LUANA TAKAHASHI E MANUELA RACHED PEREIRA
SÃO PAULO, SP (UOL/FOLHAPRESS)
A onça-pintada apontada como responsável por matar e comer partes do corpo do caseiro Jorge Ávalos, no Mato Grosso do Sul, foi capturada no Pantanal sul-mato-grossense na madrugada desta quinta-feira (24).
O QUE ACONTECEU
O animal, um macho de 94 kg, estava rondando a mata quando foi achado. Após a captura, ele foi transportado para o CRAS (Centro de Reabilitação de Animais Silvestres) de Campo Grande para passar por exames médicos que irão ajudar na compreensão sobre o ocorrido, informou a PMA-MS (Polícia Militar Ambiental do Mato Grosso do Sul).
Segundo o pesquisador Gediendson Araújo, que participou do resgate, a onça estava ”bem magra”. Em vídeos divulgados pela PMA, ela aparece deitada, com acesso venoso e a frequência cardíaca sendo monitorada. O órgão ainda não informou qual será o seu destino após os procedimentos médicos.
O CRAS será isolado para a chegada do felino. Ainda segundo o órgão ambiental, a entrada de pessoas não autorizadas não será permitida no local para garantir o manejo adequado do animal e a proteção da população.
CASO É ‘RARÍSSIMO’ E PODE COLOCAR ESPÉCIE EM RISCO
Caseiro foi vítima de ataque predatório, diz biólogo. Segundo Tiago Leite, coordenador técnico do Instituto Profauna e biólogo especialista em Ecologia e Monitoramento Ambiental, incluindo de felinos, já existe um consenso entre pesquisadores que acompanham o caso de que corpo da vítima serviu de alimento ao animal.
Ele ressalta, porém, que episódios do tipo são muito raros. “Sabemos que são raríssimos casos de felinos que predam seres humanos”, afirma Leite, que estuda o impacto humano em populações felinas silvestres na Mata Atlântica. Apesar disso, pondera: “Ao mesmo tempo, existem estudos que demonstram uma certa tendência de esses animais passarem a buscar esse tipo de recurso [humano] quando têm êxito em uma caçada.”
Especialista diz que, nos bastidores, já se estuda para onde enviar o animal responsável pelo ataque ao caseiro. Uma possibilidade estudada é que, se confirmado que o animal é o mesmo que atacou Jorge, ele seja encaminhado para outra área silvestre, “mais isolada da presença humana, para evitar futuros incidentes como esse”, explica Leite. Outra, segundo o biólogo, é enviá-lo felino para o Instituto Onça Pintada, em Goiás, o que tem gerado críticas por parte de pesquisadores e movimentos conservacionistas.
“Circulam alguns rumores de que estão pensando em encaminhar esse animal para ser tutelado pelo Instituto Onça Pintada, mas existem várias opiniões contrárias a isso, por se tratar de um animal selvagem que passou a vida toda na natureza, e por entenderem que não seria justo ou digno com ele enviá-lo para viver em cativeiro, mesmo que em um recinto grande. Por isso, a maioria dos movimentos conservacionistas defende que esse animal deve ser deslocado para uma área com menor presença humana”, afirma Tiago Leite, coordenador técnico do Instituto Profauna.
Biólogo reforça que existem mitos por trás de ataques por onças a humanos. Um deles, explica, é o que diz que o felino, após se alimentar da carne humana, passaria a fazer isso sempre, por gostar. “Mas não é isso”, reforça. “A questão é que um animal, às vezes mais velho ou com algum tipo de lesão ou comprometimento que o torne um pouco mais lento para poder fazer uma caçada em ambiente natural de uma presa habitual, como um jacaré ou uma anta, e que descobre que o ser humano é uma presa potencial para ele, acaba dando uma certa predileção para esse possível recurso alimentar, o que sabemos que pode ser problemático”.
“A onça capturada estava bem magra, o que, potencialmente, pode ter contribuído com o ataque. Um animal magro pode já ser mais idoso ou que está passando por algum tipo de problema e, portanto, poderia estar tendo dificuldade de capturar suas presas habituais no ambiente natural. Isso pode ter o lavado a buscar fontes de recurso mais fácil, como uma presa humana. Mas isso são só hipóteses, não é possível ter certezas neste momento”, afirma Tiago.
Casos do tipo geram desinformação e “pavor”, colocando animais em risco, conclui especialista. “Infelizmente, esse tipo de evento acaba ganhando grande repercussão por ser um evento traumático que causa um certo terror, e isso acaba gerando muita especulação e uma série de problemas”, diz. Ele alerta ainda que, após eventos como esses, a população busca realizar ”justiça com as próprias mãos”.
“Diante das fake news que estão surgindo sobre o caso, estamos nos articulando para divulgar informações que orientem a sociedade e deixe claro que esse foi um evento esporádico raríssimo e que não é preciso ter pavor de onça e, principalmente, não cometer nenhum tipo de retaliação contra os animais, que é uma espécie ameaçada de extinção”.
ENTENDA O CASO
Restos mortais de Jorge, 60, foram encontrados no último dia 22 próximos a uma propriedade rural de Aquidauana. Conforme divulgado por associações locais de pescadores, além dos policiais ambientais, familiares e guias da região encontraram partes do corpo de Jorge próximos de uma toca onde a onça repousava.
Homem foi atacado perto de um pesqueiro dentro do local onde trabalhava como caseiro da área de pesca. Vídeos que circulam nas redes sociais mostram marcas de sangue vistas por moradores no sítio, conhecido como pesqueiro Touro Morto, no Pantanal, às margens do Rio Miranda.
Após a confirmação da morte de Jorge, órgãos estaduais iniciaram buscas pela onça. Uma equipe da Polícia Militar Ambiental foi designada para os trabalhos, acompanhada por Gediendson Ribeiro de Araújo, pesquisador da UFMS (Universidade Federal do Mato Grosso do Sul) e especialista em manejo de onças-pintadas, além de dois guias locais.