DIEGO FELIX
SÃO PAULO, SP (FOLHAPRESS)
A Voepass protocolou nesta terça-feira (22) seu pedido de recuperação judicial com o objetivo de reorganizar compromissos financeiros e fortalecer a estrutura de capital. Segundo a companhia, a medida é uma continuidade do processo de reestruturação financeira iniciado em fevereiro deste ano e foi necessário após a Anac (Agência Nacional de Aviação Civil) suspender suas atividades aéreas.
Em nota, a companhia aérea disse que a iniciativa ocorre em um “contexto desafiador para o setor aéreo regional”, que lida com a diminuição da oferta de acesso ao transporte aéreo no interior do país.
No pedido, protocolado em Ribeirão Preto (SP), a Voepass afirma ter uma dívida de R$ 428,7 milhões. A maior parte dos credores são trabalhistas, quirografários e empresas de pequeno e médio porte (R$ 209 milhões).
Esse é o segundo pedido de recuperação judicial da Voepass. O primeiro teve duração entre outubro de 2012 e agosto de 2017.
Os processos de indenização ligados ao acidente que matou 62 pessoas, em Vinhedo (SP), no ano passado, não foram incorporados à recuperação. De acordo com a companhia, os valores relacionados ao acidente são realizados diretamente pela seguradora.
“Caso o pedido de recuperação judicial seja deferido pela Justiça, todos os passivos da Voepass serão congelados e negociados com base em um plano detalhado que será elaborado para atender todos os credores”, afirmou a Voepass em nota. O processo corre na Justiça de São Paulo.
Com as atividades suspensas pela Anac (Agência Nacional de Aviação Civil) desde o início de março, a companhia aérea disse atuar junto ao órgão para retomar os voos.
“Com todo o cenário enfrentado pela companhia nos últimos meses, esta foi a única saída para realizar uma reestruturação completa e garantir que a Voepass volte a oferecer um serviço essencial para o desenvolvimento do Brasil. Atualmente, a Voepass é uma das únicas empresas totalmente dedicadas à aviação regional, além de ser responsável pela geração de centenas de empregos em todo o País”, afirma em nota José Luiz Felício Filho, CEO da companhia.
No pedido protocolado nesta terça, a Voepass afirmou que foi surpreendida com a decisão da Anac de suspender, por tempo indeterminado, todos os seus voos. A justificativa da agência foram motivos de segurança.
Segundo a Anac, a suspensão será mantida até que a empresa comprove a correção de “não conformidades relacionadas aos sistemas de gestão previstos em regulamentos”.
A companhia afirma que sua situação financeira já estava comprometida por inadimplementos da Latam, com quem mantém um acordo de codeshare (venda de bilhetes de uma companhia aérea em voos operados por outra), e por ingerências de sua parceira principal.
Após o acidente em Vinhedo, a Latam suspendeu as atividades de quatro das dez aeronaves ATR bimotores, com capacidade de até 68 assentos, que eram utilizadas nas operações de codeshare. A Voepass afirma que, a partir de setembro de 2024, a Latam também teria retido ilegalmente os valores contratualmente devidos pelo reembolso de custos fixos com a manutenção das aeronaves.
Essa dívida com manutenção está próxima dos R$ 35 milhões. A companhia diz que esse e outros créditos devidos pela Latam são tratados em um procedimento arbitral mediado pelo Centro Brasileiro de Mediação e Arbitragem.
“Sem geração de caixa, o Grupo Voepass conseguiu apenas manter os pagamentos de algumas de suas obrigações essenciais, aumentando, em consequência, o seu passivo. Com isso, as requerentes concluíram que a melhor situação seria o ajuizamento do presente pedido”, argumenta a Voepass no processo.
De acordo com a companhia, a Latam realizava a antecipação de pagamentos em nome da Voepass -cujas operações totalizariam R$ 27 milhões até junho de 2024. A Voepass também afirma que necessitava de autorização da Latam para contrair empréstimos ou solicitar linhas de crédito.
Em junho do ano passado, as empresas aéreas assinaram três contratos de renovação da parceria até 2033. Segundo a Voepass, esses contratos estabeleciam uma relação que ia além do codeshare e envolviam a outorga de direitos, troca de ativos e ampliação da frota.
A operação era feita da seguinte maneira: a Latam comercializava 100% dos voos da Voepass, vendia as passagens em seu site, determinava os preços a serem cobrados nos trechos, controlava a publicidade dos voos e os acordos comerciais de vendas com outras agências.
A projeção de faturamento para o período de dez anos seria de R$ 6,5 bilhões. Somente em agosto, mês do acidente em Vinhedo, 93% do faturamento total da Voepass advinha da relação comercial com a Latam.
“Não apenas buscando limitar a sua exposição aos eventuais passivos do Grupo Voepass, mas também ciente de que as requerentes estão em iminente risco de perder seus slots para outras companhias aéreas, a Latam deixa intencionalmente as requerentes à deriva, se arvorando na premissa formalista de que não possuiria qualquer vínculo societário com o Grupo Voepass, bem como não teria exercido qualquer ingerência na gestão dos negócios do Grupo Voepass”, afirma a companhia no processo.
Consultada, a Latam disse que o término da parceria comercial com a Voepass foi motivado principalmente pelo acidente aéreo em Vinhedo. A companhia ressaltou que a Voepass está com o certificado de operador aéreo suspenso pela Anac, o que a impede de operar voos, justificando a rescisão contratual.
“A Latam Airlines Brasil repudia veementemente a injuriosa afirmação da Voepass sobre a responsabilidade atribuída a ela em relação à crise financeira da empresa”, disse a empresa em nota.
SLOTS EM CONGONHAS E GUARULHOS
A companhia também pediu que seus slots nos aeroportos de Congonhas, Guarulhos e Santos Dumont sejam mantidos. Juntos, os horários permitidos para operação nos terminais rendem um faturamento de R$ 24 milhões por mês.
Esses slots são disputados por empresas maiores como Gol e Azul justamente por atenderem os maiores e mais frequentados aeroportos do país.
Com a suspensão dos voos pela Anac, a Voepass corre o risco de perder esses slots. A companhia pode descumprir o índice de regularidade, um dos critérios utilizados pela legislação para que uma empresa siga operando nos horários acordados pelos terminais do país.
Como a Folha de S.Paulo informou, autoridades do setor aéreo veem como mínima a possibilidade de a Voepass voltar a se firmar como uma companhia com operações regulares diante das dificuldades enfrentadas pela empresa.
“A manutenção desses slots faz-se fundamental ao soerguimento do Grupo, eis que o capital gerado por este ativo revela também seu expressivo potencial competitivo, capaz não apenas de ‘salvar’ as requerentes, mas também de quitar os credores envolvidos neste processo”, diz a Voepass.
A companhia afirma, inclusive, que a negociação dos slots com outras companhias também pode gerar caixa e evitar sua falência.