prazos agressivos. A proibição da Virgínia Ocidental, por exemplo, proíbe corantes artificiais vermelhos, amarelos, azuis e verdes em refeições escolares a partir de 1º de agosto. Uma proibição mais ampla estenderá as restrições a todos os alimentos vendidos no Estado em 1º de janeiro de 2028.
Muitas empresas de alimentos dos EUA já estão reformulando seus alimentos, segundo a Sensient Colors, uma das maiores produtoras mundiais de corantes e aromatizantes para alimentos. Em vez de corantes sintéticos, os fabricantes de alimentos podem usar tons naturais feitos de beterrabas, algas e insetos triturados, e pigmentos de batata-doce roxa, rabanetes e repolho roxo.
Estadão Conteúdo