Dando continuidade à série de quatro colunas que analisam a produção “Adolescência”, escrita pelas professoras Heloisa de Vivo, Ângela Anastácio e pelo professor Vitor Barros, da Unieuro, seguimos com a segunda reflexão.
“Você precisa ser forte.”
“Engole o choro.”
“Homem de verdade não se abala.”
Essas frases não estão em manuais, mas são repetidas todos os dias – nas entrelinhas da criação, nos comentários despretensiosos, nas brincadeiras de mau gosto. A masculinidade, ao longo da infância e da adolescência, é moldada como uma couraça: rígida, protetora, mas também pesada e sufocante.
Na série Adolescência, Jamie não é apenas um garoto acusado de um crime brutal. Ele representa tantos outros meninos que, sem saber onde colocar suas dores, frustrações e desejos, acabam encontrando no ódio, na internet e na rigidez emocional uma forma de existir. Mesmo que isso os destrua – e, às vezes, destrua também quem está ao redor.
Jamie está cercado por expectativas silenciosas: ser útil, forte, confiante. Mas quem ensina um menino a lidar com a rejeição? Com o fracasso? Com a solidão?
Na psicologia do desenvolvimento, a adolescência é marcada pela busca por identidade, pertencimento e autonomia. Para os meninos, porém, esse caminho costuma ser atravessado por interditos emocionais. São ensinados a vencer, não a elaborar a perda. São preparados para competir, não para dialogar. O afeto é domesticado, o choro é punido.
Esse bloqueio emocional é o caldo onde fermentam angústias sem nome, que acabam se transformando em raiva. E a raiva, muitas vezes, encontra morada na misoginia, no machismo e na violência.
Machosfera: a ilusão de uma irmandade forte
A série mostra como Jamie se conecta a comunidades digitais que reforçam um ideal de “homem alfa”: dominador, seguro, viril, imune ao sofrimento. Essa identidade seduz porque oferece explicações simples para angústias complexas: “Você não é amado porque as mulheres são manipuladoras”; “Você não é valorizado porque o mundo virou feminista demais.”
No lugar do diálogo, da análise e da empatia, os meninos encontram fóruns que os validam justamente onde mais dói: na insegurança. A machosfera se apresenta como solução, mas é armadilha. Vende poder, mas entrega isolamento. Cria conexões falsas e fortalece o ressentimento.
Rafael, pai de um menino de dois anos e personagem citado em uma das reportagens analisadas, afirma: “É preciso atuar como modelo para nossos filhos.” Essa é uma chave essencial. Meninos aprendem mais pelo que observam do que pelo que ouvem. Pais que choram, que falam sobre seus sentimentos, que reconhecem seus erros – esses ensinam uma nova forma de ser homem.
A masculinidade não precisa ser negada, mas sim reconstruída. E reconstruir não é destruir – é abrir espaço para formas mais plurais, menos violentas e mais humanas de existir. Isso passa, necessariamente, por três pilares:
- Autoconhecimento emocional: meninos precisam aprender a identificar o que sentem – e saber que não há vergonha em sentir.
- Relações de confiança: ter com quem conversar sem medo de julgamento é uma das formas mais eficazes de prevenir comportamentos de risco.
- Espaços seguros de elaboração coletiva: grupos de reflexão, rodas de conversa e atividades que estimulem a vulnerabilidade compartilhada são práticas terapêuticas e educativas potentes.
Durante a adolescência, o corpo muda, os afetos se intensificam e os dilemas éticos emergem. Os meninos não querem apenas saber quem são – querem saber quem podem ser. E, nesse momento, a sociedade os empurra para um beco estreito: ou você se impõe ou é anulado.
Essa lógica binária gera sofrimento psíquico. Muitos meninos vivem em conflito entre o desejo de sensibilidade e a exigência de brutalidade. Alguns, como Jamie, sucumbem. Outros, como Rafael e Carlos (também citados nas reportagens), escolhem a ruptura: buscam terapias, reavaliam comportamentos, elaboram o que aprenderam. Mas isso não pode ser exceção. Precisa virar cultura.
Direcionamentos possíveis: o que a Psicologia propõe
- Educação emocional desde a infância: ensinar meninos a lidar com frustração, inveja, rejeição e dor.
- Intervenções escolares com enfoque de gênero: incluir a discussão sobre masculinidades no currículo como estratégia de saúde mental e cidadania.
- Espaços terapêuticos acessíveis e desestigmatizados: investir em políticas públicas que ofereçam psicoterapia individual e em grupo para adolescentes e jovens.
- Formação de pais e cuidadores: programas que ajudem adultos a compreender a experiência masculina sem reforçar estereótipos.
A masculinidade que Jamie aprendeu é a do medo: de errar, de se mostrar frágil, de ser rejeitado. Mas o medo, quando não é acolhido, vira armadura. E armaduras não protegem – isolam.
O que Adolescência nos mostra é que, hoje, ser homem pode ser um ato de resistência à própria cultura. E essa resistência precisa ser ensinada: com palavras, com exemplos, com escuta.
Desaprender o machismo é uma tarefa árdua – mas não impossível. A adolescência é o momento ideal para começar. É ali, entre o silêncio e o grito, que pode nascer um novo modelo de homem: um homem inteiro, que sinta, que cuide, que chore e que ame.
Até a próxima.