ANDRÉ FLEURY MORAES
BAURU, SP (FOLHAPRESS) – Pivô da operação deflagrada no último dia 10 contra o prefeito de Sorocaba, Rodrigo Manga (Republicanos), a OS (organização social) Instituto de Atenção à Saúde e Educação (Iase), tem problemas em todos os municípios paulistas onde manteve contratos na área da saúde.
Fundada em 1995 e até meados de 2022 chamada Aceni, a Iase começou a atuar como organização social em 2017. Seu primeiro presidente nessa condição foi Moizes Constantino Ferreira Neto, que deixou o cargo em 2020 após ser alvo da Operação Raio-X, que investigou desvios de recursos na área da saúde.
Moizes foi condenado a 13 anos e 8 meses de prisão por peculato, mas recorre da decisão.
Seu advogado, João Victor Abreu, diz acreditar na reversão da sentença em segundo grau. Contribui para isso, afirma, uma absolvição de Moizes em outra ação ligada à Raio-X.
A reportagem mapeou os locais onde a OS atua ou atuou a partir de dados disponibilizados pela própria entidade em seu site. Depois, cruzou essas informações com processos no Tribunal de Contas de São Paulo (TCE-SP). Ela atua também em Pernambuco, Rio de Janeiro e Santa Catarina.
Em Cubatão, uma das prestações de conta do Iase foi considerada irregular, mas o caso ainda segue pendente de julgamento final. Todas as outras negociações -contratuais ou de prestação de contas- entre a OS e prefeituras do estado foram consideradas irregulares pelo TCE.
A corte chegou a multar em mais de uma oportunidade tanto a entidade quanto os gestores responsáveis pela contratação.
A reportagem encaminhou questionamentos à Iase, mas não teve retorno. Em nota, a Prefeitura de Cubatão afirmou que “foi notificada pelo Tribunal de Contas à época e apresentou a referida defesa por meio de sua Procuradoria Municipal”.
Em Arujá, a OS foi contratada em 2019 por R$ 7 milhões quando o nome da entidade ainda era Aceni. Tanto o ex-prefeito José Luiz Monteiro como a ex-secretária de Saúde Pellegrino foram multados pelo TCE em R$ 6.394.
Segundo a decisão, a Aceni não comprovou experiência para assumir a gestão do Centro de Especialidades Médicas de Arujá. Pesou na decisão da corte a constatação de que a entidade estava “instalada nos fundos do endereço apontado [nos documentos], sugerindo estrutura incompatível com o porte da terceirização”.
As contas da OS também foram contestadas. Em vez de pormenorizar os gastos, a então Aceni apresentou “apenas rubricas meramente contábeis, tais como ‘pessoal’, ‘material’, ‘despesas de transporte’, sem apresentar os valores contratuais individualizados”, segundo o tribunal. Para a corte, o problema impede a rastreabilidade dos recursos.
Em nota, a prefeitura disse que os fatos são relacionados ao antigo governo e que a atual gestão, iniciada em 2021, não tem mais contratos com a OS.
Problemas envolvendo a organização social também ocorreram em Guarujá, cidade do litoral que contratou a OS em 2020 para operar o hospital de campanha contra a Covid.
A contratação, de R$ 14 milhões, foi formalizada sem licitação em nome da emergência em saúde que atingia o país naquele momento. Mas acabou questionada, primeiro pelo Tribunal de Contas da União (TCU), para quem a execução contratual foi irregular, e também pelo TCE-SP, que chegou à mesma conclusão e multou o ex-prefeito Valter Súman (Republicanos) e o ex-titular da Saúde Hugo Straub em pouco mais de R$ 6.000.
A defesa de Súman não se manifestou. Já a Prefeitura de Guarujá afirmou ter aberto uma sindicância “assim que tomou ciência dos apontamentos do Tribunal de Contas do Estado de São Paulo”.
“O contrato da instituição com a municipalidade vence em maio e um edital de licitação para contratação de uma nova organização social para prestação de serviços no Pronto-Socorro de Vicente de Carvalho (PSVC) será publicado nos próximos dias”, acrescentou.
O órgão estadual constatou sobrepreço de até 42% sobre o valor do contrato e criticou a falta de detalhamento sobre os gastos -o que “inviabiliza a aferição da compatibilidade dos valores ajustados com aqueles praticados pelo mercado, não permitindo que a análise relativa à economicidade seja feita, desprivilegiando a transparência que sempre deve nortear os gastos públicos”.
No caso de Guarujá, gastos com saúde levaram o MPF (Ministério Público Federal) a denunciar o ex-prefeito Súman em caso que apura desvios na saúde envolvendo a OS Pró-Vida. O Iase chegou a ser mencionado em conversas telefônicas interceptadas pela Polícia Federal, mas foram denunciados apenas representantes da primeira entidade. Em juízo, eles negam irregularidades.
Em Pirajuí, interior de São Paulo, o Iase responde, ao lado do ex-prefeito César Fiala (União Brasil), a uma ação de improbidade administrativa ajuizada pelo Ministério Público Federal que aponta direcionamento no chamamento público do qual a entidade saiu vencedora.
Um inquérito chegou a ser aberto para apurar a suspeita de desvios, mas acabou anulado pelo Tribunal Regional Federal da 3.ª Região (TRF-3).
O contrato entre a OS e a prefeitura pirajuiense foi igualmente rejeitado pelo TCE, para o qual “a dificuldade encontrada na obtenção de informações que atendam às exigências de transparência e a omissão em documentos financeiros indicam erros que obstruem uma análise correta do uso dos recursos públicos”.
A corte ainda determinou que a OS devolvesse R$ 162 mil ao erário municipal. Procurado, Fiala disse que não vai se manifestar.
Da mesma forma e à luz dos mesmos argumentos -falta de transparência, indícios de direcionamento e antieconomicidade-, o TCE também rejeitou os contratos da OS com as prefeituras de Jaboticabal, Pindamonhangaba, São Vicente e Sorocaba, pivô da operação na semana passada.
Procuradas pela reportagem, as gestões não responderam.
Em Caieiras, a OS foi condenada pelo Tribunal de Contas a devolver mais de R$ 500 mil aos cofres públicos municipais em decisão que rejeitou uma das prestações de contas do contrato e multou o atual presidente do Iase, Sergio Ricardo Peralta, em R$ 29 mil.
Peralta tem 53 anos e nasceu em Santos. Chegou a se candidatar três vezes (2008, 2012 e 2016) para o cargo de vereador em Cubatão, mas não foi eleito. Ele é um dos envolvidos na busca e apreensão que envolveu o prefeito de Sorocaba na semana passada.
A investigação mira não apenas a OS, mas também outros negócios de Peralta. Um deles é a empresa SP Consultoria e Projetos, cuja ficha cadastral na Junta Comercial do Estado de São Paulo (Jucesp) foi alterada no último dia 14 de abril.
Essa mudança, determinada pelo Judiciário, registrou a busca e apreensão na ficha cadastral da empresa e proibiu “qualquer alteração dos quadros sociais das pessoas jurídicas investigadas, bem como a proibição de que as pessoas físicas integrantes de seus atos societários ingressem em novas ou nas mesmas sociedades”.
A reportagem questionou a prefeitura de Sorocaba sobre a contratação do Iase, mas não obteve resposta até a publicação deste texto.