O dia em que a terra parou

Por Pâmela Daiana Müller*

O dia 28 de março de 2025 amanheceu diferente. Havia uma atmosfera pesada, e logo nas primeiras horas da tarde, o mundo foi notificado sobre o Decreto Legge nº 36, que vinha dispor sobre uma suposta matéria urgente: as questões que envolvem o reconhecimento da cidadania italiana.

Em poucos minutos, o mundo dos ítalos descendentes sofreu um terremoto em uma escala nunca antes vista.
Nem mesmo o maior vidente do planeta poderia prever as aberrações jurídicas instituídas pelo decreto.
Primeiramente, cumpre destacar que um decreto lei, no ordenamento jurídico italiano é um instrumento de caráter provisório adotado somente em situações de urgência e necessidade. Tem validade de 60 dias e expira (perde seus efeitos) caso não seja convertido em lei pelo parlamento italiano.

O Decreto Lei em questão não serve para o fim apresentado, uma vez que tal instrumento deve ser utilizado para situação de emergência, o que não é o caso, visto que não há urgência ou emergência em filas consulares que ultrapassam uma década, ou processos judiciais que tem se arrastado por cerca de 48 meses.
A medida extinguiu do dia para a noite (literalmente), o reconhecimento da cidadania italiana por via consular e administrativa, bem como dissolveu as filas de espera consulares.

Criou também duas categorias de italianos: nascidos em solo italiano, e fora do solo italiano, com direitos diferentes entre si, o que por si só fere o art., 3º da Constituição Italiana, sendo ali a primeira inconstitucionalidade a ser atacada.

O status civitatis, ou condição de cidadão, se adquire por nascimento, e uma vez adquirido é permanente e imprescritível, e só pode ser extinto por renúncia. Pode ser justificado a qualquer momento e sua prova se faz através da linha de transmissão.

Um dos maiores absurdos já contido em um texto dessa natureza foi a fixação de data e hora para exterminar um direito, uma vez que a lei só dispõe sobre o futuro e não tem efeito retroativo.

Ou seja: o tal decreto saiu na contramão de toda a base do ordenamento jurídico italiano e comunitário.
Enumerar as anomalias e inconstitucionalidades do decreto, agora será a maior tarefa dos advogados, sendo a via judicial a única alternativa até o momento, para pleitear o reconhecimento de um direito adquirido.

Confiar na justiça e na Corte Suprema de Cassazione é o caminho mais seguro para os descendentes que não desejam se curvar as arbitrariedades de um governo transitório, uma vez que em todas as tentativas de ceifar um direito adquirido a mesma se posicionou como fiel defensora dos princípios contidos na Carta Magna e como grande conhecedora da dívida histórica da Itália com seus oriundi.

Basta voltarmos três anos de história e lembrarmos que algo muito parecido já tentou ser instituído na Itália com a tese inconstitucional da Grande Naturalização, que teve seu fim nas mãos da mais alta corte de justiça do país, atuando como a grande guardiã dos direitos fundamentais.

*A autora é advogada especialista em Cidadania Italiana e Direito Internacional.

O post O dia em que a terra parou apareceu primeiro em Olhar do Vale.

Adicionar aos favoritos o Link permanente.